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sábado, 4 de junho de 2011

E Tettamanzi abençoa o companheiro Pisapia

NOTÍCIAS ITALIANAS 


E Tettamanzi abençoa o companheiro[1] Pisapia


De Mario Giordano[2]

O Arcebispo de Milão tira a máscara e se atira em um comício diante de 50 mil crianças crismandas. A festa para o prefeito pró-uniões gays? “Uma primavera, é apenas o começo”.

No princípio era Pisapia[3]. O verbo (rifondarolo[4]) se fez prefeito, glória a Giuliano do alto de Milão e paz na terra aos homens de boa vontade, especialmente se votam no PD[5]. A missa acabou, ide e pregai o evangelho da esquerda chique. O Cardeal Tettamanzi[6], agora, faz as pregações assim: sobre os ombros o vermelho cardeal, no coração o vermelho político. Mais do que falar aos fiéis, parece que fala ao Infiel[7]. Falta somente Gad Lerner[8] para segurar o microfone dele. 


Que o arcebispo ambrosiano tivesse certa propensão a divagar sobre seu chefe, de fato, já ficou claro há dois anos, quando escreveu uma carta às crianças de Milão, explicando-lhes os verdadeiros valores do Natal: reciclagem dos objetos e, de qualquer maneira, ao invés de descarta-los é sempre melhor consertá-los. Disse isso mesmo. O Salvador? O Cordeiro de Deus? O filho do Todo-Poderoso que se faz homem naquela noite? O início da Nova Aliança? O mistério absoluto que turbou a Humanidade? Imagina! O Natal reduzia-se, naquela carta, a uma questão de revistas do tipo Amsa[9], um manual de instruções para a coleta diferenciada. E, por outro lado, Tettamanzi, às vezes, parecia mais preocupado com a propagação da fé muçulmana do que com a da fé cristã: uma mesquita em cada bairro, disse ele, como fosse o arcimuezzin[10]. Felizmente, seu tempo está se esgotando, imaginem o que mais ele proporia! Um minarete no lugar da Madonnina[11]? A leitura do Corão em vez dos salmos responsoriais? A Meca entre as metas da Opera Diocesana Pellegrinaggi[12]?

É Isto que acontece quando somos fulminados ao seguirmos o caminho do politicamente correto. E também quando escolhemos como guia espiritual, não Santo Ambrósio ou São Carlos, mas Santo Eugênio Scalfari[13]: ao invés de seguir as orientações da Igreja, cuida de seguir as da República. Resultado? No final, é inevitável lançar fora a máscara, como fez no outro dia Tettamanzi, em San Siro[14], na frente de 50 mil crismandos. “A festa de Pisapia está só começando”, disse ele, exaltando a eleição do candidato de centro-esquerda como uma “primavera”[15]. Faltava apenas a imersão da bandeira tricolor na pia batismal e, em seguida, a heresia completa: “Eu vos batizo prefeito, em nome do pai, do filho e do antiberlusconismo[16]”. Amém. Ide e pregai o evangelho e os casamentos gays.

A posição da Cúria de Milão, por outro lado, já ficara clara durante a campanha eleitoral. Intervenções de vicários episcopais, mensagens nem tão veladas e atuação dos homens de cúpula da diocese, que divulgavam documentos de inequívoco apoio ao candidato rifondarolo: com seu discurso aos crismandos, o cardeal nada mais fez que explicitar a escolha, embora seja difícil entender o por que de tal fervor de um homem da Igreja para um político que apoia as uniões de fato, as uniões homossexuais, a eutanásia e tudo o que é contrário aos valores cristãos. A Moratti[17], digamos, com todos seus defeitos, financiava abundantemente os centros de ajuda à vida para limitar ao máximo a opção pelo aborto. Pisapia, abençoado por Tettamanzi, fará o mesmo?
Enquanto isso, os católicos podem se consolar com uma agradável conquista: a temporada dos leigos escandalizados pela “ingerência da Igreja na política” acabou num piscar de olhos. Você já reparou? Bastou que a ingerência fosse a favor da esquerda para que, zap, como que por magia, isso deixasse de ser um problema.

Nem uma voz sequer se levantou para protestar. Nem sequer um lamento abalou o fronte dos anticlericais. Mas - vocês se lembram? - passamos dias inteiros lendo os jornais mensageiros do laicismo que surravam o Vaticano, culpado apenas de reafirmar o seu não às uniões gays, à fertilização heteróloga ou à eutanásia. “Como se atreve o Papa a interferir na vida de nosso País?” “Como se atreve a Santa Sé a interferir nas instituições democráticas?” Isso mesmo: a simples enunciação dos valores cristãos foi considerada uma espécie de ataque à laicidade do Estado. Erguiam-se as barricadas. Agora, ao invés disso, há um arcebispo que entra diretamente no jogo político, alinhando-se entusiasticamente; e as barricadas sumiram. E como. A laicidade do Estado continua firmíssima. É a credibilidade de certos legisladores [soloni[18]], no máximo, que vacila.

No entanto, agora que Tettamanzi deixou de lado a titubeação, estamos prontos para os próximos movimentos. Se a festa na Piazza Duomo[19] é apenas o começo, que fará agora o cardeal? Uma carta pastoral: “O amor de Pisapia está entre nós”? A celebração da páscoa da ressurreição da esquerda? A instituição dos paramentos laranja para celebrar o fim da quaresma e relativo jejum de votos? A única esperança é que chegue logo o sucessor. Diz-se que a nomeação poderá ser feita no final do mês, no máximo até o início de julho. E diz-se também que o sucessor de Tettamanzi poderia ser o atual patriarca de Veneza, Angelo Scola[20]. E então eu me pergunto se enfim, nas igrejas de Milão, após a estação da ecologia, de Maomé e de Pisapia, poder-se-á voltar a pregar outra coisa. Jesus Cristo, por exemplo.



