Operação Memória: Finalmente, alguém fala sobre o Concílio Vaticano II. Podia ser melhor...
50 anos da abertura do Concílio Vaticano II
11 de outubro de 1962 – 11 de outubro de 2012
Há
50 anos se abriu o Concílio Vaticano II. Já começaram as celebrações
laudatórias ditirâmbicas, entusiastas. Alguns não duvidam em declarar
que a Igreja tem sido realmente refundada por este Concílio, rompendo
com a Era Constantiniana, que vai desde o Édito de Milão[1], em 313, até o “salvador 11 de outubro de 1962”. Por favor, desculpem o sarcasmo!
Em seu livro “Concílio Ecumênico Vaticano II. Um debate a ser feito”, Monsenhor Brunero Gherardini escreveu em 2009: “É com uma espantosa superficialidade que se espalhou sobre o Magistério anterior (ao Vaticano II)
um véu, ou melhor, uma mortalha, impedindo ao observador ou ao católico
atualizar-se ou examinar o passado, e neste passado colocar-se em
relação à Tradição perene, que é parte constitutiva da Igreja, que é o
eixo de apoio do Cristianismo. Como se não houvesse, ou não deveria ter
havido senão apenas o Concílio Vaticano II e suas novidades”[2].
Acrescentou
depois: “Parece-me que, tendo passado a fase de ovações, a reflexão
histórica e crítica dos textos conciliares se impõe hoje por
necessidade: uma reflexão que busque a relação (se houver) entre estes
textos com a Tradição Católica, em sua continuidade. Considero tal
reflexão como uma das tarefas mais urgentes do Magistério eclesiástico,
de cada bispo católico e das instituições científicas católicas, para o
bem da Igreja; para além do dever, se acrescente o direito que tem o
povo de Deus como um todo de que lhe seja explicado, de forma clara e
objetiva, o que foi o Concílio Vaticano II em seu contexto histórico,
ético e dogmático. É do interesse da Fé e do testemunho cristão
autêntico.
Padre Alain Lorans +
Editorial, publicado em DICI Carta de informação oficial da FSSPX n. 262, de 12 de outubro de 2012. PDF em Francês.
Tradução para o Espanhol: Pe. Arnaud Gardere, FSSPX.
Tradução para o Português: Giulia d’Amore di Ugento.
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[1]
O Édito de Milão (313 d.C.), também referenciado como “Édito da
Tolerância”, declarava a neutralidade do Império Romano relação ao credo
religioso, acabando oficialmente com toda perseguição, principalmente
contra o Cristianismo. O édito foi emitido pelo tetrarca ocidental
Constantino I, o Grande, e por Licínio, o tetrarca Oriental. A aplicação
do Édito fez devolver aos Cristãos os lugares de culto e as
propriedades que tinham sido confiscadas e vendidas em hasta pública:
“... o mesmo será devolvido aos Cristãos sem pagamento de qualquer
indenização e sem qualquer fraude ou decepção...”. Deu ao Cristianismo o
estatuto de legitimidade, da mesma forma que o paganismo e, de fato,
retirou o paganismo como a religião oficial do Império Romano e dos seus
exércitos. O conteúdo do Edito foi relatado, ou resumido, por Lactâncio
no “De mortibus persecutorum”. Aqui as primeiras linhas: “Nós,
Constantino e Licínio, Imperadores, encontrando-nos em Milão para
conferenciar a respeito do bem e da segurança do império, decidimos que,
entre tantas coisas benéficas à comunidade, o culto divino deve ser a
nossa primeira e principal preocupação. Pareceu-nos justo que todos, os
cristãos inclusive, gozem da liberdade de seguir o culto e a religião de
sua preferência. Assim qualquer divindade que no céu mora ser-nos-á
propícia a nós e a todos nossos súditos. Decretamos, portanto, que não,
obstante a existência de anteriores instruções relativas aos cristãos,
os que optarem pela religião de Cristo sejam autorizados a abraçá-las
sem estorvo ou empecilho, e que ninguém absolutamente os impeça ou
moleste (...). Observai, outrossim, que também todos os demais terão
garantia a livre e irrestrita prática de suas respectivas religiões,
pois está de acordo com a estrutura estatal e com a paz vigente que
asseguremos a cada cidadão a liberdade de culto segundo sua consciência e
eleição; não pretendemos negar a consideração que merecem as religiões e
seus adeptos. Outrossim, com referência aos cristãos, ampliando normas
estabelecidas já sobre os lugares de seus cultos, é-nos grato ordenar,
pela presente, que todos que compraram esses locais os restituam aos
cristãos sem qualquer pretensão a pagamento” (as igrejas recebidas como
donativo e os demais que antigamente pertenciam aos cristãos deviam ser
devolvidos. Os proprietários, porém, podiam requerer compensação).
“Use-se da máxima diligência no cumprimento das ordenanças a favor dos
cristãos e obedeça-se a esta lei com presteza, para se possibilitar a
realização de nosso propósito de instaurar a tranquilidade pública.
Assim continue o favor divino, já experimentado em empreendimentos
momentosíssimos, outorgando-nos o sucesso, garantia do bem comum”. O
Édito de Milão não foi a causa principal do fim do paganismo, pois as
duas religiões conviveram até o século VI. O Édito constitui apenas o
primeiro passo de um longo processo, porque se limitava a comparar a
religião cristã com as outras praticadas no Império. A consequência mais
visível do édito foi a possibilidade de abrir, à luz do sol, igrejas
cristas, entre as quais as primeiras basílicas, muitas em Roma (São João
de Latrão, primeira sede dos papas, e São Paulo Extramuros, consagradas
oficialmente em 324; São Pedro em Vaticano, iniciada entre 319 e 326;
São Clemente e outras), algumas nas proximidade de Roma (São Pancrácio
em Albano, por volta de 335), algumas na Terra Santa (a Basílica da
Natividade em Bethlem, iniciada em 326 pela augusta Santa Elena, a
Basílica do Santo Sepulcro, inaugurada em 335), e um certo número em
várias localidade do Império (Santa Irene em Constantinopla, encomendada
pelo próprio Imperador; São Maurício em Vienne (França) que já era
mencionada em 314 etc.). Também puderam realizar abertamente concílios
(p.ex. de Arles, em 314, e de Niceia, em 325). Alguns fatos sucessivos
não foram consequências, mas fruto de novas iniciativas: e, 321, foi
introduzida a semana de sete dias; em 337, Constantino se converte ao
Cristianismo no leite de morte; entre 337 e 379, Constâncio II e outros
Imperadores favoreceram abertamente o Cristianismo em relação ao
paganismo. Em 27 de fevereiro de 380, um ano após subir ao trono,
Teodósio I, através do Édito de Tessalônica (Cunctos Populos ou De Fide
Catolica), declarou o Cristianismo religião de Estado, abolindo todas as
práticas politeístas dentro do Império e fechando templos pagãos. Em
muitos casos, a política dos imperadores sucessivos se baseou no
pressuposto de que a unidade do Império exigisse uma unidade religiosa.
Assim, Justiniano impôs restrições pesadas a todas as religiões não
cristãs.