Santo Afonso Maria de Ligório
(27/09/1696 - 02/08/1787)
Bispo de Santa Àgata
Confessor
Doutor Zelosíssimo da Igreja
Fundador dos Missionários Redentoristas
(27/09/1696 - 02/08/1787)
Bispo de Santa Àgata
Confessor
Doutor Zelosíssimo da Igreja
Fundador dos Missionários Redentoristas
A Selva
PRIMEIRA PARTE - MATERIAIS PARA OS SERMÕES
O fim do Sacerdócio
I - O Sacerdócio, aos olhos dos santos, é um encargo terrível
Dizia S. Clemente de Alexandria que os que estavam verdadeiramente animados do Espírito de Deus, se encontravam possuídos de temor ao receberem o sacerdócio, como um homem que treme à vista dum fardo enorme, que lhe vão lançar sobre os ombros, com perigo de ele ficar esmagado 72.
Santo Efrém nos diz que não encontrava ninguém que quisesse ser ordenado de presbítero ( Ep. ad Joan. hieros.). Um concílio de Cartago decretou que os que fossem julgados dignos do sacerdócio e o recusassem, podiam ser obrigados a deixar-se ordenar. “Ninguém, dizia S. Gregório de Nazianzo, recebe de boa vontade o sacerdócio” 73. Refere o diácono Pôncio que S. Cipriano, ao saber que o queriam ordenar sacerdote, correra a esconder-se por humildade:Humiliter secessit (Vita S. Cypr.). O mesmo fez, por igual motivo, S.Fulgêncio. Prevendo que ia ser eleito, correu a esconder-se num lugar desconhecido 74.
Refere Sozomeno que também Sto.Atanásio fugira para não ser elevado ao sacerdócio. Santo Ambrósio fez grandes resistências, como ele próprio afirma 75. S.Gregório procurou disfarçar-se em trajo de negociante para escapar à ordenação, apesar de Deus ter mostrado por milagres que o chamava à ordenação.
Para não ser ordenado, Sto. Efrém se apresentou como insensato e S.Marco cortou o dedo polegar. O mesmo motivo levou Sto. Amon a cortar as orelhas e o nariz; e, como apesar disso o povo insistia em o fazer ordenar, fez-lhe a ameaça de cortar também a língua; então cessaram de o perseguir.É sabido que S.Francisco, ordenado diácono, não quis receber o presbiterato, porque uma visão lhe tinha revelado que a alma do padre deve ser pura como a água, que lhe fora mostrada num vaso de cristal. Do mesmo modo o abade Teodoro não era senão diácono, e todavia nunca quis exercer as funções da sua Ordem, porque um dia ao fazer a oração viu uma coluna de fogo e foi-lhe dito: “Se tens o coração inflamado como esta chama, então exerce a tua Ordem”. O abade Motuès era sacerdote, mas não quis celebrar, porque se julgava indigno disso.
Antigamente, entre os monges, cuja vida era tão austera, poucos se encontravam que fossem sacerdotes. Aos olhos deles, aspirar ao sacerdócio era presunção. Por isso S. Basílio, querendo experimentar a obediência dum monge, mandou-lhe que pedisse publicamente o presbiterato; o que foi olhado como um ato de obediência; porque, fazendo um tal pedido, o religioso expunha-se a passar por um grande orgulhoso.
Mas, enquanto os santos, que só vivem para Deus, têm tanta repugnância em receber as Ordens e se crêem indignos delas, — como é que tantos correm às cegas para o sacerdócio e não descansam até que lá cheguem, por caminhos direitos ou tortos? Ai, exclama S. Bernardo, esses são para lamentar; porque, para eles, o estarem no número dos sacerdotes será o mesmo que estarem inscritos na lista dos condenados!
Porquê? Porque de todos esses padres apenas haverá algum que tenha sido chamado por Deus. O que os impediu para o santuário foi o interesse, a ambição, a influência dos pais, e assim não se ordenam para o fim que o sacerdote deve ter em vista, mas para os fins perversos do mundo. Por isso os povos permanecem ao abandono e a Igreja desonrada. Tantas almas se perdem, ao mesmo tempo que tais padres se afundam na ignomínia!
II - O fim do sacerdócio
Quer Deus que todos os homens cheguem a salvar-se, mas nem todos pelos mesmos caminhos: assim como no Céu há diversos graus de glória, também na terra há diversos estados, que assinalam outros tantos caminhos diferentes para ir para o Céu. Entre esses estados, o mais nobre, o mais sublime, que se pode chamar o estado por excelência, é o estado sacerdotal, em razão dos fins altíssimos para que foi estabelecido.
