É uma crônica que fala de um luto. E fala de família. E fala de crescer pela dor. E fala de Deus, nas entrelinhas e com "Ele" em maiúscula. Não conheço o autor, nem a família. Mas conheço essa dor. E é um bem falarmos dessas coisas porque a morte é um fato. E devemos estar preparados para ele. Como adultos. Sem sentimentalismos. A vida é o que é. Eu enterrei meu pai e minha mãe. E realmente é um fato extraordinário em todos os sentidos. Nem falo da dor imensurável, porque somente quem a viveu a compreende. Falo das outras coisas que, como este autor, acabamos por observar "de fora", como se estivéssemos assistindo a algo que não somos nós que estamos vivendo - é de fato surreal perder quem amamos - e somente depois é que as percebemos e lhe damos um sentido. Com o tempo podemos até rir de algo. E, se a dor vai se enfraquecendo, há coisas que permanecem. E escrever sobre elas as torna eternas.
Aproveitem o texto.
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O MILAGRE DA FAMÍLIA
“Eu, com meus filhos, ao funeral de meu pai”. Buttafuoco conta como dois jovens se tornaram de um golpe homens. O amor, o luto e a importância de criar raízes.
Quando nos encontramos juntos, eu e meus filhos, embaixo do esquife de meu pai, levando-o nos ombros, vivemos não pouco fogo. Giuseppe, de dezesseis anos, me perscrutava para esconjurar outras lágrimas. Saro, o maior, aquele com o nome do avô, tomava o controle do momento. De fato, eu era o órfão, e eles me cuidavam porque é sempre um pôr à prova isto que os filhos fazem. E esta é a tribulação deles: amam amealhando peças importantes de vida. Estão distantes, até devem mesmo ir embora, e depois aparecem sem avisar. Para nos testar.
Isto fazem os filhos. Eu fiz há apenas alguns dias com meu pai, em seu leito de hospital, versando em seu ouvido uma brincadeira: dizer boa-noite à moda de Ficarra e Picone. Eu o testei. Respondeu-me: ‘Ciao, ciao!”.
Os filhos sabem se tornar pais, e não no sentido de ser um dia pais de outros filhos, mas – assumindo com a alma inclusive os modos, os tiques, a fisionomia, a surdez até – os filhos sabem fazer tornar-se neles mesmos os mesmos próprios pais.
De fato, quando pus no ombro o caixão, não sabia se eles, os meus filhos, estavam lá. Os vi e meu coração parou – fizemos morada daquele madeiro, nos abraçamos em soluços – porque aquele é o terceiro momento do Adeus, porque quando morre o próprio pai acontece que se nasce de novo. Mas aquele vir à luz no luto é crueza de um fato conclamado: a morte. E não e um nascer na plenitude, mas no vazio.
Quando, então, o carro fúnebre foi em frente, eu bancava o filho com minha mãe, e eles bancavam o que os filhos se tornam ao ver ir embora o avô: bancavam os homens adultos.
Estávamos no carro. De Agira nos dirigíamos ao cemitério de Leonforte, destinados a chegar à noite, com toda uma chuva siciliana que não queria parar, e quando chegamos ao camposanto, eles dois – que se tornaram homens – junto com os primos, cumpriam com os tios os deveres e lhes davam as honras; os saudavam e ofereciam mais uma vez o braço ao madeiro e, depois, ainda, à dor. Homens feitos – há poucas semanas daquele dia continuam homens – colocavam de lado a própria dor para acudir aos outros. E acompanhar a mãe, e a avó, a outra avó e todo o mundo das mulheres. Verdadeiros homens, verdadeiros cavalheiros. À testa Angelo, o primo mais velho, que também é mestre de ciência e sabedoria.
Os primeiros dois momentos do Adeus são naquele morrer que acontece em casa – o que sobra do morrer, aquele velório que faz santa a casa – e depois o rito quando o luto se torna um ato público. Os filhos vestem o paletó e põem a gravata com a devida solenidade, apertam a mão de uma procissão de mulheres e homens, de histórias, muitíssimas, e assim conhecem o que devem conhecer: a origem. O funeral certifica toda a história do avô, e agora toda deles, de escola, política e teatro. E é o que marca a passagem da fragilidade da adolescência à solidez do viver. Mesmo sendo na dureza de uma tumulação, tão cruel quanto natural, inaudita e doce, porque – é assim – dEle viemos, a Ele voltamos. Mesmo sendo com os barulhos da escola, com as cores da política e com a surpresa do teatro.
Os filhos não mudam a vida dos pais. Mudam a cabeça. Vindos dEle para voltarmos a Ele, os filhos ficam no meio – ganhando a vida – para acender de novo a vida à mães e não fazer os pais precipitar no abismo do eu relinchante do mundo.
