Nos últimos dias de agosto, como se não bastassem os acontecimentos desse mês que nos pareceu ter trezentos dias, correu entre nós um boato que nos deixou sacudidos entre o gáudio e a tristeza: as irmãzinhas do Père Foucald, que se achavam no sertão de Goiás, vivendo entre os índios o obscuro esplendor da virgindade e da paciência, como Santa Rosa de Lima, teriam sido trucidadas pelos Tapirapés ou por seus ferozes inimigos. A morte horrível das duas moças, cujas irmãs tantas vezes visitamos na casinha do morro de São Carlos, parecia-nos um sinal do céu, uma réplica que o sertão do Brasil dirigia à capital do Brasil, nesse diálogo de violências que nos encheu o mês de agosto, uma réplica de Deus a nos dizer que seu pendão orvalhara a nossa terra com o sangue dos mártires...
Ora, revolvia eu esses pensamentos de tristeza e de júbilo, quando ouvi alguém dizer, com pena das moças, que aquela missão em Goiás era um suicídio. Lembrei-me que dias atrás ouvira dizer, de um homem que se matou, que era um mártir. E quedei-me a pensar que a desordem política e econômica que nos infelicitara era ainda maior do que supunha, a julgar por essa desordem do vocabulário. Admito que aproximem o suicídio do martírio. Há realmente entre os dois casos um ponto de contato: ambos evidenciam certo desdém pela vida. Mas esse ponto de contato marca oposição e não semelhança: suicídio e martírio opõem-se com dois ângulos de vértice comum. “Obviously a suicide is the opposite of a martyr”, diz Chesterton. E acrescenta: “O mártir é um homem que de tal modo cuida de uma coisa exterior que chega a esquecer-se de cuidar da própria vida. O suicida é um homem que de tal modo despreza todas as coisas que deseja exterminá-las”. E ainda: “O suicídio não é só um pecado, é o pecado. É o definitivo e absoluto mal, a recusa total de interesse pela existência, a recusa de cumprir o pacto de lealdade com a vida. O homem que mata um homem mata um homem. O homem que se mata, mata todos os homens. De certo modo, e na medida que está ao seu alcance. Ele passa uma esponja em todo o universo. Seu ato (considerado simbolicamente) é pior que o estupro e a destruição por dinamite, porque destrói todos os edifícios e insulta todas as mulheres. O gatuno tem grande interesse por pedras preciosas. O suicida não: e este é o seu crime. Ele não se deixa tentar, nem pelas coruscantes pedrarias da Cidade dos Céus. O gatuno homenageia as coisas que rouba, embora seja descortês com o seu dono; o suicida, ao contrário, injuria as coisas, uma por uma, até por não querer roubá-las. Profana as flores dos bosques com a recusa de viver, ao menos por amor delas. E assim, não há em todo universo uma criatura, ínfima que seja, para a qual a morte do suicida não soa como um escárnio. Quando um homem se enforca numa árvore, as folhas deveriam cair em sinal de reprovação, e as aves deveriam abandonar seus ninhos em sinal de indignado protesto, porque cada folha e cada pássaro sofreu uma afronta pessoal”.
Há coisas terrivelmente desiguais que se assemelham que tem um ponto em comum. O fariseu se assemelha ao piedoso. O impostor que distribui copos de leite em vésperas de eleição tem um ponto comum com o caridoso que visita os pobres. Assim também o suicida e o mártir. Encontram-se, mas o ponto de encontro é um cruzamento, um sinal de contradição. E o cristianismo que trouxe um novo gume para separar o bem do mal nas suas mais terríveis aderências, marcou sempre com ênfase, com exagero que toma às vezes formas espetaculares e chocantes, o abismo que separa o dócil testemunho cristão do insolente pagão. O mártir, o verdadeiro mártir, não dá seu sangue por achar que a vida não vale a pena ser vivida, não se entrega ao carrasco por desgosto ou por enfado. Perpétua e Felicidade são moças cheias de vida e de alegria. Gostam de flores e de frutos. Cantam e riem. Perpétua tem um filhinho recém-nascido; é moça; é rica. Mas não pode fazer o que dela exige o tribunal pagão: não pode renegar seu grande amor, seu Senhor e seu Deus. Não pode pronunciar uma palavra de negação e fazer um gesto de idolatria. Ela é testemunha de Cristo. Sê-lo-á até o sangue, com um gesto que faça ou palavra que diga os juízes mandam-na embora com prazer. Mas Perpétua, amando a vida, não pode renegar o Autor da vida. Se cobram tão alto preço por seu testemunho ela o pagará, aproximando-se mais d’Aquele que por ela pagou preço ainda mais alto. Dará ao Pai do céu seu rubro sangue, como ao filhinho da terra deu seu níveo leite — com alegria e com amor.
