Aspectos fundamentais da Concordata de 27 de Agosto de 1953, entre o Estado Espanhol e a Santa Sé
A Santa Sé Apostólica e o Estado espanhol, animados pelo desejo de
assegurar uma fecunda colaboração, com o objetivo dum maior bem para a vida
religiosa e civil da nação espanhola, determinaram estipular uma Concordata,
que resumindo os convénios anteriores e integrando-os, constitua a norma que
há-de regular as recíprocas relações das Altas partes contratantes, em
conformidade com a Lei de Deus e a tradição católica da Nação espanhola.
Artigo 1 - A religião Católica, Apostólica, Romana continua sendo a
única da Nação espanhola, e gozará dos direitos e prerrogativas que lhe
correspondem em conformidade com a Lei Divina e o Direito Canónico.
Art. 2
1- O Estado espanhol reconhece à Igreja Católica o
carácter de sociedade perfeita e garante-lhe o livre e pleno exercício do seu
poder espiritual, bem como da sua jurisdição, assim como o livre e público
exercício do culto.
2 - Em particular, a Santa Sé poderá livremente promulgar e publicar em
Espanha qualquer disposição relativa ao governo da Igreja e comunicar sem
impedimento com os prelados, o clero e os fiéis do país, da mesma forma que
estes poderão fazê-lo com a Santa Sé.
Gozarão das mesmas faculdades os Ordinários, bem como as outras
autoridades eclesiásticas, no que concerne ao seu clero e fiéis.
Art. 3
1- O Estado Espanhol reconhece a personalidade jurídica
internacional da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano.
2 - Para manter, na forma tradicional, as amistosas relações entre a
Santa Sé e o Estado espanhol, continuarão permanentemente acreditados um
embaixador da Espanha junto da Santa Sé e um Núncio Apostólico em Madrid. Este será o
decano do Corpo diplomático, nos termos do direito consuetudinário.
Art. 4
1- O Estado espanhol reconhece a personalidade jurídica
bem como a plena capacidade de adquirir possuir e administrar toda a espécie de
bens a todas as instituições e associações religiosas existentes em Espanha à
data da entrada em vigor da Concordata, e que estiverem constituídas em
harmonia com o Direito Canónico; particularmente as dioceses com as suas
instituições anexas, as paróquias, as Ordens e Congregações religiosas, as
sociedades de vida em comum, bem com os Institutos seculares de perfeição
cristã canonicamente reconhecidos, se de Direito Pontifício ou de Direito
diocesano, as suas províncias e as suas casas.
Art. 5- O Estado espanhol terá por festivos os dias estabelecidos como
tais pela Santa Igreja no Código de Direito Canónico, ou noutras disposições
particulares sobre festividades locais, e outorgará, em sua legislação, as
facilidades necessárias para que os fiéis possam cumprir nesses dias os seus
deveres religiosos.
As autoridades civis, tanto nacionais como locais, velarão pela devida
observância do descanso nos dias festivos.
Art. 6 - Conforme às concessões dos Sumos Pontífices São Pio V e
Gregório XIII, os sacerdotes espanhóis elevarão diariamente preces pela Espanha
e pelo chefe do Estado, segundo a fórmula tradicional e as prescrições da
Sagrada Liturgia.
Art. 7 - Para a nomeação dos arcebispos e bispos residenciais bem como
os coadjutores com direito a sucessão, continuarão em vigor as normas do acordo
estipulado entre a Santa Sé e o governo espanhol em 07 de Junho de 1941.
Art. 14 - Os clérigos e os religiosos não estarão obrigados a assumir
cargos públicos ou funções os quais, segundo as normas do Direito Canónico,
sejam incompatíveis com o seu estado.
Para ocupar empregos ou cargos públicos necessitam do "nihil
obstat" do seu Ordinário próprio, bem como do Ordinário do lugar onde
houverem de desempenhar a sua atividade. Revogado o "nihil obstat,"
não poderão continuar a exercê-los.
Art. 15 - Os clérigos e religiosos, sejam estes professos ou noviços,
estão isentos do serviço militar, conformemente aos cânones 121 e 614 do
Direito Canónico.
Art. 16
1 - Os prelados mencionados no número 2 do Canon 120 do Código de
Direito Canónico não poderão ser citados perante um juiz leigo sem que
previamente se tenha obtido a licença da Santa Sé Apostólica.
