23 de abril
São Jorge
Grande Mártir de Cristo e Carmelita (*)
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[1] Mat. 10,32 e Luc. 12,8.
[2] Categoria de servo.
[3] Sofrimentos.
Comandando Diocleciano o Império Romano, e sendo um homem astuto e sagaz, desejava aumentar o seu Estado, e tornar-se famoso nos séculos futuros. E, para fazer isto, lhe pareceu um meio necessário ter em seu favor e auxílio os seus deuses. Tomava, ordinariamente, conselho deles, e lhes oferecia grandes e solenes sacrifícios. Certa vez, aconteceu que, para um negócio de muita importância, ele pediu conselho a um ídolo, o qual demorou muitos dias para lhe dar uma resposta, mas, no fim, lhe disse que a razão pela qual às vezes não respondia, e que algumas das suas respostas resultassem falsas eram os justos que havia no Império Romano. O ídolo disse isso através de seu Sacerdote e depois se calou. De modo que precisou que o Imperador procurasse saber quem eram aqueles justos em seu Império, e lhe foi dito que eram os Cristãos, porque era coisa certa que eles, onde quer que estivessem, não faziam mal nem agravavam a ninguém, e que a todos faziam o bem, e isso era o ‘ser justo’, e que tais eram os Cristãos naquele tempo.
Disso, Diocleciano colheu a ocasião para mover a décima perseguição à Igreja [4], e ser tão cruel como ele foi. De uma vez só, por todo o Império, se encheram todas as prisões de gente Cristã, e eram esvaziadas de ladrões, de homicidas e de adúlteros. Estes eram libertados e aqueles presos. Tirava-se a vida a quem a merecia, e se perdoava a quem merecia mil mortes. Mas, ao fazer morrer infinitos Cristãos por todas as partes, não se podia impedir que não restassem outros, pelo contrário, pois quantos mais eram mandados à morte, tantos mais eram encontrados. Este foi o motivo pelo qual Diocleciano fez uma assembleia geral, na qual estavam presentes todos os Senadores e todos os Capitães que possuíam grau e ofício em seu exército. Então, informou o motivo pelo qual os havia reunidos, ou seja, de consultá-los sobre o que se devia fazer com os Cristãos, se deveriam ser libertados ou se deveriam ser perseguidos; e pediu que cada um desse o próprio parecer. Muitos falaram, e cada um deu seu parecer. Ao final, o Imperador mostrou o veneno que tinha no peito dizendo que o Império Romano pereceria se não expulsassem todos os Cristãos, ou fazendo-os morrer, ou de outro modo.
[4] Édito da Palestina, 303 d.C., in “Storia civile ed ecclesiastica della Dalmazia, Croazia e Bosna”, de Gianantonio Bomman, Tomo I, 1776, Editor Antonio Locatelli, Veneza, p. 118.
“Eu (disse ele) sou desta opinião, porque assim dizem os Oráculos; por isso, devemos todos nos unir e bani-los todos do nosso Império, façamo-los todos morrer”. Não houve ninguém que tivesse a coragem de contradizer ao Imperador, ao verem em seu rosto o desprezo e a ferocidade que ele tinha em seu ânimo, de forma que cada um confirmou o sobredito.
Estava presente a esta consulta Jorge Cavaleiro Ilustríssimo, nascido na Capadócia. Ele havia perdido seu pai em uma guerra que este fora combater pelo Império Romano, por isso Jorge fora morar com sua mãe em uma cidade da Palestina [5], onde tinham propriedades e outros bens. Era Cristão desde a infância, e chegado à idade de manejar as armas, tendo morrido sua mãe, resolveu ser soldado, como o fora seu pai. Entregou, então, o encargo de sua casa e de todos os seus bens a uma pessoa fiel e, bem em ordem e bem acompanhado de servos, foi procurar o Imperador Diocleciano, ao qual fez saber quem era e o que desejava. O Imperador, vendo-o um jovem de bela presença e de bons modos, sábio e sagaz, o tornou Tribuno de uma companhia de cavalos [6]. Jorge havia já mostrado ser um homem valoroso e de grande ânimo, porque, passando pela cidade de Berito [7], havia matado um terrível Dragão que fazia muitos danos naquela cidade, e nisso ganhou fama imortal. Por respeito, então, ao cargo que ele tinha, se encontrava presente à consulta feita contra os Cristãos, como disse acima.