Na verdade, o mártir não despreza a vida. Ao contrário, valoriza-se de tal modo que a torna digna de ser oferecida a um Deus. Martírio é oblação, oferecimento, dádiva; suicídio é subtração e recusa. O mártir é testemunha de Cristo; o suicida será testemunha de Judas.
No sentido estrito, martírio é testemunho de fé com preço de vida. Não constitui vocação universal, a não ser que se alargue a significação do termo, conforme a passagem do Evangelho onde o Senhor nos diz: “sereis minhas testemunhas”, que em grego equivale a dizer: sereis meus mártires. A via normal de santificação é uma valorização sobrenatural de todos os atos da vida, e, por conseguinte, uma supervalorização das pequenas coisas quotidianas. O martírio será uma especial e extraordinária condensação, uma espécie de resumo densíssimo, que Deus exige de alguns que Ele mesmo designa. Por causa da singularidade dessa vocação, e para bem marcar sua procedência sobrenatural a tradição cristã que sempre teve horror ao suicídio, manifestou repetidamente sua aversão à temeridade e à imprudência. Cipriano que mais tarde terá glorioso martírio respondendo à acusação que lhe fizeram de fugir à perseguição, ensina que o autêntico testemunho de sangue é um dom de Deus. Adverte contra o que também Tertuliano chamava a “jactatio martyrii” e escreve que “a disciplina proíbe entregar-se por si mesmo” (Ep. LXXXIII, 2).
São Gregório Nazianzeno (Or. XLIII in laudem Basilii) ensina também que o cristão não deve expor-se à perseguição tanto para poupar um crime aos infiéis como por considerar sua própria fraqueza. Na mesma linha se encontra a advertência contida na Carta Circular à Igreja de Smirna onde Santo Irineu conta o martírio de São Policarpo (A Ordem, Outubro de 1941). Depois de louvar Germânico, diz assim a epistola: “Um apenas, chamado Quinto, que era frígio e recentemente chegado da Frigia ao ver as feras acovardou-se. Este, justamente, tinha desafiado espontaneamente o poder público e incitado outros a fazerem o mesmo. E, não resistindo às instâncias repetidas do procônsul, fez juramento e ofereceu sacrifício aos ídolos. Eis porque, irmãos, não louvamos aqueles que se entregam espontaneamente, de mais a mais, não é isso que ensina o Evangelho (cf. Mat. 10-23; Jo. 8-59; 10-39).
Por esses exemplos, que poderíamos multiplicar, vê-se bem o cuidado que a tradição católica teve nos dias mais difíceis para esclarecer uma nítida diferenciação entre o manso e humilde mártir e o voluntarioso ou fanático que, por si mesmo, ou até por virtude natural, corre ao encontro do perigo. Por mais forte razão evidencia-se o abismo que separa o suicida do mártir.
Há exemplos de temeridade e de aparente suicídio, como o de Sansão que morre com seus inimigos; e até exemplos de virgens mártires que preferiram a morte à perda da virgindade, como Santa Pelágia e Santa Sofrônia. Julgada boa a intenção dessas virgens, nem por isso a tradição católica reprova com menos insistência a temeridade. Santo Agostinho, no Livro I da Cidade de Deus, tece longos comentários em torno do suicídio, e entre outros escolhe o exemplo da pobre dama Lucrécia da antiga Roma. Profanada no corpo pela luxúria do filho de Tarquínio, ela revelou o fato a seu marido Colatino e a seu parente Brutus, exigindo deles um julgamento de vingança. Mas não esperou a punição do criminoso e matou-se. Aos que exaltavam a virtude de Lucrécia, Santo Agostinho responde dizendo que a casta e inocente Lucrécia foi assassinada. “Que castigo vossa severa justiça reserva então para o assassino? Mas esse assassino é Lucrécia, essa tão enaltecida Lucrécia; foi ela que derramou o sangue inocente da virtuosa e casta Lucrécia.