Um pai existe apenas para a defesa dos filhos. Esta é sua tarefa. Um pai cumpre seu papel, desde o étimo até o patrimônio. E faz guerra, um pai, se coloca sempre contra o espírito do tempo. Imagine, então, o que não faz uma mãe, a mãe é a intendente da existência deles, a fábrica de festa e de guarda. A mãe se torna mãe com o tambor em cima dela, com o cronômetro sobre cada respiração, cada golpe de tosse e cada medalha ganha com o sorriso. Mas o pai banca o pia, e uma doutora, de fato, um dia mo disse: “lembre-se, cabe ao pai a tarefa espiritual; a mãe é uma toca, mas o pai é aquele que leva os filhos pelo mundo”. Isso me disse, e é um fato da educação, além de estilo, dar aos filhos os nomes dos avôs, paternos e maternos, é um situar a si mesmos para fazer eles crescerem.
É um fato da natureza. E não há nada mais importante para um filho que receber raízes. E, por isso, dar sentido, marcas, destino até àquele arraiar-se que dá brotos. Agora, por exemplo, eu estou escrevendo de Verona. Estou na casa de Francesco Rubino, que é de Verona, certamente, é um maestro, uma artista reconhecido nesta terra onde tem casa e no mondo que o aplaude. Ele tem o sangue de Leonforte, e eu estou aqui, e ele e u somos amigos, porque ele é filho do pai dele e eu do meu, e é destino, sentido, marca o nosso reencontramo-nos. A dele e a minha são uma história de filhos.
O sentimentalismo não cabe aqui. O amor, sim. Quando uma criança olha ao redor procura, em primeiro lugar, um modo mais rápido de ser adulto. E se tornar adulto é fazer-se forte no ser homem. Somente os emasculados podem temer os anos que passam, as crianças que não tem medo de fazer pipi a torto e a direita não tem medo de crescerem.
Nunca ser pequenos. Uma bela fórmula que me lembro de minha idade criança era a de repetir sempre: “que eu era grande...”.
Quando, depois do Adeus, entramos no luto, reencontrei nos meus filhos, Saro e Giuseppe, duas pessoas que sabem ensinar a doçura da aceitação. Retomamos as distâncias e nos olhamos de longe. Eu parado. Colocado em um canto. Eles dois, em movimento: grandes, mesmo. Transformados no giro de três dias: morte, velório, funeral. Quando somos jovens, há sempre um momento em que não o somos mais, e nos tornamos homens.
Com Saro aconteceu que pegou o carro e – armado de sua primeira habilitação – fez toda a estrada que de Agira leva a Roma. Ele e eu vigiando. Eu, de fato, parado. Colocado onde ele me quis colocar. Ele, sereno. Com sua tarefa de cumprir a empreita.
Sem a ansiedade da primeira vez. Cochilando, eu. Correndo, ele.
Isso de ceder o volante, para um macho, é a passagem do cetro, uma diferença entre um fato e outro, em suma: é o momento em que quem é de meia idade dá lugar para um passo mais forte. Como quando, alguns anos atrás, Saro me ensinou o modo mais correto de descascar um tronco e livrá-lo assim de uma casca velha.
Há dinâmicas, no campo, entre saberes e perícias, onde ofender a sensibilidade de um podador pode procurar tristezas que nem mesmo o mais glamoroso dos distúrbios de neurose pode alcançar. Até mesmo em New York. Levando em conta todos os filmes de Woody Allen. Entre tesouras e cascas de árvores, recebi uma lição naquela ocasião, um tapa moral que se tornou um propósito, o meu, agora, de fazer-lhe dar a volta das zolle à moda do ’zu Tennerume, um camponês que mo ensinou.
Que sorte tive, a meu tempo, eu, ao tropeçar na cadeia dos saberes e das perícias da arte rural.
Com Giuseppe aconteceu que se já estava na defensiva com todos. Durante o almoço consolatório, discutia com Sergio Perroni – que é seus desafio dialético viril mais duro, e por isso preferido – toda uma questão de disciplina que nunca faz mal; depois disso, de volta a Roma, televisão desligada, nenhuma música (os sinais do luto), eu vi estampado em seu rosto apenas o que é, a nudez de um amor privo de todo sentimentalismo. A foto de meu pai na sua escrivaninha. E, então, a pressa. Todo aquele seu correr para ela – sim, ela – porque a cadeia das palavras justas sabe bem encontrar seu caminho. Como aquela necessidade de se reconhecer homens feitos, sólidos, quando encontra a cadeia dos ensinamentos que Ele, aquele deu quem viemos, colocou no coração.
