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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

FSSPX: Carta aos amigos e benfeitores n. 63, de 06/01/2003

Operação Memória: Ainda sobre Campos e o acordo prático, em 06 de Janeiro de 2003: 

Carta aos amigos e benfeitores 


Mgr Fellay, Supérieur Général de la FSSPX


Caros Amigos e Benfeitores,

As Nossas Relações com Roma 

Uma vez mais dirigimos a Carta aos Amigos e Benfeitores com certo atraso. Uma vez mais hesitamos em vos escrever mais cedo, receando que um elemento importante faltasse no desenrolar das nossas relações com Roma, sobretudo após os acordos de Campos. é evidente que, aos olhos de Roma, o que sucedeu com Campos deveria ser o preâmbulo da nossa “regularização”. Da nossa parte, consideramos que o que sucedeu aos nossos antigos amigos deve servir-nos de lição. 
Por si e em geral, as intenções de Roma a respeito da Fraternidade são, de preferência, as de um acordo. De todos os lados ouvimos que o Soberano Pontífice quereria regularizar este assunto antes de morrer.
 
Mas, por outro lado, os nossos receios sobre Campos revelaram-se fundados, e os desenvolvimentos que verificamos na Administração Apostólica, contrariamente às expectativas romanas, deixam-nos um sentimento de desconfiança. Trata-se, certamente, de cambiantes assaz voláteis e susceptíveis de mudança, de surpresas e de novas situações um pouco semelhantes às que se podem encontrar em época de política instável. E é quase impossível prognosticar evoluções futuras em tal situação.
 
Verificamos nos bastidores do Vaticano uma certa tentativa de revisão dos desenvolvimentos dos últimos decênios, uma vontade de alguns em corrigir o desvio, mas continua sendo evidente que os princípios que governam a Roma atual são bem e sempre os da atualização do Concílio, iguais aos que pudemos experimentar nos últimos quarenta anos. Nos documentos oficiais e na linha geral, não vemos uma revisão desses princípios; bem pelo contrário, repisam-nos que o movimento introduzido pelo Vaticano II seria irreversível, o que nos obriga a perguntarmo-nos de onde provém a mudança de atitude a nosso respeito. A resposta encontra-se, desde logo, sem exclusão de outras explicações, na visão pluralista e ecumênica que reina, para futuro, no mundo da catolicidade. Ora, esta visão acaba por passar ao lado de todo o mundo, sem requerer, hoje em dia, nenhuma conversão, como disse o Card. Kasper sobre os ortodoxos e mesmo sobre os judeus. é evidente que, ante tal perspectiva, se encontrará também um pequeno lugar para a Tradição, mas... Não podemos aceitar tal visão, como o professor não pode aceitar pluralismo em matemática.
 
Virá um dia, estamos absolutamente certos, em que Roma regressará à sua Tradição, em que a honrará, e nós chamamos, com todo o nosso coração, esse dia bendito. Mas, por agora, não estamos ainda tão avançados, e qualquer ilusão seria mortal para a nossa sociedade. Podemos verificá-lo examinando os acontecimentos de Campos.
 
Para fazer o ponto da situação, queremos sublinhar dois elementos de mudança em Campos: a evolução da atitude de Campos em relação às autoridades romanas, depois do acordo; e, em conseqüência, a distância que cada vez mais nos afasta de Campos, com todas as divergências que isso implica.

Mudanças em Campos
 
Campos, pelo seu mentor Dom Rifan clama em todas as direções que nada mudou, que os padres da Administração Apostólica permanecem tão tradicionalistas como outrora, além de que é essencial o que lhes foi concebido, e a razão da sua adesão à proposta romana: a ratificação da posição tradicionalista.
 
Eis o que, da nossa parte, pudemos observar. Notemos, desde já, que não ignoramos que, num diferendo, o homem tende a tomar como verdade o que é em detrimento do seu próximo. Há, certamente, falsos rumores que circulam a respeito dos nossos antigos amigos, tais como: “Dom Rifan celebrou a nova Missa”, ou ainda: «Campos abandonou tudo».
 
