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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O MENINO RESSUSCITADO POR NOSSA SENHORA

Virgem da Misericórdia
de Piero della Francesca
Uma pobre mulher da Inglaterra tinha um filho de uma sabedoria exemplar, de uma beleza admirável e que, a cada dia, ainda que fosse alimentado apenas por esmolas, se tornava cada vez mais bonito e sábio. Para honrar Deus e Nossa Senhora, o colocam ainda criança para estudar, e a Santa Mãe, que queria ajudar a instruir o pequeno clérigo (ndt. Leigo que tinha recebido a tonsura) que lhe devotaram, acumulou tão grande saber nele, que em seis meses ele possuía o que os outros demoravam quatro anos para aprender.

Ele era de uma inteligência tão clara, de uma memória tão precisa e tão viva que ele entendia imediatamente o que lhe diziam e não se esquecia mais.

Ora, verificou-se que, dotado de um órgão admirável, ele cantava tão perfeitamente e com tanta justeza, unção, piedade, que todos aqueles que escutavam seus hinos, cânticos e sequências pensavam estar ouvindo um querubim. Nunca uma voz infantil foi tão cativante como a sua. Ele a usava, aliás, com modéstia, sem ser solicitado, ele se aplicava a conduzi-la corretamente, se preocupando em agradar aqueles que, para ouvi-lo, levavam-no para suas casas, convidavam-no para sua mesa e lhe concediam, como recompensa, pães, pedaços de carne e dinheiro. Munido com essas doações, ele as levava para sua mãe, a quem, doce e sorridente, ele dizia:

- Tome, tome! A senhora vive de restos dos outros, mas se a senhora soubesse quanto eu fico com o coração apertado ao vê-la constrangida a mendigar assim! Pela alma de meu pai e conquanto Deus e a Virgem conservem meu corpo e minha voz sãos e salvos, de hoje em diante a senhora não terá mais que estender a mão, e viveremos sem precisar ir de porta em porta implorar a piedade das pessoas”.


Entre os cantos que nosso cantor sabia, havia este belo responsório do ofício da Purificação, que exprime estas palavras: Gaude, Maria. Com suas palavras suaves e ternas, com seu aspecto muito agradável e, se recordando em seu coração da Mãe Maria que ele amava, o menino o pronunciava com um fervor tão comovente que ele fazia as lágrimas brotarem dos olhos do povo que o escutava, admirado e recolhido, e suscitava seu interesse aqui e acolá, até que a noite tivesse caído.

Um dia, enquanto ele brincava pela cidade, ele entrou na Judiaria e caiu por acaso no meio de um grupo de clérigos leigos, de cavaleiros que, o reconhecendo, imploraram para ele cantar, sem demora, o doce canto de Nossa Senhora. Ele aceitou e cantou tão bem que numerosos de seus auditores se colocaram novamente a chorar. Os próprios judeus ousaram se aproximar por meio da multidão, e um deles ficou tão cheio de raiva, ouvindo o verso que o amaldiçoava, ele e sua raça, que ele pensou em bater com sua bengala em quem lhe causava tal vergonha. Porém ele sentiu que seria seu fim se ele se abandonasse à sua vontade e, desesperado por suceder pela violência, ele resolveu usar a cautela e se vingar de uma forma mais segura.

Com os  auditores dispersados, ele se aproximou do jovem artista:

- Pequeno clérigo, disse-lhe ele, certamente você estudou em uma boa escola, pois nunca ouvi cantarem como você. E, cantando, você me encantou, assim como todos, e minha alma ficou sob o encanto do responsorial que você enfatizou tão bem. Quero te ouvir repeti-lo. Venha então à minha casa! Tanto é verdade que acredito em Deus, que você me verá conceder e ceder à tua mãe, que ficará mais feliz e em uma situação melhor, tudo o que ela te pedir.

Sem suspeita, simples como um anjo e completamente contente com a promessa, o menino seguiu o hipócrita. Ora, escute o acontecimento horrível: assim que chegou em sua casa, o judeu, fechando sua porta, agarrou um machado e desferiu tal golpe no inocente, que um boi teria morrido. O pobre clérigo caiu por terra, vomitando sangue e miolos por sua bela boca. O carrasco, contudo, com diligência, cavou, sob sua porta, uma fossa onde ele o enterrou, depois ele calcou a terra cujo piedoso cadáver foi coberto.

Dolente foi, à noite, a pobre mãe pela cidade, quando ela não viu seu filho voltar para casa. Não duvidando de que lhe tivesse acontecido o pior, ela lamentou, implorou por Santa Maria, bateu em seu seio e pediu notícias para todos. Infelizmente! ninguém pôde lhe responder. A noite passa, a manhã vem, ei-la novamente pelas praças e nos cruzamentos: tudo o que ela ouve só serve para reavivar sua dor. “Não sabemos de nada sobre teu filho, dizem-lhe, mas estamos certos de que se tivesse lhe acontecido algum mal, todo mundo estaria triste”. E outros: “Boa mulher, escute isso. Vosso filho, ontem à noite, cantou por muito tempo, e maravilhosamente, na rua dos judeus, o responsorial de Nossa Senhora. Os malditos, para escutar, se reuniram de todas as partes. É possível que eles tenham o levado à noite, e Deus sabe então o destino que eles devem tê-lo feito sofrer. Eles ouviram, cheios de vergonha, uma voz celeste celebrar os louvores Daquela que eles odeiam mais que qualquer coisa, e, lá onde os fiéis choravam e se deleitavam, eles alimentavam sua raiva maligna. A doce Senhora, certamente, não deixará o crime impune. Ela está empenhada na questão, e ela descobrirá o assassino por alguma via milagrosa”.