2 - A Santa Sé consente em que as causas contenciosas sobre bens ou
direitos temporais, nas quais forem acionados clérigos ou religiosos, sejam
tramitadas perante os Tribunais do Estado, com notificação prévia ao Ordinário
do lugar em que se instrui o processo, ao qual deverão também ser comunicadas
pontualmente as correspondentes sentenças e decisões.
3 - O Estado reconhece e respeita a competência privativa dos Tribunais
da Igreja naqueles delitos que exclusivamente violam uma lei eclesiástica,
conforme ao Canon 2198 do Código de Direito Canónico.
Contra as sentenças destes Tribunais não procederá recurso algum perante
as autoridades civis.
4 - A Santa Sé consente em que as causas criminais contra os clérigos ou
religiosos, para os outros delitos previstos pelas leis penais do Estado, sejam
julgadas pelos Tribunais do Estado.
Contudo, a autoridade judicial, antes de proceder, deverá solicitar, sem
prejuízo das providências cautelares aplicáveis, e com a devida reserva, o
consentimento do Ordinário do lugar em que se instrui o processo.
No caso em que este, por graves motivos, se creia no dever de negar esse
consentimento, deverá comunicá-lo por escrito à autoridade competente.
O processo desenvolver-se-á com as necessárias cautelas para evitar toda
a publicidade.
O resultado da instrução, assim como a sentença definitiva do processo,
tanto em primeira como ulterior instância, deverão ser diligentemente
notificados ao Ordinário do lugar acima mencionado.
- Em caso de detenção ou prisão, os clérigos e religiosos serão tratados
com as considerações devidas ao seu estado e grau hierárquico.
As penas de privação de liberdade serão cumpridas numa casa eclesiástica
ou religiosa, que a juízo do Ordinário do lugar e da autoridade judicial do
Estado, ofereça as convenientes garantias; ou pelo menos, em locais distintos
dos destinados a leigos, a não ser que a competente autoridade eclesiástica
tenha reduzido o condenado ao estado laical.
- Em caso de decretar-se embargo judicial de bens, deixar-se-á aos
eclesiásticos o que seja necessário para a sua honesta sustentação e o decoro
do seu estado, ficando de pé, contudo, a obrigação de pagar quanto antes aos
seus credores.
- Os clérigos e os religiosos poderão ser citados como testemunhas perante
os Tribunais do Estado; contudo se se tratar de juízos criminais por delitos
cominados pela Lei com penas graves, deverá solicitar-se a licença do Ordinário
do lugar em que se instrui o processo.
Todavia, em nenhum caso poderão ser requeridos pelos magistrados, nem
por outras autoridades, para ministrarem informações sobre pessoas ou matérias
de que hajam obtido conhecimento por virtude das suas funções sagradas.
Art. 17- O uso do hábito eclesiástico ou religioso por parte
de leigos ou por clérigos ou religiosos a quem tal tenha sido vedado por
decisão firme das autoridades eclesiásticas competentes, está proibido e será
castigado, uma vez comunicada oficialmente ao governo, com as mesmas sanções e
penas que se aplicam aos que indevidamente usam o uniforme militar.
Art. 18- A Igreja pode reclamar livremente dos fiéis as prestações
autorizadas pelo Direito Canónico, organizar coletas e receber somas e bens,
móveis e imóveis, para a prossecução dos seus próprios fins.
Art. 19
- A Igreja e o Estado estudarão, de comum acordo, a criação dum adequado
património eclesiástico que assegure uma conveniente dotação do culto e do
clero. 2-Entretanto, o Estado, a título dê indemnização pelas passadas
desamortizações de bens eclesiásticos e como contribuição em favor da obra da
Igreja em prol da Nação, assinar-lhe-á anualmente uma adequada dotação. Esta compreenderá,
particularmente, as consignações correspondentes aos Arcebispos e Bispos
diocesanos, os Coadjutores, auxiliares, Vigários gerais, Cabidos Catedralícios
e das Colegiadas, o clero paroquial, assim como todas as atribuições em favor
dos Seminários e Universidades eclesiásticas e para o exercício do culto.
No que se refere à dotação de benefícios não consistoriais, bem como às
subvenções para os Seminários e Universidades eclesiásticas, continuarão em
vigor as normas fixadas nos respectivos acordos de 16 de Julho e 08 de Setembro
de 1946.