é importante para a História, e para a nossa conduta, o apoio sobre uma verdade tão estabelecida quanto possível. Eis, então, alguns elementos desta natureza:
 
1. No site Internet de Campos, encontra-se exposta a posição de Campos sobre a questão do ecumenismo. Ora, sobre este assunto, é afirmada a adesão ao magistério do passado, como ao do presente. Ali se encontram citações de Mortalim Animos de Pio XI, ao lado de Redemptoris Missio de João Paulo II. é forçoso verificar que foi feita uma escolha: citam-se passagens tradicionalistas, não se diz nada das outras passagens que introduzem perspectivas muito diferentes sobre a questão. Ali se lê: «Como somos católicos, não temos doutrina própria e especial. A nossa doutrina é exclusivamente a do Magistério da Igreja, do qual publicamos os extratos de alguns documentos antigos e novos, referindo-se, sobretudo a alguns pontos da doutrina católica que correm hoje um perigo maior».
 
2. Esta atitude de duplicidade implícita tornou-se como que a norma na nova situação em que se encontram: sublinham-se os pontos do pontificado atual que aparecem favoráveis, passam-se em silêncio reverente os que não são... Poderá dizer-se o que se quiser: em 18 de Janeiro de 2002, em Campos, não houve apenas o reconhecimento unilateral de Campos por Roma, como alguns pretendem, mas existe uma contrapartida: a cumplicidade do silêncio. Aliás, como poderia ser de outro modo? é evidente que, agora, em Campos eles têm alguma coisa a perder, e têm medo de perder essa alguma coisa, e que, para não a perderem, foi escolhido o caminho do compromisso. «Nós, os brasileiros, somos homens de paz. Vós, os franceses, bateis-vos sempre». Para ter paz com Roma, é preciso cessar de se bater. Já não se olha mais para a situação global da Igreja, está-se satisfeito com o gesto romano a um pequeno grupo de 25 padres, para se dizer que a situação de necessidade já não existe na Igreja, porque com a concessão de um bispo tradicional, foi criada uma nova situação de Direito... Por uma árvore, esqueceu-se a floresta.
 
3. Dom Rifan, durante uma breve estadia na Europa, foi visitar D. Gérard, a quem apresentou as suas desculpas. Numa conferência perante os monges da abadia, expôs a existência de duas fases na vida de Dom Castro Mayer: a primeira seria a de um bispo dócil e respeitoso da hierarquia, a segunda, após 1981, a de um homem da Igreja muito mais duro... «Escolhemos o primeiro», dirá aos monges, dos quais alguns ficaram pelo menos surpreendidos com estas palavras; um deles abandonará o mosteiro para se juntar a nós.
 
4. Neste contexto, a nova Missa é adequada. Abandonam-se as 62 razões que rejeitam a nova Missa, acha-se que se for bem celebrada, é válida...(o que nenhum de nós nega, mas não é este o problema). Já não se diz que não se pode a ela assistir, por que é má, perigosa... Dom Rifan dirá, numa justificação da sua posição sobre a Missa: «Assim, rejeitamos os que querem usar a Missa Tradicional como uma bandeira para contestar ou ultrajar a autoridade hierárquica da Igreja legitimamente constituída. Aderimos à Missa Tradicional, não com espírito de contradição, mas como clara e legítima expressão da nossa fé católica (...)». Isto faz pensar numa palavra cardinalícia: «Vós sois pela antiga Missa, a Fraternidade São Pedro é contra a nova. Não é a mesma coisa». Este argumento justificava a ação de Roma contra o Padre Bisig e, quase simultaneamente, as aproximações favoráveis à Fraternidade São Pio X. Uma distinção tão curiosa torna-se realidade, e neste caminho se compromete Campos: pela antiga, mas não contra a nova. Pela Tradição, mas não contra a Roma moderna. “Sustentamos que o Concílio não pode estar em contradição com a Tradição”, acaba de declarar Dom Rifan a uma revista francesa, Famille Chrétienne. E, contudo, desse Concílio, um famoso cardeal disse que foi o 89 (1) na Igreja. E Dom Castro Mayer...
 