[5] Cidade de Lida: vide nota 2, no final da página.
[6] Tribuno Militar, ou seja, oficial superior do exército imperial romano.
[7] Atual Beirute: vide nota 2.3., no final da página.
Compreendo o que estava sendo deliberado naquela assembleia, e sabendo que três dias depois voltariam a se reunir para cada um subscrever a deliberação referida, e para ordenar de que modo se devesse fazer a perseguição, naquele ínterim Jorge deu liberdade a todos os seus escravos, e dividiu todos o bens que possuía, parte entre os seus servos e parte aos pobres. Dos bens que ele possuía na Palestina, deu a procuração a alguém para que pudesse vender tudo e gastasse o valor em obras pias.
Tomadas essas providências, apresentou-se à consulta, no terceiro dia, e vendo que todo o Senado confirmava aquilo que havia sido ordenado na consulta passada, que tratavam do modo como se faria a perseguição aos fiéis, levantou-se e, com o rosto sereno e em alta voz, falou deste modo:
“Por que razão, invencibilíssimo Imperador, Ilustre Senado, Generosos e Nobres Cavaleiros, mudando vosso costume de obedecer e manter as Leis, agora ordenais uma Lei tanto injusta e perniciosa contra os Cristãos, que são gente virtuosa, santa, justa e digna de toda veneração e respeito. Quereis, vós, talvez, que eles adorem os vossos ídolos. E se estes não são deuses, por que quereis que eles os adorem? Aqueles que os adoram são cegos; não sabem que somente Jesus Cristo, com o Seu Eterno Pai e com o Espírito Santo, é o verdadeiro Deus que se deve adorar, pelo qual todas as coisas são feitas e governadas. Muito melhor faríeis se, deixando vossa cegueira, abrísseis os vossos olhos e adorásseis Jesus Cristo do que perseguir os Cristãos e querer fazê-los adorar à força vossos falsos deuses”.
Todos os presentes ficaram estupefactos e atônitos por causa da maneira livre de falar de Jorge. Olhavam para o bom Cavaleiro, e também observavam o Imperador, esperando pela resposta que ele daria. Este, aceso de cólera e desprezo, fez sinal a um seu grande favorito, chamado Magnezio, que à época era Cônsul [8], para que ele respondesse em seu lugar. Este chamou o Santo mais para perto de si e lhe disse:
“Quem é você? E qual é seu nome?”.
[8] Ou Prefeito de Dióspolis; in “Storia civile ed ecclesiastica della Dalmazia, Croazia e Bosna”, de Gianantonio Bomman, Tomo I, 1776, Editor Antonio Locatelli, Veneza, p. 118.
Jorge respondeu:
“O meu principal Nome é Cristão, e aqueles que me conhecem me chamam Jorge. Nasci na Capadócia e sou Nobre [9] e tenho por ofício ser Tribuno dos cavalos do Exército do Imperador”.
[9] Conde; título merecido como militar; in "Historie Cronologiche degl'Ordini Militari e di tutte le Religioni Cavalleresche infino ad hora instituite nel Mondo", do Abade Bernardo Giustinian, Cavaleiro Grãn Cruz na Ordem Imperial de São Jorge. Primeira Parte. Editora Combi & LàNoù. Veneza. 1692, p. 20. PDF: https://goo.gl/5bvlzV.
Continuou perguntando Magnezio: “Quem te autorizou a falar assim livremente e com tanta audácia?”.
“A Verdade”, respondeu Jorge.
“O que é a Verdade?”, perguntou o Cônsul [10].
[10] Parafraseando inconscientemente (?) Pilatos (Jo. 18,38).
Respondeu o Santo: “A Verdade é Cristo, que vós, idólatras, perseguis”.
“Então, você é Cristão”, disse Magnezio.