Tradução e notas: Giulia d'Amore di Ugento




[1] “Companheiro” é uma referência jocosa ao termo com que se chamam entre si os comunistas.
[2] Mario Giordano, jornalista e escritor italiano.
[3] Giuliano Pisapia, advogado, escritor e político italiano, atualmente independente (não filiado a partido), pertence ao Gruppo Misto (que congrega todos os que não são filiados a algum partido). Já pertenceu ao Partito della Rifondazione Comunista.
[4] Termo italiano que se refere a quem adere ao Partito della Rifondazione Comunista (Partido da Refundação Comunista), partido italiano de esquerda, fundado em 1991, por causa da dissolução do Partito Comunista Italiano.
[5] Partito Democratico, partido italiano de centro-esquerda, fundado em 2007. Prega a socialdemocracia, o cristianismo social, o liberalismo social, o europeísmo, o ecologismo.
[6] Dionigi Tettamanzi, arcebispo de Milão e cardeal-presbítero dos Santos Ambrósio e Carlos. Considerado um moderado (Apocalipse, 3,15-16), prega um envolvimento maior da Igreja com as causas sociais e - curiosidade - a exemplo de Karol Wojtyla tem parentes no Brasil. É um dos “nomes fortes” na sucessão papal (sic).
[7] L’Infedele é uma transmissão televisiva italiana, conduzida pelo jornalista Gad Lerner.
[8] Gad Eitan Lerner, hebreu nascido em Beirute, laico, jornalista, filiado ao Partido Democrático (centro-esquerda), trabalhou em vários jornais de matizes comunistas (entre os quais Lotta Continua, l'Espresso e La Stampa), foi demitido do cargo de diretor de TG1 – programa da TV italiana – depois que autorizou um programa televisivo com imagens pedo-pornográficas.
[9] A AMSA (Azienda Milanese Servizi Ambientali – ou seja, Agência Milanesa de Serviços Ambientais) é uma empresa que gere a coleta e eliminação dos resíduos urbanos na cidade de Milão e alguns de seus subúrbios.
[10] Jogo de palavras: o muezim é o encarregado de anunciar em voz alta, do alto dos minaretes, o momento das cinco preces diárias. Portanto ele seria o arcebispo do Islã: arci+muezim.
[11] A Madonnina é uma estátua de Giuseppe Perego em cobre dourado, representando Nossa Senhora da Assunção, colocada na torre principal da catedral de Milão. Desde sua instalação, ocorrida em 1774 se tornou o símbolo da cidade, para além do fato religioso. Frases como à sombra da Madonnina indicam, por antonomásia, a cidade de Milão.
[12] Opera Diocesana Pellegrinaggi (Obra Diocesana Peregrinações): um ente diocesano que organiza peregrinações. Dedica seu “apostolado” ao chamado turismo religioso ou sagrado.
[13] Eugenio Scalfari è um jornalista, escritor e político italiano. Laico, ele é um liberal de matiz social, trabalhou pela aprovação das leis pro-divorcio e pro-aborto.
[14] San Siro é um grande bairro de Milão, célebre pelo Estádio Giuseppe Meazza, o Estádio de San Siro.
[15] Teria algo a ver com a “Primavera da Igreja”? Pergunta da tradutora.
[16] Antiberlusconismo, é a atitude de crítica e de oposição à linha política defendida ou apoiada por Silvio Berlusconi (atual Primeiro Ministro italiano) e pelos partidos e movimentos políticos que ele fundou ou dos quais participou, como o PDL (Il Popolo della Libertà – O Povo da Liberdade, de centro-direta) ou Forza Italia (Força Itália – de centro direta também. A ideologia do partido variava do liberismo à economia social de mercado, de ispiração cristão-democrática; aspirava a ser o partito da renovação e da modernização).
[17] Letizia Moratti, ex-prefeita de Milão. Política pertencente ao PDL (Popolo della Libertá); empresária, ex-presidente da RAI (TV estatal italiana); Ministra da Educação, Universidade e Pesquisa; Dama da Gran Cruz da Ordem de Santa Ágata (República de San Marino); Dama de Gran Cruz da Ordem do Belize (Belize); Dama de I Classe da Ordem do Sol Levante (Japão); Dama da Ordem da Legion d'Onore (França).
[18] Sólon, legislador e poeta ateniense. Por antonomásia, o nome de Sólon passou ao uso comum italiano como sinônimo de legislador, mais com sentido depreciativo: os modernos Solões não concluíram nada.
[19] Piazza del Duomo é a principal praça de Milão, o seu verdadeiro centro geométrico e comercial há mais de sete séculos.
[20] Angelo Scola, patriarca católico de Veneza e cardeal-presbítero dos Santos XII Apóstolos. Candidato forte à sucessão de Milão, amigo do Papa Bento XVI. Criou o centro Oasis, uma espécie de cátedra do ecumenismo. É tido (e criticado) como um apreciador do tomismo. Quando jovem participou da experiência da juventude estudantil que se tornou, depois, Comunhão e Liberação (é um movimento católico eclesial, presente em cerca de setenta países em todos os continentes e tem acerca de 100.000 membros, muito estimado pelo Papa); por causa dessa sua ligação foi afastado do seminário de Venegono (província de Varese/Itália).

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