Assim, pouco a pouco, o combate esfuma-se e acaba-se por se acomodar à situação. Em Campos mesmo, tudo o que é positivamente tradicional é decerto conservado; portanto os fiéis não vêem mudanças, exceto os mais sagazes, que notam a tendência em falar mais e respeitosamente das declarações e acontecimentos da atualidade romana, omitindo as prevenções de outrora e os desvios de hoje; o grande perigo é, então, acabar por se acomodar à situação e não mais tentar remediá-la. Por nós, antes de nos abalançarmos, queremos a certeza da vontade de Roma de apoiar a Tradição, os sinais de uma conversão.

Afastamento da Fraternidade
 
Paralelamente a este desenvolvimento psicológico, infelizmente bem previsível, que faz com que os padres de Campos, apesar dos seus dizeres, estejam fora de combate, é preciso notar outro fenômeno, o da crescente hostilidade entre nós. Dom Rifan ainda diz que quer ser nosso amigo, enquanto que padres de Campos nos acusam já de sermos cismáticos, pois que não aceitamos o seu acordo...
 
Um pouco como o barco que chegou ao meio do rio e, levado pela corrente, se distancia da margem, docemente, assim vemos, em vários indícios, uma separação entre nós cada vez maior. Advertimos Campos desse grande perigo, nada quiseram ouvir. Como não querem remar contra a corrente, conservam no interior da barca uma atitude semelhante à que tinham anteriormente, o que dá a impressão de nada ter mudado; entretanto afastam-se de nós, manifestam cada vez mais uma adesão ao Magistério atual, contrária à atitude que tiveram até aqui, e que nós, pelo contrário, mantemos, quer dizer, uma sã crítica do presente sob o olhar do passado.
 
Resumindo, devemos afirmar que Campos, apesar da sua recriminação, lentamente, sob a conduta do seu novo bispo, se amolda ao espírito conciliar. De momento, Roma não exige mais.
 
Talvez se objete que os nossos argumentos são bem fracos, subtis, e não têm peso perante a oferta romana de regularizar a nossa situação. Respondemos que, considerada abstratamente, in abstracto, a proposta de Administração Apostólica é tão magnífica como o plano de uma bela casa, proposto por um arquiteto. A verdadeira questão e o verdadeiro problema não está aí, mas no concreto: em que terreno será construída a casa? Nas areias movediças do Vaticano II, ou sobre o rochedo da Tradição que remonta ao primeiro dos Apóstolos?
 
Para assegurar o futuro, somos obrigados a pedir a Roma de hoje clareza sobre a sua adesão à Roma de ontem. Quando as autoridades tiverem claramente reafirmado em fatos e regressado efetivamente ao «Nihil novi nisi quod traditum est», então, “nós” não mais seremos um problema. E suplicamos a Deus que apresse o dia em que toda a Igreja reflorescerá, tendo redescoberto o segredo da sua passada força, liberta desse pensamento do qual Paulo VI dizia «que é o tipo não católico. Pode ser que prevaleça. Nunca será a Igreja. é preciso que fique um pequeno rebanho, por ínfimo que seja.»

Vida interna da Fraternidade
 
Queremos também vos dar conhecimento da nossa vida “interna”, fazer-vos participar um pouco das nossas alegrias e trabalhos apostólicos. E aproveitamos esta carta para vos descrever um pouco as nossas atividades nos países de missão. é verdade que hoje quase todos os países, em particular na nossa velha Europa, estão prestes a tornar-se países de missão... Os nossos padres, nas suas viagens apostólicas, visitam mais de 65 países, em alguns dos quais ainda sofrem hoje perseguição direta.
 
Mas como nos alongamos muito, limitar-nos-emos aqui a dois novos campos de apostolado. Vistamos-los mais ou menos esporadicamente desde há anos, mas recentemente cremos ver neles uma espantosa abertura: a Lituânia e o Quênia.
 