A triste mulher, todavia, não deixou de soluçar e de se lastimar. Dia e noite em lágrimas, diante do altar da Virgem, ela ousou reprovar a Rainha da glória por não ter conservado suficientemente bem o inocente que lhe fazia tantas honras.

- Como, exclamava ela, podemos confiar na senhora, se a senhora defendeu tão mal o melhor dos vossos?

Ela gemeu tanto, vigiou tanto, que ela ficou ali imóvel, muito fraca para comer ou beber. E clérigos e padres, deprimidos, não se resignaram com a perda de seu jovem companheiro.

Mais de três semanas já tinham se passado. A mãe, louca de dor, continuava a vaguear pelas ruas, bordejando os braços e suplicando a Deus, ou para levá-la ou para lhe devolver seu filho. Ela gritava tão forte que ela acabou por reunir toda a cidade em torno de sua pessoa. Enquanto ela passava pela Judiaria, seu desespero redobrou e ela começou a gemer.

- Ó meu filho, ó meu filho, ó meu doce filho, meu coração está partido! Com certeza você morreu aqui, como tens suportado que eu te grite de uma forma tão comovente sem me responder? Se você está vivo, portanto, se você está vivo, não seja desnaturado a este ponto. Fale, fale para mim, onde você está? Ó! uma palavra, só preciso de uma palavra de tua boca!

Ela disse e caiu desfalecida no chão, rasgando suas vestes, batendo em seu peito, arrancando seus cabelos. Depois ela continuou:

- Ah! Mãe, Mãe do Rei do Paraíso, eu tinha te recomendado, com as mãos juntas, meu filho, eu tinha o consagrado à senhora, eu quis que ele fosse instruído em teu serviço. O que fizestes disso? O que fizestes disso? Nunca ouvi dizer que a senhora tivesse o costume de perder o que colocavam em tuas mãos. Eu me arrependo e eu te venero, mas te suplico, ó puríssima, mostre-me meu filho morto se a senhora não quer me devolvê-lo vivo, ou me leve para junto dele.

Ela caiu sem forças e se calou, o rosto decomposto. Todos, pequenos e grandes, a contemplavam tomados por uma compaixão indizível e desesperadora, ao ver que nenhum remédio podia reparar tão grande desgraça. Porém Aquela que parecia adormecida e surda vigiava. Aquela a quem não se suplica em vão.

No meio do silêncio se elevou uma voz, uma voz que rapidamente reconheceram, e que cantava, mais suave, mais comovente que de costume, e parecia não pertencer à terra. Ela modulava: Gaude, Maria. Morto, enterrado no fundo de sua fossa, e, pela onipotência de Nossa Senhora, o jovem clérigo despertou para proclamar imediatamente a glória da Soberana benigna e terna que acabara de ressuscitá-lo…

- Ouço meu filho! Ouço meu filho! exclamou sua mãe enlouquecida.

- Ao judeu, ao judeu, gritava a multidão, foram estes monstros que fizeram tudo.

Clérigos e leigos se precipitaram, derrubando os malditos que se retiraram e se fecharam em suas casas. Porém os sitiantes rapidamente forçaram as portas. Eles entraram por toda parte buscando o menino, o chamando e bisbilhotando até no menor reduto sem conseguir descobrir de onde partia a voz.

O criminoso permanecia lá, tremendo e consumido pela angústia. Sua porta, logo em seguida, cai estilhaçada e a multidão domina a casa, certa de que desta vez  ela teria sucesso.

- Ele está aqui, exclamam, ele está aqui.

Mãos ágeis se colocam a cavar, a fossa é aberta e o menino aparece, são e salvo, fresco como uma rosa, e tal como se, em seu seio, a Virgem o tivesse conservado… Todos o olharam, o contemplaram e ninguém se cansou com tão bela visão. Porém, quando sua mãe o agarrou, ninguém mais pôde se aproximar dele.

Grande foi a festa e elevado foi o júbilo que celebraram. O menino andava pela cidade com um rosto sorridente, apesar de sua cicatriz. Os mais sábios da cidade se reuniram em torno dele e suplicaram, com doçura, em nome de Deus, para ele contar como o tinham disposto assim. E ele lhes disse:

- Outra noite, após a festa, um judeu que não gostava muito de mim, ainda que ele fingisse me afagar, me levou para sua casa sob pretexto de escutar meu belo responsorial. Lá, ele me atingiu com um machado e depois não me lembro de mais nada, pois me parece que eu dormi. Em meu sono, uma bela senhora apareceu para mim, a doce mãe de Jesus. Ela me acordou, dizendo que eu era muito precioso para ela, por causa de seu ofício, para que ela me deixasse perecer. A partir deste instante eu comecei a cantar novamente. Vocês sabem disso melhor que eu.


Adaptado de: DE COINCY, Gautier. Les plus beaux miracles de Notre Dame.

fonte:http://catolicosribeiraopreto.wordpress.com


   
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