O Estado, fiel à Tradição nacional, concederá anualmente subvenções para
a construção e conservação de Templos paroquiais e reitorais, bem como
Seminários; o fomento das Ordens, Congregações e Institutos eclesiásticos
consagrados à atividade missionária e o cuidado dos Mosteiros de relevante
valor histórico em Espanha, assim como para auxiliar no sustento do Colégio
Espanhol de São José e da igreja e residência espanholas de Montserrat, em
Roma.
O Estado prestará a sua colaboração à Igreja para criar e financiar
instituições assistenciais em favor do clero ancião, enfermo ou inválido.
Igualmente assinará uma adequada pensão aos Prelados residenciais, que por
razões de idade ou saúde se retirem do cargo.
Art. 20
- Gozarão de isenção de impostos e contribuições de índole estatal ou
local:
As igrejas e capelas destinadas ao culto, e, outrossim, os edifícios e
locais anexos destinados ao seu serviço ou a sede de associações católicas;
A residência dos Bispos, dos cónegos e dos sacerdotes com cura de almas,
sempre que o imóvel seja propriedade da Igreja;
Os locais destinados a oficinas da Cúria Diocesana, bem como a oficinas
paroquiais;
As Universidades eclesiásticas e os Seminários destinados à formação do
clero;
As casas das Ordens, Congregações e Institutos religiosos e seculares
canonicamente estabelecidos em Espanha;
Os Colégios e outros centros de ensino dependentes da hierarquia eclesiástica
que possuam a condição de benéfico-docentes.
Estão compreendidos nesta isenção os passais, jardins e dependências
pertencentes aos imóveis acima mencionados, sempre que não estejam destinados a
indústria ou a qualquer outro uso de carácter lucrativo.
Art. 22
1 - Fica garantida a inviolabilidade das igrejas, capelas, cemitérios e
restantes lugares sagrados, segundo prescreve o Canon 1160 do Código de Direito
Canónico.
- Fica igualmente garantida a inviolabilidade dos Palácios e Cúrias
episcopais, dos Seminários, das casas e despachos paroquiais e reitorais, bem
como das casas religiosas canonicamente estabelecidas.
- Salvo em caso de urgente necessidade, a força pública não poderá
entrar nos referidos edifícios, para o exercício das suas funções, sem o consentimento
da competente autoridade eclesiástica.
- Se por grave necessidade pública, particularmente em tempo de guerra,
fosse necessário ocupar alguns destes edifícios, dever-se-á previamente obter o
acordo do Ordinário competente.
- Estes edifícios não poderão ser demolidos sem o acordo do Ordinário
competente, salvo em caso de absoluta urgência, como por motivo de guerra,
incêndio ou inundação.
- Em caso de expropriação por utilidade pública, será sempre previamente
ouvida a autoridade eclesiástica competente, incluso no que se refere ao valor
da indemnização. Não se procederá a nenhum ato de expropriação sem que aos bens
a expropriar, quando seja o caso, lhes seja retirado o seu carácter sagrado.
Art. 23 O Estado Espanhol reconhece plenos efeitos civis ao matrimónio
celebrado segundo as normas do Direito Canónico.
Art. 24
1- O Estado Espanhol reconhece a competência exclusiva dos Tribunais e
Dicastérios eclesiásticos nas causas referentes à nulidade do matrimónio
canónico bem como da separação dos cônjuges, na dispensa do matrimónio rato e
não consumado e no procedimento relativo ao Privilégio Paulino.
- Introduzida e admitida perante o Tribunal eclesiástico uma demanda de
separação ou de nulidade, corresponde ao Tribunal civil determinar, perante a
solicitação da parte interessada, as normas e medidas cautelares que regulem os
efeitos civis relacionados com o processo pendente.
- As sentenças e resoluções de que se trate, quando sejam firmes e
executivas, serão comunicadas pelo Tribunal eclesiástico ao competente Tribunal
civil, o qual decretará o necessário para a sua execução, no que concerne a
efeitos civis, e ordenará - quando se trate de nulidade, de dispensa « super
rato» (matrimónio rato e não consumado) ou aplicação do Privilégio Paulino- que
sejam anotadas no registo do estado civil à margem das atas do matrimónio.