A fim de melhor organizar o nosso apostolado na Rússia e na Bielorrússia, estabelecemos uma testa de ponte na Lituânia, país que sofreu bastante com a perseguição comunista russa, e onde o catolicismo se manteve heroicamente. Caída a cortina de ferro, os países do Leste receberam com bastante ingenuidade as novidades vaticânicas, persuadidos de que o que vinha do Ocidente devia ser bom... Estes países alcançam em pouco tempo o estado desastroso provocado pelas reformas. A reação não é visível, é passiva, não passa à ação. Mas os nossos confrades descobrem, através de uma língua difícil, um terreno que se anuncia fértil para a Tradição, mais do que as primeiras áridas experiências permitiam esperar. Recebidos com uma severa prevenção do episcopado como saudação de boas vindas, os nossos confrades descobrem vários padres desejosos de se unirem a nós. Explicam-nos a censura episcopal: os bispos temem que os fiéis se unam a nós em massa... Eis que uma misteriosa e pequena congregação feminina se aproxima de nós. O Cardeal Vincentas Sladkevicius, falecido em 28 de maio de 2000, Arcebispo Emérito de Kaunas, fundador dessa congregação, deixou-lhe a palavra de ordem: «Quando a Fraternidade São Pio X vier, juntai-vos a ela. é dela que virá a restauração da Igreja na Lituânia.» Possamos nós estar à altura! Que Deus nos ajude com a sua graça. As grandes cidades têm agora o seu pequeno centro de Missa, mas o interesse, ainda discreto, é cada dia mais premente.
 
O Quênia recebe a visita esporádica dos padres da Fraternidade desde há vinte e cinco anos... Subitamente, descobrimos a existência de um grupo de 1.500 fiéis, organizados na sua luta e recusa da comunhão na mão e em pé. Os primeiros contatos mostram à evidência que não se trata somente do modo de comungar, mas de toda uma atitude tradicional. Descobrimos também numerosas religiosas que abandonaram as suas diversas congregações ou delas foram expulsas, por causa da sua recusa das reformas conciliares. Vivendo no mundo, permaneceram fiéis aos seus votos. Agora, dezesseis delas dirigem-se a nós, para que lhes demos a possibilidade de viverem de novo em comunidade.
 
Um jovem padre diz-nos: «Se construirdes aqui uma capela, a catedral vai esvaziar-se. Quando visito os fiéis, estes me dizem: 'Por que mudaram a nossa Igreja? Diga a Missa como dantes!' Mas eu não conheço essa Missa, não sei como era a Igreja anteriormente. Quando o pergunto aos padres mais velhos, tratam-me mal. Poderíeis ensinar-me a celebrar a antiga Missa? Posso visitar-vos para aprender?» Um outro padre, também ele jovem, declara com uma entoação que diz muito: «Esta noite anotarei no meu diário: a minha primeira Missa tridentina.»
 
Como podem as autoridades da Igreja ser insensíveis a estes apelos das almas sedentas de graça e de vida católica? Sob a cinza e as ruínas pós Vaticano II, há ainda uma brasa católica tradicional, que quer inflamar-se de novo. A Igreja não morre, Deus vela por ela. Praza a Deus que possamos ser seus dóceis instrumentos, que espalhemos o fogo que o seu Coração ardia em espalhar no mundo inteiro.
 
Mas vós bem o sabeis, queridos fiéis, particularmente vós, que nós não podemos servir tanto como quereríamos; quanta falta temos de padres! Orai, pedi ao dono da seara que envie numerosos trabalhadores para o seu campo apostólico.
 
Neste início de novo ano, confiamo-vos, cheios de gratidão e dizendo-vos um caloroso obrigado pela vossa generosidade sem falta, esta intenção de oração pelos padres, pelo sacerdócio católico. Deus vos abençoe e a todas as vossas famílias, abundantemente, com todas as suas graças.
 
Epifania, 2003

† Bernard Fellay

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