Respondeu Jorge:
“Eu sou Servo de Jesus Cristo, e, confiando n’Ele, quis dar testemunho da Verdade, no meio deste famoso Colégio”.
Levantou-se logo um grande burburinho entre todos aqueles que estavam presentes, quem dizia uma coisa, quem dizia outra. O Imperador mandou ordenar que todos se calassem; depois, dirigindo-se a Jorge, e sabendo muito bem quem ele era, lhe falou deste modo:
“Eu não sei, ó Jorge, que loucura é esta tua de me contradizer, sabendo aquilo que fiz por ti, porque, conhecendo eu a Nobreza de teu sangue, e vendo a tua graça e destreza, te honrei fazendo-te Tribuno, e pensava de te dar ofícios maiores, coisas que tu alteraste todas presentemente. Eu te aconselho, como pai, e te advirto, como senhor, que deixes tua má opinião e adores a nossos deuses, se não quiseres perder tudo aquilo que ganhaste até agora, e, junto, a vida”.
Respondeu Jorge:
“Quisera Deus que tu, Imperador, tomasses conselho que para teu bem te dá o teu fiel servo, o qual é este: que, deixando de adorares aos falsos deuses, adorasses Jesus Cristo, verdadeiro Deus, o que seria salutar para o Império e para as almas também”.
O Imperador não o deixou falar mais, mas ordenou que fosse levado à prisão e posto no tronco; e que depois lhe fosse posta uma pedra em cima, a qual, embora não lhe tirasse a vida, não obstante o torturasse grandemente.
Permaneceu o Soldado de Cristo neste tormento até o dia seguinte; depois, foi levado diante do Imperador, o qual, vendo o Santo bastante abatido por causa do sofrimento passado, lhe disse:
“Dizes-me, ó Jorge, estás mais razoável do que ontem?, porque os tormentos costumam tornar sábios os loucos”.
Disse o Santo:
“Não penses que esta pouca pena seja suficiente para me fazer mudar de propósito, procures, se quiseres, outras maiores, e verás se eu terei ânimo para suportá-las”.
[11] Pequenas espadas, segundo outras versões.
O Imperador pensou realmente isso, porque disse em voz alta:
“Onde está agora o teu Deus, ó Jorge? O que significa o fato de não ter te livrado do tormento?”.
Dito isso, foi todo alegre fazer sacrifício ao deus Apolo, parecendo-lhe ter feito uma grande prova.
Depois da saída do Imperador, se ouviu um grande trovão no céu, e veio uma voz que disse: “Não duvides, Jorge meu servo, sejas constante, porque muitos, por tua causa, receberão a minha Fé”. Após isso, apareceu naquele lugar um Anjo que, na presença de todos, o desamarrou da Roda e lhe medicou as feridas, e ele ficou curado e aparelhado para padecer novos tormentos por amor de Deus.
Levantou-se, então, um murmúrio e tumulto no meio do povo, gritando cada um em voz alta: “Grande e poderoso é o Deus dos Cristãos”.
Jorge, vendo-se livre e são, não tanto porque conduzido por Ministros da Justiça, quanto por vontade própria, foi até o Imperador e, no caminho, cantava aquele verso de Davi que diz: “Exaltabo te, Deus meus rex; et benedicam nomini tuo in saeculum, et in saeculum saeculi” [12].
[12] Ps. 144,1: “Eu te louvarei, ó Deus, rei meu; e bendirei o teu nome para sempre e pelos séculos dos séculos” – A Igreja nos conta que os Mártires cantavam indo para o Martírio, terá sido esse o hino de todos eles?
Chegado ao templo de Apolo, quando o Imperador o viu, ficou totalmente confuso e assombrado, e não podia acreditar que aquele fosse Jorge. Mas o Glorioso Santo lhe dizia:
“Eu sou Jorge, não te maravilhes, porque Jesus Cristo me defendeu da Morte e me liberou daquela vossa tortura”.
