Discussão no adro da capela a respeito da missa dos rallíés¹
Na saída da capela, o padre discute com um fiel, Filipe, de 17 anos. Durante a conversa, Filipe conta como se passou o seu último fim-de-semana com amigos da região de Paris. Filipe diz que o grupo escolheu ir à missa dos ralliés²…
Filipe: Mas porque este ar reprovador? Não é a missa verdadeira?
Padre: Sem dúvida, a missa é boa. Mas isto não é o principal.
Filipe: Não é o principal? Mas o que é que falta, padre?
Padre: Bem, vou fazer uma comparação. Um licor é uma boa coisa, não é? (Filipe concorda com um sorriso). Pois bem. Mas cada vez que se bebe um licor, não se faz necessariamente uma boa ação (Filipe compreende). Ocorre algo de semelhante com a santa missa. Uma coisa é o fato de a missa ser, em si mesma, uma boa coisa. Mas é preciso também que o assistir a essa missa seja também bom; é necessário que a assistência a essa missa seja uma boa ação.
Filipe: Sim, mas um licor e a missa não são a mesma coisa! O senhor parece querer dizer que se pode fazer o mal assistindo à missa tradicional!
Padre: Exatamente, é isto mesmo que eu quero dizer! Assim como se pode fazer um mau uso de um licor, do mesmo modo não é sempre bom assistir à verdadeira missa. Pode até ser um mal.
Filipe: Essa é a maior!
Padre: Caro Filipe, sua surpresa é um tanto compreensível. Normalmente, um católico não tem motivos de se questionar quando assiste a uma missa católica. Na atualidade, porém, existem muitas coisas anormais na Igreja. Nós, por exemplo, celebramos a missa em salas improvisadas, enfrentando a hostilidade do clero da região, estigmatizados, sendo considerados como excomungados, cismáticos … Muita gente não vem aqui porque crêem que isto é praticar o mal. E, no entanto, é realmente a verdadeira missa! O que ocorre, é que eles se enganam pensando que é mal vir aqui.
Filipe: Sim, eles se enganam, já que aqui é a verdadeira missa!
Padre: Não, Filipe, preste atenção. O problema deles não é a missa. O problema deles é que lhes disseram que é mal ir a ela. É bem diferente. Pois bem, o problema com os ralliés é do mesmo gênero: a sua missa é boa, certo, mas é bom ir a ela? Isto é uma outra questão! Percebe a distinção?
Filipe: Sim, eu vejo a distinção. Mas eu não vejo realmente porque não é bom ir a uma missa da Fraternidade São Pedro, ou de Cristo-Rei!
Padre: Veja, quando se começa a interrogar se assistir a tal ou tal missa é bom ou não, passamos logo a falar daquele que celebra a missa. Interessante, não?
Filipe: Não me parece muito claro…
Padre: Pois bem! Digamos, como você acaba de fazer; eu vou à verdadeira missa na Fraternidade São Pedro, em Cristo-Rei, na Fraternidade São Pio X, na praça Foch, ou na rua Buisson, e a missa celebrada nestes diferentes lugares é a mesma. Todavia, assistir aqui ou acolá, isto não é a mesma coisa. Depende de quem a celebra.
Filipe: Porque?
Padre: Porque a missa e um licor não são a mesma coisa! Há pouco, você poderia ter me dito: quanto a mim, quando eu bebo um licor, eu me previno. Jamais tenho problemas. Bebo sempre com moderação! Mas a missa não é uma coisa que se consome sozinho num canto, de maneira privada.
Filipe: É então o que? Eu vou à missa para me recolher, para rezar, para comungar. Pouco me importa se o padre é da Fraternidade São Pedro ou São Pio X. Que os senhores se acertem!
Padre: A santa missa é o ato mais elevado do culto público da Igreja. Quer dizer que é, antes de tudo, um ato social, no qual se honra o nosso Deus e se recebe seus benefícios sob a autoridade da Igreja, sociedade que Deus instituiu para poder ser honrado como Ele o quer.
Filipe: Hum… Um pouco difícil de entender, padre.
