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segunda-feira, 13 de maio de 2013

Arte Religiosa: Canivet e Madame Bouasse-Lebel

Arte Religiosa: Canivet e Madame Bouasse-Lebel

por Giulia d'Amore di Ugento



No campo da arte religiosa, dá-se o nome de canivet a um estilo de santinho ou imagem piedosa em voga do Séc. XVII até o final do Séc. XIX, retratando um tema religioso. As bordas, e por vezes toda a imagem, eram perfuradas imitando uma renda. Em italiano, o estilo é chamado merlettatura, que vem de merletto (renda). Em português, é conhecido como "santinho rendado".


 
Rainha do Céu rogai por nós
by Bouasse-Lebel


Na maioria das vezes, há uma pintura por cima da "renda" (como no caso acima), pintada a óleo, guache ou aquarela. Retrata um santo, uma santa, uma scena da Bíblia ou dos Evangelhos (abaixo). 



Tríptico da Natividade


 

Pode haver também frase, flores, árvores ornamentais, querubins etc., pintados à mão ou estampados. 


Deus nos dá uma ideia de sua beleza
by Dopler


São José
coloração à mão, by Alphonse Saintin


Pode haver uma imagem impressa ou gravada ou uma litografia.  



São Domingo adorando o SSº. Sacramento
by Bouasse-Lebel


Estas preciosas imagens, um suporte para a devoção, eram guardadas nos missais ou colecionadas em álbuns (aqui, um album online). Por vezes, eram distribuidas depois da Missas às crianças. Também se costumava oferecer como lembranças do recebimento dos Sacramentos ou em memória de uma Missa para um defunto.


 
by Bouasse-Lebel


O termo canivet também designa a própria ferramenta (lâmina ou ponta fina) que executa o corte ou entalhe (découpage). 

Os motivos costumavam ser:
  • arabescos
  • folhagens e florais
  • imitações de rendas 
  • religiosos (Sagrado Coração, cibório, Cruz de Cristo...)
  • raramente motivos seculares, como jardins, vistas de caça, cenas românticas, retratos...

No verso, por vezes há alguma oração ou um texto piedoso. 
 
A découpage e o bordado são trabalhos manuais tradicionais e antigos na Europa. O canivet é uma découpage que produz um efeito rendado. 


Canivet do Século XIX
by Alphonse Saintin


A técnica canivet se tornaria popular no Século XVII, mas suas raízes parecem muito mais velhas, tendo sido encontradas até no trabalho de freiras francesas do Século XIII. Os canivets mais antigos seriam bem grandes (até 40x30cm). Enquanto os dos Séculos XVIII e XIX ficaram cada vez menores, até alcançar, no início do Século XX, um tamanho de cerca de 10x8cm. 


Canivet provençal da metade do Século XVIII


Canivet de Santo Antonio no deserto - Século XVIII


Canivet de Santa Elisabet - Século XVIII


Canivet em forma de pêndulo de chaminé - Século XVIII


Originalmente, o canivet era uma imagem piedosa pintada em pergaminho finamente perfurado com uma faca bem afiada: daí a palavra canivet aplicada ao estilo, cujo nome deriva de "canipulum medieval", uma pequena faca usada por escribas e enlumineurs (monges que faziam as iluminuras) para cortar suas penas de escrever e, por vezes, usada para decorar algumas páginas com motivos entalhados no pergaminho. 


 
Um monge entalhando uma iluminura, na mesa dá para ver o canivet.Ao lado, a página de uma Bíblia com o Gênesis

 
Embora existam cópias assinadas, a maioria dos especialistas nesse estilo de gravura em papel permaneceu anônima, ajudando a manter uma aura de "mistério místico" sobre o seu trabalho. O nome de Susanna Mayer de Augusta (1600-1674) no entanto se destacou. Ela era filha de um pintor e mãe de outro pintor. Ela foi uma das primeiras e mais experientes gravadoras de pergaminho de seu tempo. 



A assinatura é sempre discreta, em um canto, minúscula.


Posteriormente, vieram as découpages de rendas de fabricação mecânica, graças a uma técnica de gravação com perfuração desenvolvida pela editora francesa Bouasse-Lebel, no século XIX, herdeira da Editora Basset (vide quadro abaixo). Há também a Editora Ch. Letaillé, que sucedeu à Editora Boumard; a Alphonse Saintin e muitas outras. A técnica do canivets também foi utilizada, manualmente ou por máquina, no papel vegetal (abaixo). 


 
entalhe em papel vegetal

 
No fim do século XIX, alguns protestantes tentaram seguir a mesma ideia e oferecer imagens similares sobre suas crenças heréticas, certamente para confundir as boas almas católicas. Eles produziram santinhos com litografias retratando histórias bíblicas e parábolas, e no verso traziam um pequeno sermão. Um tanto incoerente, tendo em vista que isso representaria, em tese, idolatria, segundo o entendimento restrito, obtuso e estéril deles.