Vendo isso, outros dois Tribunos, um chamado Anacólio, e o outro Protoleo, que antes eram Cristãos, mas, depois, haviam se calado e amedrontado por medo das torturas, confessaram em voz alta Cristo como verdadeiro Deus. Ouvindo o Imperador estas vozes repentinas, ordenou que fossem imediatamente levados e decapitados.
Todas essas coisas chegaram ao ouvido da Imperatriz, Alessandra, mulher de Diocleciano, a qual finalmente confessou, publicamente, Cristo como verdadeiro Deus. Isto causou tanta raiva e desprezo no Imperador que ordenou a um Cônsul que a conduzisse ao seu Palácio para decidir, depois, o que seria feito com ela.
A seguir, mandou jogar Jorge em uma fornalha de cal ardente, onde ele permaneceu por três dias, ao final dos quais ele saiu de lá como o ouro do fogo, mais limpo e purificado; assim Jorge saiu da fornalha sem lesão alguma, e com melhor aparência que antes de nela entrar, não sem confusão por parte dos idólatras, e com muita raiva de Diocleciano, o qual, não saciado de atribular o Santo com novos Martírios, mandou trazer certos sapatos de ferro, os quais, por dentro, eram cheios de pequenas, mas agudas, pontas de aço, e os mandou colocar no fogo, e, quando estavam bem candentes, os mandou colocar nos pés de Jorge, que fez uma devota oração a Deus, pedindo-lhe forças para suportar o Martírio, que julgou ser terrível. Tendo os ministros calçado nele aqueles sapatos, lhe solicitaram que caminhasse com eles, e o ajudavam com empurrões e pauladas que lhe davam. Dizia o Santo Mártir a si mesmo:
“Avante, Jorge, corra galhardamente para ganhares o preço da beatitude”.
O Santo foi libertado daquele tormento mais uma vez miraculosamente, porque os sapatos esfriaram, e os seus pés não tiveram ofensa alguma do fogo, e as pontas não feriram em nenhum lugar.
Os Gentios atribuíam tudo isso à arte da magia, dizendo que ele era um encantador. O Imperador, a seguir, o mandou açoitar tão cruelmente que aquele tormento sozinho bastava para lhe tirar a vida. Mas o Santo cantava e louvava a Deus alegremente, sem dar sinal de sentir dor alguma.
Depois disso, o Imperador mandou chamar um mago de nome Atanásio, para que lhe desse uma bebida mortal, que o fizesse morrer logo com crudelíssimas dores; e o mago disse que o faria. Foi dada a bebida ao Santo, e ele a bebeu toda, sem lesão ou dano algum. E porque o Glorioso Mártir afirmava que Jesus Cristo o livrava dessas ocasiões de morte, e que isso era pouco para Seu poder, uma vez que os Seus Servos também faziam o mesmo e ressuscitavam os mortos em virtude de Seu Nome, o Imperador (aconselhado pelo mago) lhe disse para ressuscitar um morto que iriam crer que estava dizendo a verdade.
O Santo, embora no princípio se alterasse bastante dizendo que eles não eram dignos de ver semelhante maravilha, por causa de sua incredulidade, parecendo-lhe, porém, que, com tudo isso, teriam uma ocasião de converter-se a Deus, acercando-se de uma gruta, próxima do local onde estavam, na qual haviam muitos corpos mortos, fez uma oração a Deus, rogando-lhe que, para Sua glória e honra, ressuscitasse um daqueles mortos. Assim foi feito, porque na presença de todos saiu da gruta um homem vivo, gritando em voz alta que Jesus Cristo é verdadeiro Deus. Jogou-se, então, aos pés de São Jorge, e o agradeceu pela vida devolvida por meio seu.
De pouco adiantou este milagre para o Imperador, porque ele ficou mais endurecido e obstinado, aborrecendo-se com tudo, e dizendo que Jorge fazia tudo por arte da Negromancia. Mas assim não fez o mago Atanásio, pois, confessando-se Cristão, se aproximou daquele que o Santo havia ressuscitado e o suplicava que rogasse a Deus por ele. O Imperador mandou imediatamente cortar a cabeça a ambos, temendo que, por causa deles, outros se fizessem Cristãos.
