Quando um doutor erra
Muitas
vezes nós nos perguntamos por que alguns sacerdotes piedosos,
tradicionais, bem formados, com muito mais conhecimentos do que nós,
leigos, não conseguem enxergar coisas que são tão óbvias. É certo que
nós nos aplicamos nos estudos, lemos os documentos dos papas
pré-conciliares, estudamos os catecismos tradicionais, obras tomistas ou
mesmo tratados de teologia ou filosofia. Mas jamais poderíamos supor
que tenhamos uma formação que sequer se assemelhe a de uma padre
tradicional. Sem contar que eles, e não nós, possuem graça de estado
para defender de maneira especial a Fé. E, no entanto, é para nosso
espanto que vemos estes padres tão bem formados não conseguirem enxergar
os desvios que os seus superiores estão tomando, mesmo quando estes
desvios são claríssimos e enormes.
Para
que eu não busque uma explicação que seja minha, de um simples leigo,
evoco aqui as palavras de um gigante na defesa da Fé católica:
Contudo, eu ponho a seguinte questão: por que Deus não impede que se ensine o que ele proíbe que se escute? “Porque
o Senhor vosso Deus vos põe à prova, para se tornar manifesto se O
amais ou não de todo o vosso coração e de toda a vossa alma”.
Assim, pois, está mais claro que a luz do sol o motivo pelo qual de vez em quando a Providência de Deus permite mestres da Igreja que preguem novos dogmas: “Porque o Senhor vosso Deus vos põe à prova”. E
certamente que é uma grande prova ver um homem tido por profeta,
discípulo dos profetas, doutor e testemunho da verdade, um homem
sumamente amado e respeitado, que de repente se põe a introduzir a
escondidas erros perniciosos. Ainda mais quando não há possibilidade de se descobrir imediatamente esse erro, visto
que toma as pessoas de surpresa, já que se tem por tal homem um juízo
favorável por causa de seus ensinamentos anteriores, e se resiste a
condenar ao antigo mestre ao qual nos sentimos ligados pelo afeto. (Lérins, São Vicente de; Comonitório; Editora Permanência; 2009; página 34)
Dizíamos
que na Igreja de Deus o erro de um mestre é uma tentação para os fiéis;
e a tentação é tanto maior quanto mais douto é quem erra. (Ibidem,
página 49)
Deus
não extirpa imediatamente os autores de heresias para que os que são de
uma virtude provada se manifestem, isto é, para se mostrar até que
ponto se é tenaz, fiel e constante no amor à fé católica. (Ibidem, página 55)
Poderiam
ser mais atuais estas palavras? Deus permite a queda de doutores para
provação dos fiéis. E não qualquer tipo de queda, mas até mesmo a
heresia. Se amamos a Deus, continuamos crendo o que a Sua Santa Igreja
sempre ensinou, e não o que um homem inventou. Não importa o quanto um
varão seja ilustre, douto, eloquente, poderoso, influente. Se ele se
aparta da doutrina da Igreja, nós não o seguimos. Por mais que, no
passado, ele tenha ensinado corretamente, se se desvia da verdade, já
não merece mais ser crido. A regra é clara: aceita-se a doutrina que vem
de Deus, rejeita-se a que foi inventada pelo homem.
Sublinhei,
no texto de São Vicente, algumas palavras pelas profundas implicações
psicológicas que elas trazem. O que foi dito no meu parágrafo anterior é
sumamente racional. Mas nós sabemos que muitas vezes o ser humano não
se move pela razão. A nossa natureza debilitada pelo pecado original
acaba por inverter os valores e antepõe as potencias inferiores da alma
às superiores. Muitas vezes o ser humano não quer acreditar no que está
vendo. Quando se tinha um juízo favorável sobre alguém que se conhece há
muito tempo, não é fácil desfazer este juízo. Ainda mais quando se está
ligado pelo afeto. Imaginem um padre que conviveu longos anos com um
bispo, que talvez tenha sido ordenado por ele, de quem sempre recebeu
boa doutrina e bons exemplos. É difícil para este padre acreditar que o
bispo tenha se desviado do caminho. E, no entanto, este padre tem a
obrigação de aderir à verdade assim que ela seja conhecida. Para seu
próprio bem, para o bem dos fiéis que lhe foram confiados e até mesmo
para o do superior que se desviou, ao qual filialmente o padre deve se
opor, e não confirmá-lo no erro com uma obediência cega.
Se
algum padre ou leigo tiver tido a bravura de contrariar a ditadura
estalinista e estiver lendo este texto, por favor, reflita no que acabou
de ler. Não é a opinião de um simples leigo, e sim o que o grande São
Vicente de Lérins já havia observado: a queda de um doutor é motivo de
provação para os fiéis, mas a nossa fidelidade é à doutrina da Igreja, a
qual é imutável ao longo dos séculos, e não às palavras de uma homem,
que podem mudar em alguns poucos anos. Não sobreponham sentimentos à
objetividade da defesa da Fé. Não fechem os olhos: a análise objetiva
das palavras de Dom Fellay e de seus assistentes diretos demonstra clara
e inegavelmente que eles se apartaram daquilo que a FSSPX sempre
defendeu. Pois, agora, ou eles acusam os outros bispos de enxergarem
“super-heresias” no Vaticano II, ou dizem que “muitos dos erros que nós
atribuíamos ao concílio, na realidade não são do concílio, mas sim do
seu entendimento comum”, ou ainda que a “liberdade religiosa da Dignitatis Humanae
é muito, muito limitada”, ou até mesmo que “rechaçar a oferta [de
acordo prático] de Bento XVI é cair no sedevacantismo”. Ora, quem é
capaz de dizer que estas afirmações não são tipicamente
neo-conservadoras? E, no entanto, saíram da boca de Dom Fellay e do Pe.
Niklaus Pfluger, seu primeiro assistente. Diante de tão grandes
evidências, ninguém pode negar a mudança de rumo que eles querem
imprimir à FSSPX. Não temos o direito de nos fazermos de cegos, surdos e
mudos, não temos o direito de negar uma verdade que se nos apresenta [grifo do Pale Ideas]. O
que fez a FSSPX tão temível aos inimigos da Igreja é exatamente a sua
firmeza contra os erros do Concílio em uma época em que todos os outros
se curvaram ao falso conceito de obediência. E, para continuar sendo
útil à Igreja, ela precisa continuar sendo intransigente com o erro,
como aliás, é dever de todo católico.
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