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quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

DA CONFISSÃO PERFEITA (VII)

Edição de referência:
Sermões, Padre Antônio Vieira, Erechim: Edelbra, 1998.
   


Sermão da Terceira Dominga da Quaresma

NA CAPELA REAL. ANO 1655


Cum ejecisset daemonium, locutus est mutus, et admiratae sunt turbae. [1]

  




VII

Cur? Por quê? Por dinheiro? O escrúpulo dos motivos. O respeito, pior que o dinheiro. Pilatos e o respeito a César. Os juízes de Samaria e a condenação de Nabot. Pilatos, Judas, e a condenação de Cristo.


Cur? Por quê?. Esta matéria dos porquês era bem larga, mas vai-nos faltando o tempo, ou vou eu sobejando a ele, e assim neste ponto e nos seguintes usarei mais cortesmente da paciência com que ouvis: mas não há confissão sem penitência. Cur? Por quê? De todas estas sem-razões que temos referido ou admirado, quais são as causas? Quais são os motivos? Quais são os porquês? Não há coisa no mundo por que um homem deva ir ao inferno, contudo ninguém vai ao inferno sem seu porquê. Que porquês são logo estes que tanto cegam, que tanto arrastam, que tanto precipitam aos maiores homens do mundo? Já vejo que a primeira coisa que acorre a todos é o dinheiro. Cur? Por quê? Por dinheiro que tudo pode, por dinheiro que tudo vence, por dinheiro que tudo acaba. Não nego ao dinheiro os seus poderes, nem quero tirar ao dinheiro os seus escrúpulos; mas o meu não é tão vulgar nem tão grosseiro como este. Não me temo tanto do que se furta, como do que se não furta. Muitos ministros há no mundo, e em Portugal mais que mui os, que por nenhum caso os peitareis com dinheiro. Mas estes mesmos deixam-se peitar da amizade, deixam-se peitar da recomendação, deixam-se peitar da independência, deixam-se peitar do respeito. E não sendo nada disto ouro nem prata, são os porquês de toda a injustiça do mundo. A maior sem justiça que se cometeu no mundo foi a que fez Pilatos a Cristo, condenando à morte a mesma inocência. E qual foi o porquê desta grande injustiça? Peitaram-no? Deram-lhe grandes somas de dinheiro os príncipes dos sacerdotes? Não. Um respeito, uma dependência foi a que condenou a Cristo. Si hunc dimittis, non es amicus Caesaris (Jo. 19, 12): Se não condenais a este, não sois amigo de César. – E por não arriscar a amizade e graça do César, perdeu a graça e amizade de Deus, não reparando em lhe tirar a vida. Isto fez per este respeito Pilatos, e no mesmo tempo: Aqua lavit manus suas (Mt. 27, 24): Pediu água, e lavou as mãos. – Que importa que as mãos de Pilatos estejam lavadas, se a consciência não está limpa? Que importa que o ministro seja limpo de mãos, se não é limpo de respeitos? A maior peita de todas é o respeito.