Mandou jogar São Jorge novamente na prisão, onde o foram visitar muitas pessoas de vários tipos, cada uma buscando remédio para a própria alma, confessando ser Cristãos, rogando-lhe que ele implorasse por eles a Deus. Foram também muitos enfermos, e ele os curava fazendo o Sinal da Cruz sobre eles. Entre outros, foi também um camponês de nome Glicério, o qual estava muito aflito por lhe ter morrido um boi. O Santo, que por sua muita caridade desejava ajudar os pobres, tanto nas pequenas coisas, como nas grandes, disse ao camponês que voltasse para casa porque seu boi estava vivo. Acreditou o bom homem, e tendo voltado para casa e visto o milagre, que era mesmo conforme a seu baixo intelecto, voltou à prisão gritando e dizendo que era e que queria ser Cristão. Ouvindo isso, o Imperador mandou que fosse imediatamente morto, e ele morreu de boa vontade, por amor de Jesus Cristo.
Em outro dia, o Imperador mandou trazer São Jorge à sua presença, e fingindo lhe ser muito amigo, começou a lhe fazer muitos afagos, rogando-lhe que se contentasse de sacrificar ao deus Apolo, e lhe prometia, sobre sua cabeça, de fazê-lo o homem principalíssimo de seu Império. E lhe dizia que fazia isto não porque precisava dele, mas porque o amava e lamentava que ele quisesse perder a vida na flor da idade.
A isto, contestou o Mártir:
“De que modo, ó Imperador, tendo-me dado tantos tormentos, me fazes agora tantos afagos e ofertas?, porque não as fizeste antes?”.
Respondeu Diocleciano:
“Desculpe-me que o desprezo me fez ser cruel. Eu te restaurarei no futuro, se vieres comigo ao templo de Apolo e lhe fizerdes um sacrifício”.
“Vamos ao templo”, disse Jorge.
O Imperador pensou que ele quisesse sacrificar, por isso desceu de seu Cadeira e o abraçou e lhe fez infinitos afagos. Começou, então, a fazer publicar pela cidade a maneira como Jorge se convertia à sua religião, e não queria mais ser Cristão, para que todos soubessem e se alegrassem pela aquisição de tão valoroso Cavaleiro para a defesa do Império. Os idólatras louvavam o Imperador que tão bem tinha conduzido as coisas com Jorge, pois o havia reduzido àqueles termos, e gritavam em voz alta: “Graças a Apolo, vencedor de Cristo, Apolo vitorioso contra o Crucifixo”.
Congregou-se o Santo ao Imperador e, juntos, foram para o templo de Apolo; e rapidamente foi arranjado o tapete para se ajoelharem, e o fogo onde colocar o incenso. Todos esperavam que Jorge fizesse o sacrifício e a adoração; mas ele, levantando-se, sem sinal algum de reverência, falou ao ídolo [imagem, estátua] de Apolo deste modo:
“Dizei-me, Apolo, és tu Deus? Quereis ser adorado pelos homens?”.
O Demônio, que estava do lado da estátua, falou de forma que todos o ouviam, e disse:
“Eu não sou Deus, nem os que estão em minha companhia. Um apenas é Deus, que criou todas as coisas, cujo Filho é Jesus Cristo. Nós éramos seus Anjos, e porque O ofendemos nos expulsou do Céu, e nos tornamos Demônios”.
Disse, então, Jorge:
“Se, portanto, vocês não são Deuses, porque enganais aos homens, querendo ser adorados por eles? Como tens coragem de estar em minha presença, sabendo que eu sou Servo d'Aquele que tu dizes que é Deus?”.
Dito isso, o Santo fez o Sinal da Cruz contra o ídolo, e logo se ouviu um grande estrondo, e o tumulto de Demônios que berravam e se lamentavam; e o ídolo de Apolo caiu por terra e virou pó, com muitos outros que estavam naquele templo.
Os sacerdotes, que antes, todos alegres, se haviam reunido para ver aquele sacrifício, vendo, depois, acontecer o contrário, correram furiosos em direção de Jorge e o agarraram, e diziam ao Imperador que o fizesse morrer logo, se não quisesse ver Roma destruída.
