Mons.
Antônio de Castro Mayer, Bispo de Campos, publicou uma Carta Pastoral sobre
"A insídia da seita comunista". Ela é atual ainda hoje e pode ser
aplicada analogicamente à seita modernista. É isto o que procuraremos fazer no
presente artigo.
A INSÍDIA DO NEOCOMUNISMO E DO NEOMODERNISMO
A
colaboração entre católicos, comunistas
e modernistas é impossível
D. CURZIO NITOGLIA
30 de maio
de 2011
A armadilha comunista:
luta contra a miséria e a injustiça
Don Curzio Nitoglia |
Chamado modernista atual:
retorno à "Tradição"
• Assim, o
modernismo em aparência moderadamente progressista ("hermenêutica
da continuidade"), que jamais ocupou o ápice do ambiente católico e
eclesial, pede aos católicos fiéis à Tradição que ajam unidos a eles para
vencer o materialismo, o ateísmo e as forças paroxísticas do modernismo radical
("Hermenêutica da ruptura", 22 de dezembro de 2005). Alguns católicos
de boa-fé se deixam convencer da continuidade (que ao invés é verbal, mas não
real) e, agindo junto com os modernistas, realmente progressistas, ainda que
aparentemente moderados, acabam por se tornar alimentos deles, assim como
"o peixe menor é devorado pelo maior". Pois a agitação
filantrópico-humanitária, mascarada de conservadorismo religioso, oferecerá
aos modernistas, para os quais "o fim justifica os meios"
(Maquiavel), o ambiente ideal para a extensão de seu poder, por silenciarem
a voz do "grilo falante" representado pelos católicos fiéis.
Falsidade do humanismo comunista
e do imanentismo modernista
• Os
comunistas, de fato, não desejam a reparação dos males e das injustiças
sociais. O regime que exaltam é a mais terrível das tiranias, elevada a
sistema de governo. Desejam produzir um ambiente de luta, de exacerbação contra
toda e qualquer ordem. O seu fim imediato consiste em provocar a inquietude
social, a desunião dos espíritos. Não os perturba, de nenhum modo, a violação
da lei moral. Para eles não há lei moral [1]. Sobretudo, para eles é útil
suscitar e manter a luta de classe, luta de extermínio, sem nenhuma tentativa
de conciliação harmoniosa, como exigido pela Igreja. Na verdade, na História
do Partido Comunista da URSS, publicação soviética oficial, lê-se:
"Para não errar em política, é necessário ser um revolucionário. [...] é
necessário levar adiante uma política proletária intransigente, de classe, e
não uma política reformista de harmonia entre os interesses do proletariado e
os interesses da burguesia, não uma política de conciliação, de 'integração' do
capitalismo no socialismo" [2]. Na encíclica Divini
Redemptoris, por sua vez, Pio XI indica que o ideal a que visam
os esforços dos marxistas consiste em exarcebar a luta de classes [3].
• Assim
também, o modernismo aparentemente restaurador ("hermenêutica da
continuidade" nas palavras, mas não nos fatos) não quer "restaurar
tudo em Cristo" (São Pio X), não quer realmente retornar à Tradição apostólica,
mas procura sutilmente eliminar os últimos focos da resistência com a tática
dos "opostos extremismos": modernismo radical e tradicionalismo
antimodernista, para alcançar a evolução constante e permanente do dogma
através da coincidentia oppositorum.
A "seita secreta" comunista e a modernista
escondem do grande público a sua
verdadeira doutrina
• Hoje a
propaganda dos comunistas não apresenta ao grande público, de modo claro e
óbvio, nem a doutrina nem os objetivos. Ela o fez no início, mas de súbito
percebeu que assim afastava o povo do marxismo [4], de tão bestial que ele é em
sua essência. Portanto, a seita mudou de tática e procura atrair multidões
com vários enganos, escondendo os próprios projetos atrás de ideias que em si
são boas e atraentes [5]. Assim, os comunistas, sem renunciar a nenhum
ponto dos seus princípios perversos, convidam os católicos a colaborar com eles
no campo dito humanitário e caritativo, propondo às vezes coisas de todo
conformes ao espírito cristão e à doutrina da Igreja [6].