Se se puser em questão qual tem perdido mais consciências e condenado mais almas, se o respeito, se o dinheiro, eu sempre dissera que o respeito, por duas razões: Primeira, porque as tentações do respeito são mais e maiores que as do dinheiro. São mais, porque o dinheiro é pouco, e os respeitos muitos. São maiores, porque em ânimos generosos mais fácil é desprezar muito dinheiro que cortar por um pequeno respeito. Segunda e principal, porque o que se fez por respeito tem muito mais dificultosa restituição que o que se fez por dinheiro. Na injustiça que se fez ou se vendeu por dinheiro, como dinheiro é coisa que se vê e que se apalpa, o mesmo dinheiro chama pelo escrúpulo, o mesmo dinheiro intercede pela restituição. A luz do diamante dá-vos nos olhos, a cadeia tira por vós, o contador lembra-vos a conta, a lâmina e o quadro peregrino, ainda que sejam figuras mudas, dá brados à consciência; mas no que se fez por respeito, por amizade, por dependência, como estas apreensões são coisas que se não vêem, como são coisas que vos não armam a casa nem se penduram pelas paredes, não tem o escrúpulo tantos despertadores que façam lembrança à alma. Sobretudo, se eu vendi a justiça por dinheiro, quando quero restituir, se quero, dou o que me deram, pago o que recebi, desembolso o que embolsei, que não é tão dificultoso. Mas se eu vendi a justiça ou a dei de graça pelo respeito, haver de restituir sem ter adquirido, haver de pagar sem ter recebido, haver de desembolsar sem ter embolsado, oh! que dificuldade tão terrível! Quem restitui o dinheiro, paga com o alheio; quem restitui o respeito, há de pagar com o próprio, e para o tirar de minha casa, para o arrancar de meus filhos, para o sangrar de minhas veias, oh! quanto valor, oh! quanta resolução, oh! quanto poder da graça divina é necessário! Os juízes de Samaria, por respeito de Jesabel, condenaram inocentes a Nabot, e foi-lhe confiscada a vinha para Acab, que a desejava (3 Rs. 21, 1 I ), Assim Acab, como os juízes, deviam restituição davinha, porque assim ele, como eles, a tinham roubada. E a quem era mais fácil esta restituição? A Acab era muito fácil, e aos juízes muito dificultosa, porque Acab restituía a vinha, tendo recebido a vinha, e os juízes haviam de restituir a vinha, não a tendo recebido. Acab restituía tanto por tanto, porque pagava a vinha pela vinha; os juízes restituíam tudo por nada, porque haviam de pagar a vinha por um respeito. Quase estou para vos dizer que, se houverdes de vender a alma, seja antes por dinheiro que por respeitos, porque ainda que o dinheiro se restitui poucas vezes, os respeitos nunca se restituem. Torne Pilatos.

Entregou Pilatos a Cristo, e Judas também o entregou. Pilatos: Tradidit eum voluntati eorum. Judas: Quid vuitis mihi dare, et ego eum vobis tradam?[23] Conheceu Pilatos e confessou a inocência de Cristo, e Judas também a conheceu e confessou. Pilatos: Innocens ego sum a sanguine just hujusi; Judas: Peccavi tradens sanguinem justum.[24] Fez mais alguma coisa Pilatos? Fez mais alguma coisa Judas? Judas sim, Pilatos não. Judas restituiu o dinheiro, lançando-o no Templo; Pilatos não fez restituição alguma. Pois, por que restitui Judas, e por que não restitui Pilatos? Porque Judas entregou a Cristo por dinheiro; Pilatos entregou-o por respeitos. As restituições do dinheiro alguma vez se fazem, as dos respeitos nenhuma. E se não dizei-o vós. Fazem-se nesta corte muitas coisas por respeitos? Não perguntei bem. Faz-se alguma coisa nesta corte que não seja por respeitos! Ou nenhuma, ou muito poucas. E há alguém na vida ou na morte, que faça restituição disto que fez por respeitos? Nem o vemos, nem o ouvimos. Pois como se confessam disto os que o fazem, ou como os absolvem os que os confessam? Se eu estivera no confessionário, eu vos prometo que eu os não houvera de absolver, senão condenar; mas como estou no púlpito, não absolvo nem condeno: admiro-me com as turbas: Et admiratae sunt turbae.
   
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Notas:
[1] Depois de ter expelido o demônio, falou o mudo, e se admiraram as gentes (Lc. 11, 14).
[23] Permitiu-lhes que fizessem de Jesus o que quisessem (Lc. 23, 25). – Que me quereis vós dar, e eu vo-lo entregarei (Mt. 26, 15). 
[24] Eu sou inocente do sangue deste justo (Mi. 27, 24).– Pequei, entregando o sangue inocente (Mt. 27, 4).

 


Índice  



Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=28705#_ftnref1.



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