O Imperador, que tinha o rosto corado como fogo por causa da grande cólera que sentia, disse ao Santo Mártir:
“Ó maldito enganador, este é o Sacrifício que querias fazer ao deus Apolo?”.
Respondeu Jorge:
“Como quer que faça sacrifício se ele mesmo me confessa que não é Deus, mas Demônio?”.
“És um mago, ou um encantador”, disse o Imperador, “e como tal te farei morrer logo”.
Naquele momento, a Imperatriz Alessandra veio embora com os guardas que Diocleciano havia designado, os quais a deixaram sair do Palácio; e, passando no meio da multidão, entrou ela também no templo de Apolo; e, chegando onde estava Jorge, se jogou a seus pés, suplicando-lhe que rezasse a Jesus Cristo por ela, pois ela O confessava como verdadeiro Deus. Isto fez com que Diocleciano tivesse mais fúria e raiva, porque começou a dizer que Jorge havia enganado à Imperatriz; depois ordenou que lhes fosse cortada a cabeça.
Ambos foram levados ao lugar do Martírio; Jorge de um lado e a Imperatriz de outro, se puseram a rezar. O Santo rogou a Deus que perdoasse a todos aqueles que haviam se aplicado no seu Martírio [13] e àquele que lhe daria a morte. A Imperatriz, pelo que se viu depois, rogou a Deus que a ajudasse para que não perdesse o ânimo no Martírio, e assim, fazendo-lhe Deus essa graça, enquanto rezava passou desta vida, o que foi de grande contentamento para o Santo, que via já segura aquela Senhora que quisera lhe fazer companhia em sua morte, porque temia que, vendo levantar contra si a espada, não viesse a perder o ânimo e mudasse de opinião. Foi atendida finalmente a oração do Santo, porque alguns daqueles que foram cúmplices de sua morte se converteram e morreram Católicos.
[13] Refere-se aos algozes que o torturaram; caridosamente, reconhece o "cansativo trabalho" — affaticarsi, no original — que eles tiveram.
Foi decapitado São Jorge aos 23 de abril, pouco depois do meio dia, que foi naquele ano uma Sexta-feira Santa, na qual a Igreja celebra a Paixão de Jesus Cristo, ao qual rogaremos que a intercessão do seu Glorioso Santo nos dê a Sua santa glória. Amém.
Devemos advertir que entre as Vidas de Santos que Papa Pelágio [14] declarou apócrifas uma foi aquela de São Jorge, mas não é esta aqui escrita (como diz o doutíssimo Lippomano) porque, em todo o Oriente, onde, por ser Pátria deste Santo, se manteve uma narração constante de seu Martírio, em todas as igrejas se lia a sua Vida do modo como aqui é narrada, da qual tiveram certa informação seja por parte de Pasicrate, que escreveu a Vida deste Santo, como por parte de outro escritores que estavam presentes [ao Martírio], os quais, regressando depois à Capadócia e em Palestina, Pátria deles, narraram todas as coisas.
[14] Seria, no entanto, Papa Gelásio I, com seu Decretum Gelasianum (Decreto Gelasiano): https://goo.gl/avP8d4.
A morte de São Jorge aconteceu por volta do ano 290, no tempo do mencionado Diocleciano.
A cidade onde São Jorge padeceu o Martírio não é informada pelos Autores, mas Usuardo [15] diz que se chamava Dioscópolis [16], que é na Pérsia [17].
[15] Usuardo de Saint-Germain, O.S.B. — em latim: “Usuardus Sangermanii” — um monge da Abadia de Saint-Germain-des-Prés, em Paris, autor de um Martirológio célebre que oferecera ao Sacro Romano Imperador Carlos II da França ou Carlos, o Calvo, que o solicitara; o Martirológio em latim: http://goo.gl/0aBXvF.
[16] Talvez Dióspolis, atual Lida; vide nota 1, no final da página.
[17] Lida é atualmente em Israel; vide nota 2, no final da página.