- Em geral, todas as sentenças, decisões em via administrativa e
decretos emanados das autoridades eclesiásticas, em qualquer matéria dentro do
âmbito da sua competência, possuirão também efeitos na ordem civil, quando
tiverem sido comunicados às competentes autoridades do Estado, as quais
prestarão igualmente o apoio necessário para a sua execução.
Art. 25
- A Santa Sede confirma o privilégio concedido a Espanha de que sejam
conhecidas e decididas determinadas causas perante o Tribunal da Rota da
Nunciatura Apostólica, conforme o « Motu próprio » Pontifício de 07 de Abril de
1947, o qual restabelece o referido Tribunal.
- Sempre integrarão o Tribunal da Sagrada Rota Romana dois auditores de
nacionalidade espanhola, os quais ocuparão as cátedras tradicionais de Aragão e
Castela.
- Na regulamentação jurídica do matrimónio para os não batizados não se
estabelecerão impedimentos opostos à Lei natural.
Art. 26 - Em todos os centros docentes, de qualquer ordem ou grau, sejam
estatais ou não, o magistério ajustar- se-á aos princípios do Dogma e da Moral
da Igreja Católica.
Os Ordinários exercerão livremente a sua Missão de vigilância sobre
estes centros docentes no que concerne à pureza da Fé, aos bons costumes, e à
educação religiosa.
Os Ordinários podem exigir que não sejam permitidos, ou que sejam
retirados os livros, publicações e material de ensino contrários ao Dogma e à
Moral Católica.
Breves Comentários
Contrariamente ao que em geral sucede (como por exemplo: acordos de
Latrão com a Itália em 1929, e Concordata com Portugal em 1940) esta Concordata
de 1953 foi assinada de boa fé por parte do poder civil; efetivamente o
governo espanhol nutria sinceros propósitos de reconstituição católica da sua
Pátria, após mais de um século de liberalismo corruptor. Na realidade as
autoridades espanholas sabiam que de nada serve combater o comunismo se não se
açoitar simultaneamente o liberalismo- o qual atua pela sedução.
Ao reconhecer a Santa Madre Igreja como SOCIEDADE PERFEITA, o Estado
espanhol reconhece a sua (dele) legítima autoridade temporal como
essencialmente submetida à soberania de Nosso Senhor Jesus Cristo,
consubstanciando formalmente essa hierarquização ao proclamar constitucionalmente
a Santa Igreja como uma AUTORIDADE DE DIREITO PÚBLICO.
Consagrando o Direito Canónico como o único aplicável ao matrimónio
entre batizados, a Concordata estatuía que não só aos católicos era vedado
escolher qualquer outra forma jurídica para o seu enlace, (e a recepção do
baptismo gozava da presunção de Direito) como também que os matrimónios entre
não batizados (outros sim intrinsecamente indissolúveis) se não podiam furtar
aos princípios gerais da Teologia Católica.
No que concerne ao Magistério público e particular tinha ele de se
CONFORMAR POSITIVAMENTE, em todas as matérias, com o Dogma e a Moral Católicas.
Analogamente, todos os órgãos de comunicação social eram obrigados a esta
prestação positiva. E eram proibidas todas as manifestações públicas de
carácter não católico.
Desgraçadamente o espírito e a letra desta Concordata foram radicalmente
desautorizados pelo Concílio Vaticano II. Ainda em 1967 (Franco faleceu em 20/11/1975)
foi autorizado o culto público não católico, embora mantida a confessionalidade
do Estado, a qual só foi abolida pela Constituição de 1978.
Fonte: Revista “Semper” – Priorado da FSSPX em Lisboa, Portugal.
Revisão: Giulia d'Amore di Ugento
Revisão: Giulia d'Amore di Ugento
NdRª.: Francisco Paulino Hermenegildo Teódulo Franco y Bahamonde (1892-1975) foi um militar, chefe-de-estado, ditador espanhol, Regente do Reino de Espanha desde outubro de 1939 até sua morte, em 1975. Com seu próprio nome, em 1922 editou o livro (despretensiosamente verídico) o «Diario de una bandera». Com o pseudónimo de Jaime de Andrade, escreveu a novela «Raza», que em 1942 inspirou o filme com o mesmo título. Também com pseudónimo, só que de Jakim Boor, publicou uma serie de artigos antimaçónicos e antissemitas no boletim da Falange, o diário «Arriba», publicados todos eles mais tarde no livro «Masonería».