• Da mesma
forma, a propaganda da hermenêutica da continuidade se baseia no mais puro e
científico modernismo, qualificado por São Pio X de "clandestinum
foedus" ou seita secreta (Sacrotum Antistitum, 1º
setembro de 1910), não trabalha claramente pela mudança da doutrina
tradicional, mas o faz secretamente, ocultando-se atrás de palavras
de "continuidade com a Tradição", que são divergentes da realidade
dos fatos, para confundir as ideias dos católicos que realmente querem o
retorno à Tradição. Para dar um exemplo: o "motu proprio" Summorum
Pontificum, de 7 de julho de 2007, que declarou que a Missa tradiconal não
fora ab-rogada e não podia sê-lo, suscitou inicialmente muitas esperanças, que
foram frustradas pelo Decreto de 13 de maio de 2011 sobre a reta aplicação do
"motu proprio" de 2007, na medida em que declarou que só podem
celebrar livremente a Missa tradicional aqueles que não opuserem objeções à
ortodoxia do Novus Ordo Missae, objeções que foram feitas em 1969 pelos
Cardeais Alfredo Ottaviani e Antonio Bacci na "Carta de apresentação"
a Paulo VI do "Breve exame crítico do Novus Ordo Missae", os
quais ainda estão aguardando uma resposta, como recordava ainda há poucos anos
o Cardeal Alfonso Maria Stickel.
Colaborar com a campanha da seita marxista e da modernista
significa fazer o jogo lógico delas
• Isso
mostra que toda colaboração dada a uma campanha em que se empenham também os
comunistas – e ainda quando não se apresentam como tais – é uma colaboração que
se dá para a instauração do marxismo. O exemplo doloroso de Cuba no-lo ensina,
e a simples observação do modo de agir da seita nos convence. É necessário
distinguir, a este respeito, entre mútua colaboração e ocasional
convergência de esforços. É colaboração quando católicos e
comunistas, trabalhando pelo mesmo objetivo imediato, se ajudam uns aos outros,
ou, ao menos, escondem temporariamente o antagonismo de fundo e recíproco em
que se encontram. A colaboração sempre redunda em vantagem para os marxistas.
Pode acontecer, todavia, que os católicos iniciem determinada campanha, e que,
fortuitamente ou insidiosamente, os comunistas também se movam na mesma
direção. Pode dar-se, porém, como veremos depois, uma ocasional convergência
de esforços, que só poderá não redundar em vantagem para os comunistas se
os católicos se recusarem a acordar qualquer ação conjunta com eles, ou a
concluir com o comunismo um armistício, ainda que temporário. Os sequazes
de Marx trabalharão sempre e apenas em favor de sua causa. Se há um movimento
totalitário no mundo, no qual não se desperdice força alguma, no qual tudo,
absolutamente tudo, é calculado em função do fim que se tem em vista, é o
comunista. Assim, onde quer que haja uma ação dos comunistas, haverá um
interesse do comunismo, e é pueril tentar desviar-lhes a atividade, dado que um
comunista, enquanto permanece tal, nunca abandona o seu posto de batalha.
• O mesmo
vale quanto ao modernismo: tem-se colaboração quando católicos e
modernistas, trabalhando pelo mesmo objetivo imediato (aparente retorno à
Tradição), se ajudam uns aos outros, ou, ao menos, escondem temporariamente o
antagonismo de fundo ("o Concílio Vaticano II à luz da Tradição") e
recíproco em que se encontram. A colaboração redunda sempre em vantagem para os
modernistas. De modo contrário, pode acontecer, todavia, que os católicos
iniciem determinada campanha (a favor da restauração da Missa Tradicional), e
que, fortuitamente ou insidiosamente, também os modernistas se movam no mesmo
sentido ("indulto" de 1984 e "motu proprio" de 2007). Se,
porém, se der uma ocasional convergência de esforços, esta só poderá não
redundar em vantagem para os modernistas se os católicos se recusarem a
acordar qualquer ação com eles, ou a concluir com o modernismo um armistício,
ainda que temporário.
Pio XI
condenou qualquer colaboração com o marxismo (Divini Redemptoris, 19 de
março de 1937), e o mesmo vale com respeito ao modernismo, "cloaca que
recolhe todas as heresias" (São Pio X, Pascendi, 8 de setembro de
1907).
Também quando se propõem programas
conformes à doutrina católica tradicional
•
"Quando [os comunistas] também propõem coisas em tudo conformes ao
espírito cristão e à doutrina da Igeja", também nestes casos "não
se pode admitir em nenhum campo a colaboração com eles [o comunismo]" [7].
A proibição de Pio XI é categórica, e não admite exceção: é necessário que não
haja colaboração recíproca em nada – "nulla in re" – com esta seita
execrável. E a razão é que, quando os comunistas atraem com lisonjas os
católicos ao seu modo, isto é, com "coisas em tudo conformes ao espírito
cristão e à doutrina da Igreja", não fazem senão preparar uma armadilha,
como disse o Papa: procuram atrair multidões com vários enganos, escondendo
os próprios projetos atrás de ideias que em si são boas e atraentes! [8].