Quando Sandro Monaco – tio Sandro!m diz Giuseppe foi para a cadeia, Giuseppe, que era um menino, teve o primeiro teste. Eu não quis lhe dizer nada, nos primeiros meses, e, depois, depois de algum tempo, tive que lhe espicar onde e como e o que aconteceu, e Giuseppe, que leva como segundo nome o novre nome de Cirano, primeiro enfureceu com todos nós que sabíamos e não lhe dissemos nada, depois disso lhe vieram de um golpe só as palavras de bem e mal, de bons e maus, de justo e injusto, e quando chegou a noite, para não ter os pesadelos por coberto, tomou papel e caneta e escreveu. Foi uma carta que Sandro leva costurada nele, sobre a carne, e para todas as desgraça em que caia um pobre filho – carccere, doença, necessidades onde se vê o coração dos amigos – na desgraça em que caiu Sandro, meu menino pôs à prova a educação de dor e de vida.
Quando me tornei pai pela primeira vez, foi medindo quanto fosse pequenas as panturrilhas de meu filho. Depois, logo depois, percebi seu olhar. A primeira coisa que fizemos, ele no colo, foi acender uma vela na catedral de Sofia. E, depois, uma viagem da Trácia (Turquia) a Catania (Sicília). Com ele no colo. Para fincar raízes.
Quando me tornei pai pela segunda vez, ainda estava no estacionamento do hospital de Caltanissetta (Sicília) fazendo manobras com o carro para estacionar, e telefonei – você se lembra? – e depois chegamos em Algira; a primeira e última vez, aquela, que eu vi minha mãe e desmaiar porque apareci na vitrine da farmácia com ele no colo e ela se emocionou. Não esperava por nós. Foi outra raiz.
Criar razies é a razão primeira de ser pai. Meu primeiro gesto de padre, recordo, foi o de pegar um Pato Donald que carrega um pinheiro nas costas. Foi o primeiro presente que dei a meu primeiro filho. Comprei para ele e todos os anos o coloco no presépio. Mesmo agora que ele nem olha mais para aquela aldeia de casinhas e pastorzinhos, eu o coloco. Mesmo agora que ele – grande e bonito – nem olha mais nem para mim porque, como seu irmão mais novo – bonito e rebelde – meu trabalho de pai me deixa fazer deixando-me em um canto onde não me digna de uma atenção qualquer.
Criar raízes está todo em semear. Naquela visita da morte, em casa houve como uma rapina de doçura, um perder-se de soluços e vozes onde, primeiro um depois o outro, primeiro Saro depois Giuseppe, vinham me ver para certificar-se da prova repentina, para pôr-me à prova e depois chorarem eles também.
Criar razies é como repousar. Espero que meus filhos me considerem um motor imóvel, e devo sê-lo visto que se mistura reciprocamente de um rude timidez, mas temo que me tenha, justamente, “encostado”, talvez provisoriamente e quem sabe para vir me buscar quando será tarde demais (para fazer tudo o que mi propus de construí, na alegria imensurável de tê-los comigo, comentando o filma da vida de família que gravei na mente, mas fui “encostado”).
Criar raízes é competir com o espírito do tempo, não se fazer tapear pelo ditado universal. Dar, portanto, pão ao pão. Tive tempo de lhes dar em mãos uma faca para esganar as bestas no abatedouro, aprenderam criança a arte difícil da carne, até comeram a interiores fritados com pimenta preta e cebolas, gostaram disso, tiraram várias fotos que levaram para a escola, preocupando os professores e, depois – eis o que acontece – se tornaram adultos com gosto de serem homens.
Criar raízes é um gesto, um único gesto. E é sorrir. E cerca-los de amigo. É toda uma confraria. São machos selvagens, mas velhos, que fazem suplência da paternidade suspensa, por obrigação de realismo e que fazem o papel de oficiais de ligação entre mim e aquele dois, os meus filhos, que bem o sabem que terão de se tornar homens honrando seus nomes – a cada um o de um avô porque os gestos de um pai só têm sentido se obedecem à cadeia de transmissão dos pais. Mesmo com um Pato Donald. Com o pinheiro nas costas.
Criar raízes é aquele construir os próprios ombros. Os ombros sobre os quais eles levaram um bem potente tronco, aquele caixão.
Pietrangelo Buttafuoco
Visto em: http://www.ilfoglio.it/soloqui/21923
Tradução: Giulia d'Amore
Sobre "Novíssimos", leia mais aqui: http://farfalline.blogspot.com/2014/03/eclesiastico-novissimos-do-homem.html.
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Tradução: Giulia d'Amore
Sobre "Novíssimos", leia mais aqui: http://farfalline.blogspot.com/2014/03/eclesiastico-novissimos-do-homem.html.
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