Na Cristandade medieval o horror ao suicídio toma formas que podemos julgar brutais, mas que revelam o grau de aversão por essa prática tão afastada da moral cristã. A memória do suicida era proposta à execração e o seu cadáver era arrastado pelas ruas e depois pendurado pelos pés. Na Inglaterra o suicídio era considerado uma felonia. O cadáver era deixado sem sepultura “at the cross-roads and a stake driven through the body”. Os bens do suicida eram confiscados em proveito da Coroa. Na França, conforme as leis de Luís XI de 1270, art. 88, deviam também ser confiscados os bens do suicida: “Si il avenait que aulcun hons se pendist, ou noiast, ou s´occist em alcune manière, si müeble seraient au baron et aussi de la fame”. O artigo 586 do antigo costume bretão diz que “si aulcun se tue à son escient, Il doit être pendu et trainé comme meurtrier”.
Eram sem dúvida brutais os legisladores da Idade Média, mas essa brutalidade serve para mostrar o horror que uma civilização cristã tem pela insolência de quem usurpa um direito de Deus. Convém notar, entretanto, que a moral cristã, embora sem aquelas violentas manifestações exteriores, guarda a mesma proporção que tinha na Idade Média. O suicídio é apontado como um dos mais graves pecados que um homem pode cometer. Esse juízo, evidentemente, versa sobre o dado objetivo e exterior deste. O julgamento em última instância que supõe o conhecimento das disposições interiores pertence a Deus. Pode acontecer que o suicida se arrependa no seu último instante, como foi revelado num caso especial ao Cura d’Ars. Pode ser, e esse deve ser o caso mais frequente: que o suicida seja um louco, um doente, e portanto, um irresponsável. Essa é a hipótese mais favorável a tamanho desatino, e o melhor que se pode dizer de um suicida, nessa suposição é que morreu de doença como morreria de um infarto. Glória nunca há em se matar. Ou fica nulo o ato, sem nenhum teor moral, ou fica terrivelmente negativo, o mais negativo dos atos humanos.
O boato da morte das petites soeurs foi desmentido. Elas estão vivas e continuam o incruento testemunho entre os bons e caluniados Tapirapés. Dispostas, sem dúvida, a imitar o Cristo na cruz, elas continuam a imitá-lo obscuramente na Sua vida escondida em Nazaré.
Gustavo Corção – Diário de Notícias, 12 de setembro de 1954.
Visto em: http://permanencia.org.br/drupal/node/1088.
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Ora, revolvia eu esses pensamentos de tristeza e de júbilo, quando ouvi alguém dizer, com pena das moças, que aquela missão em Goiás era um suicídio. Lembrei-me que dias atrás ouvira dizer, de um homem que se matou, que era um mártir. E quedei-me a pensar que a desordem política e econômica que nos infelicitara era ainda maior do que supunha, a julgar por essa desordem do vocabulário. Admito que aproximem o suicídio do martírio. Há realmente entre os dois casos um ponto de contato: ambos evidenciam certo desdém pela vida. Mas esse ponto de contato marca oposição e não semelhança: suicídio e martírio opõem-se com dois ângulos de vértice comum. “Obviously a suicide is the opposite of a martyr”, diz Chesterton. E acrescenta: “O mártir é um homem que de tal modo cuida de uma coisa exterior que chega a esquecer-se de cuidar da própria vida. O suicida é um homem que de tal modo despreza todas as coisas que deseja exterminá-las”. E ainda: “O suicídio não é só um pecado, é o pecado. É o definitivo e absoluto mal, a recusa total de interesse pela existência, a recusa de cumprir o pacto de lealdade com a vida. O homem que mata um homem mata um homem. O homem que se mata, mata todos os homens. De certo modo, e na medida que está ao seu alcance. Ele passa uma esponja em todo o universo. Seu ato (considerado simbolicamente) é pior que o estupro e a destruição por dinamite, porque destrói todos os edifícios e insulta todas as mulheres. O gatuno tem grande interesse por pedras preciosas. O suicida não: e este é o seu crime. Ele não se deixa tentar, nem pelas coruscantes pedrarias da Cidade dos Céus. O gatuno homenageia as coisas que rouba, embora seja descortês com o seu dono; o suicida, ao contrário, injuria as coisas, uma por uma, até por não querer roubá-las. Profana as flores dos bosques com a recusa de viver, ao menos por amor delas. E assim, não há em todo universo uma criatura, ínfima que seja, para a qual a morte do suicida não soa como um escárnio. Quando um homem se enforca numa árvore, as folhas deveriam cair em sinal de reprovação, e as aves deveriam abandonar seus ninhos em sinal de indignado protesto, porque cada folha e cada pássaro sofreu uma afronta pessoal”.