Padre: Vou recomeçar. Em privado, você pode rezar muito livremente, quando quiser, como quiser; de qualquer maneira, trata-se de uma oração. Mas o Bom Deus quis ser honrado também, e sobretudo, reunindo os homens em torno da cruz, para a missa; isso é que é a oração pública e oficial da Igreja. É assim que ela presta a Deus, em nome de todos os homens, toda a honra e glória que lhe são devidos. Portanto, a missa não é uma devoção privada nem dos assistentes nem dos padres que a celebram. É um ato comum de culto, o que supõe que aquele que celebra tenha recebido da Igreja a autoridade para o fazer. Ele deve depender de um bispo, o qual depende do papa. É por isso que eu falava da autoridade da Igreja.
Filipe: Mas o senhor, padre, o senhor é independente desta autoridade.
Padre: Pois bem, Filipe, chegamos ao coração do problema. O que você diz, é o que dizem os "conciliares" e os que creem neles, quando eles dizem que assistir às nossas missas não é permitido. Mais uma vez, não é porque a missa que celebramos seja má, mas porque nós resistimos à Hierarquia, a Roma. E nós dizemos: não se deve assistir à missa dos ralliés, porque eles se submetem à hierarquia conciliar.
Filipe: Se bem compreendo, então o fundo do problema é o da submissão á hierarquia atual?
Padre: Exatamente! Normalmente, na Igreja, um padre está submetido a seu bispo, que está submetido ao papa; assim ele recebe uma missão de celebrar a missa e os outros sacramentos para uma porção dos fiéis da Igreja. Ora, desde umas três décadas constata-se que, para guardar a fé, os fiéis pediram a padres, que também queriam guardá-la, para que estes se ocupassem deles, a ponto de resistir aos bispos e ao papa. Como bons Gauleses³, não queriam resistir por resistir, mas queriam defender sua fé diante das decisões de Roma, que contribuíam para a perda da fé dos fieis.
Filipe: Que decisões?
Padre: Por exemplo, a promulgação da nova missa de Paulo VI, em 1969. Mas antes, houve o Concílio, com vários textos ruins, sobretudo sobre o ecumenismo e a liberdade religiosa. Mais tarde, houve mudanças nos outros sacramentos, depois o novo direito canônico, em 1983. Houve muitos escândalos de ecumenismo, como Assis, em 1986. e depois, houve a luta feroz contra D. Lefebvre que só fazia, como ele mesmo disse várias vezes, o que ele sempre tinha feito, com a aprovação de Roma. Em 1988, D. Lefebvre sagrou bispos porque ele compreendeu que Roma queria destruir a Tradição. A fé dos fiéis continuava sendo ameaçada. E isto é o essencial que deve ser compreendido: a hierarquia, os bispos, o papa, estão nas suas funções para conduzir os padres e os fiéis na fé. Se eles não fazem isto, os fiéis e os padres devem resistir e procurar guardar a fé. E isto acaba sendo uma forma de submissão mais elevada.
Filipe: Bem… Mas o que tem a ver com isto a missa dos ralliés? Se for à missa deles vou perder a fé ?
Padre: É necessário considerar o problema sob um outro aspecto…
Filipe: Sob um outro aspecto?
Padre: Sim, um outro aspecto. A questão de saber se eu vou perder a fé é capital. Mas, o que é preciso que se interrogue é: qual é a atitude de fé que convêm diante damissa dos ralliés? Não existe na sua questão um subtendido, do tipo: já que é a verdadeira missa, se eu me prevenir, não haverá problemas comigo, como quando eu bebo um licor. Estou enganado?
Filipe: Não, padre, é assim mesmo!
Padre: Portanto, é preciso considerar o outro aspecto, que foi explicado há pouco. A missa é antes de tudo um ato público e hierárquico. A missa de um padre rallié é a missa de um padre que, ao menos oficialmente, obedece ao bispo do lugar e ao papa, logo um padre que vai receber, de vez em quando, o seu bispo para as cerimônias, um padre que não prega que a nova missa é má, perigosa para a fé, um padre que vai assim congregar em torno de si fiéis cuja fé é mais fraca, menos informada a respeito dos sérios perigos que ameaçam a vida cristã na igreja conciliar, um padre que, se for lógico consigo mesmo, considerará que a situação da Igreja hoje é grosso modo, normal, de qualquer modo normal o suficiente para tornar a resistência da Fraternidade São Pio X ilegítima, um padre que, obedecendo a autoridades liberais e modernistas vai inevitavelmente se desviar, um padre que, finalmente, trai tudo o que fez D. Lefebvre, que trai as almas, as engana, fazendo-as crer, através de sua submissão pública à hierarquia, que o papa conduz verdadeiramente suas ovelhas e seus carneiros nos caminhos da verdadeira fé…
Filipe: O senhor está exagerando um pouco, padre!
