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domingo, 7 de dezembro de 2014

DA CONFISSÃO PERFEITA (X)

Edição de referência:
Sermões, Padre Antônio Vieira, Erechim: Edelbra, 1998.
   


Sermão da Terceira Dominga da Quaresma

NA CAPELA REAL. ANO 1655


Cum ejecisset daemonium, locutus est mutus, et admiratae sunt turbae. [1]



X

Confessar as confissões é dobrar o remédio sobre si mesmo. Como fazê-lo bem? Com tempo suficiente e confessor douto, timorato e de valor.

De todo este discurso se colhe, se eu me não engano, com evidência, que há muitos escrúpulos no mundo de que se faz pouco escrúpulo, que há confissões em que fala o mudo e não sai o demônio, e que, suposta a obrigação de se confessarem todos os pecados, se devem também confessar estas confissões. Grande mal é não sarar com os remédios; mas adoecer dos remédios ainda é mal maior. E quando se adoece dos remédios, que remédio? O remédio é curar-se um homem dos remédios, assim como se cura das enfermidades. Este é o caso em que estamos. O remédio do pecado é a confissão, mas se as minhas confissões, em lugar de me tirarem os pecados, por minha desgraça mos acrescentam mais, não há outro remédio senão dobrar o remédio sobre si mesmo e confessar as confissões, assim como se confessam os pecados. Daqueles que tornam a recair nos pecados passados, dizia Tertuliano, que faziam penitência da penitência e que se arrependiam do arrependimento. Se os maus se arrependem dos arrependimentos, os que devem e querem ser bons, por que se não confessarão das confissões? Uns o devem fazer pela certeza, outros o deverão fazer pela dúvida, e todos é bem que o façam pela maior segurança.


Para que esta confissão das confissões saia tal que não seja necessário tornar a ser confessada, devemos seguir em tudo o exemplo presente de Cristo na expulsão deste diabo mudo, Primeiramente: Erat ejiciens (Le. 11, 14). Todos os outros milagres fazia-os Cristo em um instante: este de lançar fora o demônio, não o fez em instante nem com essa pressa, senão devagar e em tempo. É necessário primeiro que tudo a quem houver de reconfessar as suas confissões, tomar tempo competente, livre e desembargado de todos os outros cuidados, para o ocupar só neste, pois é o maior de todos. Cum accepero tempus, ego justitias judicabo (Sl. 74, 3): Eu tomarei tempo, diz Deus, para julgar as justiças. – Se Deus, para examinar e julgar as consciências dos que governam, diz que há de tomar tempo, como poderão os mesmos que governam julgar as suas consciências e examinar os seus exames, se não tomarem tempo para isto? Dirá algum que é tão ocupado que não tem este tempo. E há tempo para o jogo? E há tempo para a quinta? E há tempo para a conversação? E há tempo, e tantos tempos, para outros divertimentos de tão pouca importância, e só para a confissão não há tempo? Se não houver outro tempo, tome-se o do ofício, tome-se o do tribunal, tome-se o do concelho. O tempo que se toma para fazer melhor o ofício não se tira do ofício. Mas para acurtar de razões, pergunto: Se agora vos dera a febre maligna, como pode dar, havíeis de cortar por tudo para acudir à vossa alma, para tratar de vossa consciência? Sim. Pois o que havia de fazer a febre, por que o não fará a razão? O que havia de fazer o medo e a falsa contrição na enfermidade, por que o não fará a verda¬deira resolução na saúde?

Tomado o tempo, e tomado a qualquer força e qualquer preço, segue-se a eleição do confessor. Quem aqui obrou o milagre foi Cristo: Erat Jesus ejiciens daemonium (Le. 11,14). O confessor está em lugar de Cristo, e quem há de estarem lugar de Deus-homem, é necessário que seja muito homem e que tenha muito de Deus. Non confundaris confiteri peccata, et ne subjicias te omni bomini pro pecca to.[32] Não vos corrais de confessar os vossos pecados, diz o Espírito Santo, mas adverti que na confissão deles não vos sujeiteis a qualquer homem. – Se a saúde do corpo, que alfim é mortal e há de acabar, a não fiais de qualquer médico, a saúde da alma, de que depende a eternidade, por que a haveis de fiar de qualquer confessor? Indouto, claro está que não deve ser; mas não basta só que seja douto, senão douto e timorato. Confessor que saiba guiar a vossa alma e que tema perder a sua. Confessou Judas o seu pecado aos príncipes dos sacerdotes: Peccavi tradens sanguinem justum (Mt. 27, 4). E eles, que lhe responderam? Quid ad nos? Tu videris: E a nós que se nos dá disto? Lá te avém. – Vede que sacerdotes, que nem se lhes dava da sua consciência, nem da do penitente que se lhes ia confessar! Haveis de escolher confessor que se lhe dê tanto da vossa consciência como da sua. E basta que seja douto e timorato? Não basta. Há de ser douto e timorato, e de valor. É tal a fraqueza humana, que até no tribunal de Cristo se olha para os grandes como grandes, e se lhes guardam respeitos, quando se lhes não faça lisonja. Andando Filipe II à caça, foi-lhe necessário sangrar-se logo, e chamaram o sangrador de uma aldeia, porque não havia outro. Perguntou-lhe o rei se sabia a quem havia de sangrar. Respondeu: Sim: a um homem. – Estimou o grande rei este homem como merecia, e serviu-se dele dali em diante. Com semelhantes homens se hão de curar no corpo e na alma os grandes homens. Com homens que sangrem a um rei como a um homem.

Posto aos pés deste homem, e nele aos pés de Deus, fale o mudo com tal verdade, com tal inteireza e com tal distinção do que confessou ou não confessou, dos propósitos que teve ou não teve, da satisfação que fez ou deixou de fazer, que de uma vez, e por uma vez acabe de sair o demônio fora. E seja com tão viva detestação de todos os pecados passados, com tão firme resolução da emenda de todos eles e com tão verdadeira e íntima dor de haver ofendido a um Deus infinitamente amável e sobre todas as coisas amado, que não só saia o demônio para sempre, e para nunca mais tornar, mas que já esteja lançado da alma quando falar o mudo: Et cum ejecisset daemonium, locutus est mutus.
   

 
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Notas:
[1] Depois de ter expelido o demônio, falou o mudo, e se admiraram as gentes (Lc. 11, 14).
[32] Não te envergonhes de confessar os teus pecados, mas não te submetas a ninguém para pecar (Eclo. 4, 31).

 


Índice  



Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=28705#_ftnref1.



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