Fonte: "Il Perfetto Leggendario della Vita e Fatti di N.S. Gesú Cristo e di tutti i suoi Santi", 1778, Edit. Francesco Sansoni, Veneza, pp. 313-317. A Vida de São Jorge, Mártire, escrita por São Simeão Metafraste — também chamado de Leão Gramático e Simeão Logóteta, autor de um Sinaxário medieval em grego, em 10 volumes — e por São Pasicrate, familiar (servo) de São Jorge e autor do "Martyrium sancti martyris Georgii", referida pelo Cardeal e agiógrafo Aloisius Lipomanus Lippomano. PDF in Google Book: https://goo.gl/jnld3f.
Tradução, grifos, notas e links: Giulia d’Amore.
___________
Notas
1: O lugar do Martírio e morte de São Jorge não está claro se foi em Nicomedia, Mitilene ou Dioscópolis. Cf. in “Gusmans - Sant Jordiet”: https://goo.gl/Yu870z.
2. Sobre Dioscópolis/Lida/Dióspolis: 2.1. “Segundo a Bíblia, foi fundada por um membro da tribo judaica de Benjamim chamado Samed (1Cr 8:12). No Novo Testamento, foi cenário da cura de um paralítico efetuada por São Pedro (At 9: 32-35). É a cidade onde São Jorge possivelmente nasceu (entre 256 e 285), passou a infância e a juventude. Ele era um soldado na guarda do imperador Diocleciano. Após sua morte, na cidade de Nicomédia, seus restos mortais foram transferidos para Lida pelo imperador romano Constantino I, que mandou aí construir uma igreja em memória do santo. Em 200, o imperador Sétimo Severo estabeleceu uma cidade romana ali, chamando-a de Colônia Lúcia Septímia Severa Dióspolis. Depois, ela passou a ser chamada de Georgiópolis, em homenagem a São Jorge, que nasceu na cidade” (Wikipedia - https://goo.gl/7x78bp). 2.2. “Sob o Império bizantino, Lida foi chamada ‘Georgiopolis’, em memória de São Jorge Mártir, que se reputa ter nascido nesta cidade e aqui tem o seu túmulo, sobre o qual surgia a Basílica de São Jorge. O peregrino Theodosius, por volta de 530 d.C., foi o primeiro a mencionar o túmulo do Mártir”. (Wikipedia - https://goo.gl/CAhdzN, em italiano). 2.3. “São Jorge teria vivido em al-Khadr, nas proximidades de Belém, e, apesar de sua linhagem estar ligada à região turca da Capadócia, acredita-se que sua mãe era palestina da cidade de Lida (Lydda, em grego), hoje localizada em Israel (...) A bandeira branca com a cruz vermelha, usada como símbolo nacional na Inglaterra, também tremula na janela de uma igreja palestina, na aldeia de al-Khadr, na Cisjordânia. (...) Segundo os libaneses, a luta entre o santo e o dragão ocorreu nos arredores de Beirute, e até hoje se mantém o culto a ele em inúmeras igrejas que lhe são dedicadas. (...) Kaslik é um vilarejo localizado perto do porto de Jounieh, onde há uma antiga caverna chamada de ‘Al-Batieh’, que foi transformada, depois da Idade Média, em um lugar de culto e peregrinação cristã dedicado a São Jorge. A tradição local situa aí o combate entre São Jorge e o dragão”. (Palestina e Lida. In “São Jorge : o poder do santo guerreiro: Quem é São Jorge e como ele pode muda sua vida”, de Pe. Jeferson Flávio Mengali. Editora Petra. 2015).
(*) Sobre São Jorge e o Carmelo:
SÃO JORGE UM CARMELITA!
Certo Fr. Egidio Leoindelicato, carmelita de Siacca, escreveu um livro chamado “Jardim Carmelitano”, no qual registra a “História da Vida do grande Martyr de Christo, e Carmelita São Jorge”.
Logo no começo, Fr. Egídio informa o local onde São Jorge era “natural de Capadócia a Magna, ampla Região da Ásia, exposta ao mar Euxino: tendo a Galácia à parte do Ocidente, e a Armênia ao Nascente, dividindo-a o monte Tauro. Esta lhe deu, de ilustres pais, o berço na Cidade de Diespoli [ou Dióspolis; vide nota 2, acima]. Sua mãe foi natural de Palestina, por cuja causa alguns o fizeram Palestino.” (p. 553.)