Enfim, o imaginário religioso saiu de moda no final do século XX, mas papéis estampados/recortados ainda são usados em cartões de Natal ou de pastelaria, como um elemento decorativo de apresentação, em cima de bolos. Eles também são usados para criar motivos sobre os bolos ao polvilhá-los com cacau ou açúcar de confeiteiro.



clique na imagem para ver melhor as modernas aplicações da técnica canivet




Há santinhos de outros estilos dessa época gloriosa, embora sem rendados, entalhes e que tais. Tratarei deles em um próximo post. Aqui um exemplar:


S. José nosso Pai!

Que Vosso Coração,
Ó S. José, seja nosso
refúgio em nossas dores, em
nossos sofrimentos.
P. Huguel

by Bouasse-Lebel



 

 

Alguns blogs com imagens semelhantes:




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A EDITORA BOUASSE-LEBEL


A Editora Bouasse-Lebel foi iniciada pela Sra. Eulalie Bouasse em 1845, em Paris, França. A Sra. Eulalie nasceu em 1809, em Paris, única filha do editor Jacques-Auguste Lebel. Casou-se, em 1827, com Francois-Marie Bouasse, também editor, que veio a deixá-la sozinha, com dois filhos. Ela, então, funda uma empresa, em 1845, para a impressão de imagens religiosas, sob o nome de "Madame Bouasse, nee Lebel" (Madame Bouasse, nascida Lebel). Em 1847, fez de sua casa, na Rue St. Sulpice, 29, em Paris, o centro da indústria de impressão religiosa. Nos primeiros anos, imprimiam-se também livros, cartões e outros ítens, como jogos de tabuleiro (vide imagem [1] abaixo). A editora recebeu um significativo reconhecimento por seu trabalho, incluindo uma recomendação papal (Pio IX). Em 1852, o filho mais velho, Henri, assume o comando da editora e, em 1867, o outro filho, Emile, funda uma editora concorrente, no mesmo endereço, criando uma certa rivalidade com o irmão; a nova editora se chama Bouasse-Jeune. Ambas as editoras eram reconhecida por sua técnica preciosa e passaram a liderar a cromolitografia na década de 1870. Emile morreu em 1881, com 49 anos, e sua viúva e seus filhos assumiram os negócios, que foram levados até o início do século 20. Eulalie morreu em 1898 e Henri em 1912, sendo sucedido pelo filho Albert. Após a Segunda Guerra Mundial, o interesse por pinturas religiosas e impressão ornamentada diminuiu ou foi substituída por reproduções fotográficas e de impressão em massa, métodos bem mais baratos. Albert Bouasse morreu em 1955, e a empresa Bouasse-Lebel atravessou a década de 1960 (vide imagem [2] abaixo) imprimindo cartões e santinhos.

[1] Jogo da Glória, também é conhecido como Jogo do Ganso.
É um jogo de tabuleiro, com 63 casas, em que cada jogador
lança os dados e avança o número de casas correspondente.


[2] Ed. Bouasse-Lebel da década de 1960
já sem a preciosidade do rendado





Algumas imagens de santinhos da Editora Bouasse-Lebel

clique nelas para ampliá-las












Um site dedicado aos santinhos: Il collezionismo dei Santini. NOVO



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Fontes de pesquisa:
  1. http://www.citedesarts.com/fr/Aff.php?select_nom=6
  2. http://fr.wikipedia.org/wiki/Canivet
  3. http://it.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9coupage_%28arte%29
  4. http://ead.ohiolink.edu/xtf-ead/view?docId=ead/ODaU0048.xml;chunk.id=bioghist_1;brand=default
  5. http://lacompagniedesarbres.blogspot.de/2012/01/image-pieuse-bouasse-jeune.html
  6. http://de.wikipedia.org/wiki/Bouasse-Lebel
  7. http://ephemerajpp.com/2009/03/02/para-a-historia-da-publicidade-4-maison-bouasse-lebel/ 
  8. http://www.flaviocammarano.it/ITA/libri/santini-e-storia-di-un-editore-parigino-Maison-Bouasse-Lebel/recensioni/il-bollettino-salesiano
  9. http://www.casacenina.fr/blog/canivet-la-renaissance-de-l-antique-art-du-papier.html
  10. http://www.casacenina.es/kreinik/britannia-arjeta-de-coser-rectangular.html
  11. http://arhpee.typepad.com/enluminure/2008/05/mobilier-et-objets-des-scribes.html
  12. http://elsita.typepad.com/allaboutpapercutting/
  13. http://www.collezionismoa360gradi.it/santini/merlettati/merlettati.htm
  14. http://it.wikipedia.org/wiki/Santino#Gli_anni_dei_merlettati 
  15. http://pt.wikipedia.org/wiki/Santinho
  16. http://fr.wikipedia.org/wiki/Image_pieuse
  17. http://martinjean.fr/collection/canivetie/canivetie.html
  18. http://migre.me/epx4u.
  

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