Padre: Assim falava D. Lefebvre no seu tempo! Um padre rallié, atualmente, não assume uma posição justa na Igreja. Ele não está em ordem com o Bom Deus. Não está na verdade. Há nele o conflito entre o desejo de bem fazer e a submissão às autoridades conciliares. Seus sermões se ressentem disto obrigatoriamente. Suas revistas, sites, etc., também; haverá documentos da diocese no fundo de suas igrejas. Existe ainda o sério risco de , com o tempo, deixar-se levar pela tibieza por causa do contato com fiéis bem menos formados na fé, havendo também o risco de se deixar atrair por uma doutrina mais acomodada, ou pela simpatia por fiéis ou padres (da igreja "conciliar", ndt).
Filipe: Portanto, não se pode jamais assistir à missa dos ralliés?
Padre: Não se pode jamais desagradar a Deus! Essas missas não são para nós! Se, por razões excepcionais, acabamos por estar presentes numa cerimônia de ralliés, convêm então observar uma atitude discreta, evitando dar a impressão de que se adere à sua submissão aos bispos ou ao papa. Por exemplo, abstendo-se de comungar. Pois é preciso se preocupar com o exemplo que se dá aos outros.
Filipe: E no domingo, quando não há outra missa?
Padre: Se você compreendeu bem nossa conversa, você tem condições de concluir por si mesmo que, no domingo, neste caso, não se é obrigado a assistir à missa de um padre que não confessa publicamente que a Igreja "conciliar" põe a fé dos fiéis em perigo. Não é possível haver obrigação nestas condições. Nosso Senhor te dará graças de outro modo, nem que fosse te recompensando por tua corajosa fidelidade e apego à verdade.
Filipe: Apego à verdade?
Padre: Sim, à verdade. Resumamos um pouco. Dizia no começo: a missa dos ralliés é boa, mas esta não é a questão. A questão é: é verdadeiramente bom assistir a esta missa? Será que eu adiro verdadeiramente à Igreja, a Nosso Senhor através desta missa? A resposta é não, porque o padre rallié não assume uma posição verdadeira, ele não resiste aos maus pastores, como é sua obrigação. Ele se engana, e engana os outros. Como você poderá encontrar ao lado dele, sob sua influência e autoridade de padre, um verdadeiro amor da verdade, de Nosso Senhor, de sua Igreja, e até mesmo do papa? Pois ele se engana a respeito de uma questão essencial!
Filipe: Decididamente, estas conclusões vão além do que eu achava!
Padre: Sim, é preciso reconhecer que não é algo evidente. Hoje em dia é necessário, como nunca antes, buscar uma formação, saber o que se faz. Pois o perigo está em toda parte. Mas é também um período extraordinário, como dizia D. Lefebvre, pois isto nos leva a amar de maneira mais verdadeira à Igreja, a Nosso Senhor, e a permanecer firmes na fé! E é também o melhor serviço de caridade que se pode prestar àqueles que têm dificuldades em compreender todas os aspectos da situação atual. Sejamos testemunhas da verdade e da vontade de Deus!
Pe. Jacques Mérel, FSSPX
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[1] – Os ralliés (em português, aliados) são aqueles que seguem a liturgia tradicional, mas que fizeram acordos com as autoridades da Roma conciliar. É o caso, por exemplo, do Instituto do Bom Pastor (IBP), ou da Administração Apostólica São Maria Vianney, de Campos, (ndt). Nota do Pale Ideas: mais recentemente dom Fellay, superior geral da Neo-FSSPX, tentou fazer o mesmo. O acordo só não saiu porque Bento XVI NÃO QUIS. Se dependesse de Bernard... ele iria correndo!
[2] – Trata-se de uma conversa fictícia, em estilo coloquial.
[3] – Um dos povos antigos que formaram o povo francês (ndt).
Traduzido da Revista Sel de la Terre, nº 70 (Couvent dela Haye-aux-Bonshommes, 49240, AVRILLÉ – FRANCE).
Fonte: FBVM-PDF: (leva para uma página de redirecionamento, onde há o link do PDF).
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