Há coisas terrivelmente desiguais que se assemelham que tem um ponto em comum. O fariseu se assemelha ao piedoso. O impostor que distribui copos de leite em vésperas de eleição tem um ponto comum com o caridoso que visita os pobres. Assim também o suicida e o mártir. Encontram-se, mas o ponto de encontro é um cruzamento, um sinal de contradição. E o cristianismo que trouxe um novo gume para separar o bem do mal nas suas mais terríveis aderências, marcou sempre com ênfase, com exagero que toma às vezes formas espetaculares e chocantes, o abismo que separa o dócil testemunho cristão do insolente pagão. O mártir, o verdadeiro mártir, não dá seu sangue por achar que a vida não vale a pena ser vivida, não se entrega ao carrasco por desgosto ou por enfado. Perpétua e Felicidade são moças cheias de vida e de alegria. Gostam de flores e de frutos. Cantam e riem. Perpétua tem um filhinho recém-nascido; é moça; é rica. Mas não pode fazer o que dela exige o tribunal pagão: não pode renegar seu grande amor, seu Senhor e seu Deus. Não pode pronunciar uma palavra de negação e fazer um gesto de idolatria. Ela é testemunha de Cristo. Sê-lo-á até o sangue, com um gesto que faça ou palavra que diga os juízes mandam-na embora com prazer. Mas Perpétua, amando a vida, não pode renegar o Autor da vida. Se cobram tão alto preço por seu testemunho ela o pagará, aproximando-se mais d’Aquele que por ela pagou preço ainda mais alto. Dará ao Pai do céu seu rubro sangue, como ao filhinho da terra deu seu níveo leite — com alegria e com amor.
Na verdade, o mártir não despreza a vida. Ao contrário, valoriza-se de tal modo que a torna digna de ser oferecida a um Deus. Martírio é oblação, oferecimento, dádiva; suicídio é subtração e recusa. O mártir é testemunha de Cristo; o suicida será testemunha de Judas.
No sentido estrito, martírio é testemunho de fé com preço de vida. Não constitui vocação universal, a não ser que se alargue a significação do termo, conforme a passagem do Evangelho onde o Senhor nos diz: “sereis minhas testemunhas”, que em grego equivale a dizer: sereis meus mártires. A via normal de santificação é uma valorização sobrenatural de todos os atos da vida, e, por conseguinte, uma supervalorização das pequenas coisas quotidianas. O martírio será uma especial e extraordinária condensação, uma espécie de resumo densíssimo, que Deus exige de alguns que Ele mesmo designa. Por causa da singularidade dessa vocação, e para bem marcar sua procedência sobrenatural a tradição cristã que sempre teve horror ao suicídio, manifestou repetidamente sua aversão à temeridade e à imprudência. Cipriano que mais tarde terá glorioso martírio respondendo à acusação que lhe fizeram de fugir à perseguição, ensina que o autêntico testemunho de sangue é um dom de Deus. Adverte contra o que também Tertuliano chamava a “jactatio martyrii” e escreve que “a disciplina proíbe entregar-se por si mesmo” (Ep. LXXXIII, 2).
São Gregório Nazianzeno (Or. XLIII in laudem Basilii) ensina também que o cristão não deve expor-se à perseguição tanto para poupar um crime aos infiéis como por considerar sua própria fraqueza. Na mesma linha se encontra a advertência contida na Carta Circular à Igreja de Smirna onde Santo Irineu conta o martírio de São Policarpo (A Ordem, Outubro de 1941). Depois de louvar Germânico, diz assim a epistola: “Um apenas, chamado Quinto, que era frígio e recentemente chegado da Frigia ao ver as feras acovardou-se. Este, justamente, tinha desafiado espontaneamente o poder público e incitado outros a fazerem o mesmo. E, não resistindo às instâncias repetidas do procônsul, fez juramento e ofereceu sacrifício aos ídolos. Eis porque, irmãos, não louvamos aqueles que se entregam espontaneamente, de mais a mais, não é isso que ensina o Evangelho (cf. Mat. 10-23; Jo. 8-59; 10-39).