De todo este ensinamento de Pio XI se deduz que os fiéis que se unem aos
comunistas, para alcançar objetivos "completamente conformes ao
espírito cristão e a doutrina da Igreja", caem em uma emboscada e
colaboram para a instauração do comunismo no mundo. É o que fizeram João XXIII
e De Gasperi com a abertura da "Democracia Cristã" à esquerda.
• Diga-se o
mesmo com respeito ao modernismo: quando os modernistas atraem com lisonjas os
católicos ao seu modo, ou seja, com "coisas em tudo conformes ao espírito
cristão [tradicional] e à doutrina da Igreja", não fazem senão preparar
uma armadilha, porque, como disse o Papa, "procuram atrair multidões
com vários enganos, escondendo os próprios projetos atrás de ideias que em si
são boas e atraentes!". Portanto, os fiéis que se unem aos
modernistas, para alcançar objetivos "completamente conformes ao espírito
cristão e à doutrina da Igreja", caem em uma emboscada e colaboram para a
instauração do modernismo no mundo. Assim foi com o "o Concílio à luz da
Tradição" em 1979, com o "Indulto" de 1984, e a mesma coisa se
vem verificando explícita e abertamente desde maio de 2011 com o "motu
proprio" de 2007, que, conquanto entre muitas reservas, podia suscitar
alguma esperança, mas não ilusões. Diga-se o mesmo com respeito à hermenêutica
da continuidade, que apresenta tão somente de palavra o Vaticano II em
continuidade doutrinal com a Tradição Apostólica.
Conclusão
Mons.
Brunero Gherardini publicou um livro interessantíssimo intitulado Quaecumque
dixero Vobis. Palavra de Deus e Tradição em comparação com a história e a
teologia [Torino, Lindau 2011) [9].
• A
"razão de ser" deste livro é fundamental e atualíssima quanto à crise
que aflige ainda hoje o ambiente católico. O Autor desde o início do livro põe
a questão de se há continuidade real entre o Vaticano II e a Tradição
Apostólica e responde dizendo que "uma simples asserção afirmativa [de
continuidade] não tem em si valor apodíctico. Não basta afirmar, deve-se
demonstrar, e isto o próprio Vaticano II negligencia" (Quaecumque...,
p. 7). Em seguida, o autor se pergunta se as recentes "revisões [da
hermenêutica da continuidade afirmada mas não demonstrada] portam o sinal de uma
operação política [similar à da seita comunista sobre a qual escrevia em
1961 Mons. Antônio de Castro Mayer] devido à falta de apoio doutrinário [...],
porque à afirmação não corresponde a prova" (ibid., p. 8). O
Autor se propõe a resolver o problema e afirma que o caminho a seguir no
tratamento desta questão é determinar se os 16 documentos conciliares são
teologicamente fiéis in verbis et in factis à "divina Revelação,
que se encontra em sua fonte escrita e em sua fonte não escrita" (ibid.,
p. 9). Ele cita os vários discursos feitos por Ratzinger teólogo, bispo,
cardeal e Papa sobre a continuidade entre o Vaticano II e a Tradição, a
qual é o fio condutor de seu pensamento teológico: segundo ele, "defender
hoje a verdadeira Tradição da Igreja significa defender o Concílio [Vaticano
II]" [10], e ainda: "a defesa da Tradição é a defesa do
Concílio" [11]. O seu intento de sempre (em 1960 como em 2011) é
"promover o Vaticano II" (ibid., p. 11). "Palavra clara –
comenta Gherardini – para exprimir um pensamento tão claro: se queres
professar a secular Fé da Igreja, deves professar, ou basta que professes, a Fé
do Vaticano II" (ibid., p. 19). Gherardini continua: "Nenhum
Papa jamais falou tão frequentemente e tão insistentemente de Tradição como
o teólogo, bispo, cardeal e Papa Joseph Ratzinger" (idem). Porém a questão
é saber que coisa entende por "Tradição" Ratzinger. Na
verdade, também Hegel fala sempre de Deus, mas o seu não é o Deus pessoal e
transcendente, e sim o Pensamento Absoluto e imanente ao homem. Trata-se,
porventura, da Tradição Apostólica, da Fé e da doutrina de sempre? (ibid.,
p. 23). Em sua exposição, Gherardini demonstra claramente que Ratzinger repudia
não só o "radicalismo" de quem quer correr muito e corre o risco de
perder a máscara que serve para promover o Vaticano II, mostrando – em vez de
esconder – que ele está em ruptura com a Tradição Apostólica e por isso é
inaceitável. Ele rejeita também o "catolicismo integral", definido
como "só aparentemente católico, [e que ao contrário] na realidade
desnatura de modo o mais profundo as posições rigorosamente católicas"
[12].