Registra, também, logo a seguir, que, de “seus pais herdou, com abundância de bens, o nobre apelido de Tropelofori, e a pratica de muitas virtudes.”
Bom, vou deixar a transcrição do texto todo, muito belo, para outra ocasião. Agora, quero apenas fixar-me na informação preciosa e, para mim, desconhecida, de que São Jorge era CARMELITA.
À página 554, vem a narrativa:
“Subjugada a Palestina, lhe veio o desejo de visitar os Lugares Sagrados, e como, entre os mais, o convidava, por sua celebridade e devoção, o monte Carmelo e seus Santos cultores, subiu a venerá-los e a admirar as virtudes de tais habitadores. Estes, vendo nele tão boa índole e devoção, o inclinaram a largar as armas e a seguir o instituto de sua vida Anacorética; o que ele fez logo, satisfazendo juntamente a seus desejos, e buscando a Deus na companhia daqueles Santos Carmelitas. Para o que, primeiro (por ser já a este tempo morta sua mãe) mandou dar e distribuir para os pobres toda sua fazenda [bens]; cuja verdade se acredita, com o testemunho de verídicos Escritores, que especularam e escreveram das antiguidades daqueles tempos.
Isto assim determinado, recebeu e professou o santo hábito Carmelita: mas, como entre as armas se tinha exercitado os primeiros anos de sua vida (passados que foram alguns de espiritual milícia entre os Atletas do Carmelo), tomando as primeiras contra os inimigos da Fé, nestas batalhas determinou acabar a vida; como cantou o nosso Mantuano: não deixando, pois, a cucula, ou hábito Carmelita; antes, ratificando sua profissão nos santos exercícios que fazia, e alcançada licença do seu Abade (sem duvida movido de inspiração Divina), entrava pelas Cidades da Síria e aí animava os Cristãos, que achava metidos em tormentos (Martírios), para darem por Cristo a vida com a maior constância. E, com o zelo de seu Santo Patriarca Elias, como diz [São] Simeão Metafraste, assim como em outro tempo com a espada, agora com a palavra aumentava o Divino culto, pelejando contra os inimigos do Senhor”.
Igreja de São Jorge em Velabro
No mesmo livro, à página 354, registra-se uma das igrejas dedicadas a São Jorge:
“Neste sítio (Velabro), pois, edificou o nosso Santo Pontífice (Papa Zacarias) huma Igreja a S. Jorge, na qual collocou a cabeça do mesmo Santo”.
Fonte: “Jardim Carmelitano - História Cronológica e Geográfica, Notícias Sagradas, Domésticas e Estranhas de vários sucessos da Religião Carmelitana”, de Fr. Egidio Leoindelicato, carmelita de Siacca; traduzido ao "Lusitano" por certo Fr. Estevam de S. Angelo, da Ordem de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Observância. Em sua Terceira Parte (ou Volume), às pp. 553 ss. PDF: .
Transcrição e texto: Giulia d'Amore.
Oratório de São Jorge
Na Itália, há uma bela Igreja, em Pádua, com afrescos narrando a vida do Santo Mártir, o Oratório de São Jorge.
Vide também:
1. Actas martiriales de San Jorge - http://goo.gl/HkVAo6. PDF: http://goo.gl/5x0IEt (em italiano).
2. 23 Aprile: San Giorgio Megalomartire: http://goo.gl/YoFQMJ (em italiano).
3. “Memorie istoriche del sacro tempio, o sia diaconia di San Giorgio in Velabro”, de Pe. Federico de Sant'Agostino, agostiniano descalço. Editora Paolo Giunchi. Roma. 1791. PDF in Google Book: https://goo.gl/kckRcC (em italiano).
4. “A VIDA E LEGENDA DE SÃO JORGE, Mártir / 23 de Abril”. PDF: http://goo.gl/TuvPSA (em português).
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