Por esses exemplos, que poderíamos multiplicar, vê-se bem o cuidado que a tradição católica teve nos dias mais difíceis para esclarecer uma nítida diferenciação entre o manso e humilde mártir e o voluntarioso ou fanático que, por si mesmo, ou até por virtude natural, corre ao encontro do perigo. Por mais forte razão evidencia-se o abismo que separa o suicida do mártir.
Há exemplos de temeridade e de aparente suicídio, como o de Sansão que morre com seus inimigos; e até exemplos de virgens mártires que preferiram a morte à perda da virgindade, como Santa Pelágia e Santa Sofrônia. Julgada boa a intenção dessas virgens, nem por isso a tradição católica reprova com menos insistência a temeridade. Santo Agostinho, no Livro I da Cidade de Deus, tece longos comentários em torno do suicídio, e entre outros escolhe o exemplo da pobre dama Lucrécia da antiga Roma. Profanada no corpo pela luxúria do filho de Tarquínio, ela revelou o fato a seu marido Colatino e a seu parente Brutus, exigindo deles um julgamento de vingança. Mas não esperou a punição do criminoso e matou-se. Aos que exaltavam a virtude de Lucrécia, Santo Agostinho responde dizendo que a casta e inocente Lucrécia foi assassinada. “Que castigo vossa severa justiça reserva então para o assassino? Mas esse assassino é Lucrécia, essa tão enaltecida Lucrécia; foi ela que derramou o sangue inocente da virtuosa e casta Lucrécia.
Na Cristandade medieval o horror ao suicídio toma formas que podemos julgar brutais, mas que revelam o grau de aversão por essa prática tão afastada da moral cristã. A memória do suicida era proposta à execração e o seu cadáver era arrastado pelas ruas e depois pendurado pelos pés. Na Inglaterra o suicídio era considerado uma felonia. O cadáver era deixado sem sepultura “at the cross-roads and a stake driven through the body”. Os bens do suicida eram confiscados em proveito da Coroa. Na França, conforme as leis de Luís XI de 1270, art. 88, deviam também ser confiscados os bens do suicida: “Si il avenait que aulcun hons se pendist, ou noiast, ou s´occist em alcune manière, si müeble seraient au baron et aussi de la fame”. O artigo 586 do antigo costume bretão diz que “si aulcun se tue à son escient, Il doit être pendu et trainé comme meurtrier”.
Eram sem dúvida brutais os legisladores da Idade Média, mas essa brutalidade serve para mostrar o horror que uma civilização cristã tem pela insolência de quem usurpa um direito de Deus. Convém notar, entretanto, que a moral cristã, embora sem aquelas violentas manifestações exteriores, guarda a mesma proporção que tinha na Idade Média. O suicídio é apontado como um dos mais graves pecados que um homem pode cometer. Esse juízo, evidentemente, versa sobre o dado objetivo e exterior deste. O julgamento em última instância que supõe o conhecimento das disposições interiores pertence a Deus. Pode acontecer que o suicida se arrependa no seu último instante, como foi revelado num caso especial ao Cura d’Ars. Pode ser, e esse deve ser o caso mais frequente: que o suicida seja um louco, um doente, e portanto, um irresponsável. Essa é a hipótese mais favorável a tamanho desatino, e o melhor que se pode dizer de um suicida, nessa suposição é que morreu de doença como morreria de um infarto. Glória nunca há em se matar. Ou fica nulo o ato, sem nenhum teor moral, ou fica terrivelmente negativo, o mais negativo dos atos humanos.
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O boato da morte das petites soeurs foi desmentido. Elas estão vivas e continuam o incruento testemunho entre os bons e caluniados Tapirapés. Dispostas, sem dúvida, a imitar o Cristo na cruz, elas continuam a imitá-lo obscuramente na Sua vida escondida em Nazaré.
Gustavo Corção – Diário de Notícias, 12 de setembro de 1954.
Visto em: http://permanencia.org.br/drupal/node/1088.
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