• A
conclusão a que chega, então, Gherardini é que se fala de dois conceitos
diversos de Tradição: para Ratzinger a Tradição é o Vaticano II e
vice-versa; ele o afirma, não o demonstra, é uma petição de princípio, como
um cão que morde o próprio rabo. Para a doutrina católica a Tradição é o que
Jesus ou o Espírito Santo ensinaram aos Apóstolos e estes aos primeiros
Padres apostólicos e eclesiásticos, que a transmitiram, substancialmente
inalterada, até nós. Vejamo-lo juntos:
• Mons.
Gherardini resume e escreve: "Trata-se de duas doutrinas que, ainda
que deem a impressão de se encontrarem [...], percorrem caminhos diferentes
e se tornam duas doutrinas diferentes. [...]. Depois, há [no Vaticano II]
aquele nível que apresenta não poucas inovações, doutrinais ou não, que
nenhum jogo de palavras é capaz de reconduzir à Tradição divina,
divino-apostólica" (ibid., pp. 188-189). Em seguida o velho teólogo
confessa: "É-me difícil de fato compreender como nunca não se viu
que" se degrada "o branco em negro; e como a evidência de caminhos
tortos e de não poucas armadilhas rende cada vez mais enviando e acelerando o
passo para o perigo mortal?" (ibid., pp. 190-191). É evidente a
referência aos "leitores do Vaticano II à luz da Tradição", em
continuidade e não em ruptura com esta. O que é evidente para quem não quer
negar a evidência torna-se opinável e discutível para quem quer dialogar a
respeito do amargo fim e ler à luz da Tradição o que ao invés a subverte. O que
não se quer fazer é "uma mudança de rota" real e substancial, e
querem contentar-se com a simples e "superficial declaração" da
hermenêutica da continuidade (ibid., p. 191), que se tornou um
lugar-comum tão gritado quanto não provado. Então Mons. Gherardini nos
convida sabiamente a "não fechar os olhos para convencer-nos de que a
Tradição está contida inteiramente nos documentos do último Concílio", mas
a abri-los "para ver onde nele a continuidade se interrompe e em que
direção vão os seus próprios passos, para a recuperação do 'quod semper,
quod ubique, quod ab omnibus creditum est'" (ibid., p. 192).
• Atenção! A
insídia da seita secreta modernista é verdadeiramente semelhante à da seita
comunista. Para evitá-la, devemos pedir a Deus tenhamos ideias bem claras e
força de vontade para não ceder diante do labor certaminis e do orror
difficultatis. Na verdade, após cinquenta anos de luta contra um inimigo
ardiloso, astuto, insidioso e oculto, corre-se o risco de deixar-se levar e de
ceder à tentação: "haec omnia tibi dabo, si cadens adoraveris me".
Ab
insidiis diaboli, libera nos Domine! Infelizmente "o estúpido é o
cavalo do diabo". O problema maior se dá quando o estúpido é tomado por
raposa e tem o fim do frango. Em 1979 ("Concílio à luz da Tradição",
que convida ao diálogo); em 1984 ("indulto" doloso); em 2005
("Hermenêutica da continuidade", que reconvida ao diálogo); em
2007-2011 o "motu proprio" que traz de volta o "indulto
doloso" – nada disso lhes ensinou nada: eles continuam a querer conciliar
o inconciliável, a apertar a mão estendida, e como "o burro cinza" de
Carducci a seguir "todo barulho indigno de um olhar e a tentar séria e
lentamente assim continuar".
Fonte: doncurzionitoglia.com
Tradução:
Gederson Falcometa
___________________
Notas
(1) PIO
XI, Divini Redemptoris, 19-3-1937.
(2) G. Stalin, Storia del Partito Comunista
dell'Urss, Edizioni Servire il popolo, Milano 1970, pp. 119-201.
(3) Cf. Pio XI, Ibidem.
(4) Pio
XI, Ibidem.
(5) Pio XI, Ibidem
(6) Pio
XI, Ibidem.
(7) Pio
XI, Ibidem.
(8) Pio XI, Ibidem.
[9] 203 pagine,
18 euro, <www.lindau.it>, Corso Re Umberto, n° 37; 10128-Torino.
[10] J-Ratzinger/V. Messori, Rapporto
sulla Fede, Milano, San Paolo, 1985, p. 32.
[11] J-Ratzinger/V. Messori, Rapporto
sulla Fede, cit., p. 41.
[12] J-Ratzinger, Les principes de la
théologie catholique, Parigi, Téqui, 1985, p. 421.
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