Quais esses fins? Só celebrar missa, recitar o ofício, e viver depois como os seculares? Não, por certo; o fim que Deus se propôs foi estabelecer na terra pessoas públicas, encarregadas de tudo quanto respeita à honra da sua divina majestade e à salvação das almas 76: Porque todo o Pontífice, escolhido dentre os homens, é estabelecido o favor dos homens, para exercer as funções do culto para com Deus, e oferecer dons e sacrifícios pelos pecados; deve saber compadecer-se dos que pecam por ignorância 77. Assim fala S. Paulo, e o Sábio diz de Aarão que ele fora escolhido, para desempenhar funções sacerdotais e louvor ao nome de Deus 78. Foi assim que o cardeal Hugues aplicou as palavras: Habere laudem. E Cornélio A-Lápide ajunta: Assim como o ofício dos anjos é louvar incessantemente a Deus no Céu, assim o dos sacerdotes é louvá-lo constantemente na terra 79.
Estabeleceu Jesus Cristo os padres como cooperadores seus para glória de seu eterno Pai e salvação das almas; por isso ao subir ao Céu declarou que os deixava em seu lugar, para continuarem a obra da redenção, que tinha empreendido e consumado. Conforme a expressão de Sto. Ambrósio 80, assim que os constituiu delegados do seu amor. O Salvador disse a seus discípulos: Conforme meu Pai me enviou, assim Eu vos envio a vós 81; deixo-vos, para que façais o que eu próprio vim fazer à terra, isto é, para que manifesteis aos homens o nome de meu Pai.
Dirigindo-se a seu Padre eterno, tinha Ele dito: Glorifiquei-vos na terra; a minha obra está consumada... fiz conhecer o vosso nome aos homens 82.
Depois tinha orado pelos seus sacerdotes nestes termos: Confiei-lhes a vossa palavra... Santificai-os na verdade!... Assim como vós me enviastes ao mundo, assim Eu os enviei 83. Portanto os padres estão colocados neste mundo para fazerem conhecer a Deus: as suas perfeições, a sua justiça, a sua misericórdia, os seus preceitos, e para lhe conciliarem o respeito, obediência e amor que lhe são devidos. Estão encarregados de procurar as ovelhas desgarradas, e dar a vida por elas, se necessário for. Tal o fim para que Jesus Cristo veio à terra, e instituiu os sacerdotes 84.
III - Principais deveres do padre
O próprio Jesus Cristo diz que viera ao mundo para acender o fogo do amor divino 85. Eis ao que o padre deve consagrar toda a sua vida e todas as suas forças. Não tem que trabalhar em adquirir tesouros, honras e bens terrenos, mas unicamente em ver a Deus amado de todos os homens. Somos chamadas por Jesus Cristo, diz o autor da Obra imperfeita, não a procurar os nossos próprios interesses, mas a glória de Deus... O amor verdadeiro não se procura a si próprio; deseja em tudo andar à vontade do amado 86. Na antiga Lei disse o Senhor: Separei vos de todos os povos, para que fôsseis meus 87. Considerai estas palavras como dirigidas aos padres: Para que sejais meus, inteiramente aplicados aos meus louvores, ao meu serviço e ao meu amor; e, segundo S. Pedro Damião, para que sejais os cooperadores e dispensadores dos meus sacramentos 88; e segundo Sto Ambrósio: Para serdes os guias e pastores do rebanho de Jesus Cristo 89. Acrescenta o santo Doutor que o ministro dos altares não é mais seu mas de Deus 90. O próprio Senhor diz que separa dos outros homens os padres, para os ter inteiramente unidos a si 91.
O divino Mestre disse: Se alguém me está associado, que me siga; = Si quis mihi ministrat, me sequatur (Jo. 12, 26). Para seguir a Jesus Cristo, deve o padre fugir do mundo, socorrer as almas, fazer amar a Deus, declarar guerra ao pecado. Deve olhar como feitas a si as injúrias contra Deus: Caíram sobre mim os ultrajes dos que vos ofendem 92. Entregues aos negócios do mundo, não podem os leigos render a Deus o tributo de homenagem e reconhecimento que lhe é devido; por isso, diz um sábio autor, o Pe. Frassen, é necessário escolher dentre os outros homens alguns que, pelo seu próprio estado, sejam obrigados a prestar ao Senhor a honra que lhe pertence 93.
Em todas as cortes dos soberanos, há ministros encarregados de fazer observar as leis, remover os escândalos, reprimir os sediciosos e defender a honra do rei. Foi para os mesmos fins que o Senhor estabeleceu os sacerdotes: são oficiais da sua corte. Isto fez dizer a S. Paulo: Mostremo-nos verdadeiros ministros de Deus 94. Estão os ministros sempre atentos a conciliar ao seu soberano o respeito que lhe é devido, e engrandecer a sua glória. Falam dele com veneração; se alguém o censura, logo o defendem com zelo; procuram adivinhar-lhe os desejos, e até expõem a vida para lhe agradar.
É assim que procedem os padres para com Deus? Não há dúvida que são ministros seus; é pelas suas mãos que passam e são tratados os negócios que interessam à sua glória. É por intermédio deles que devem ser tirados do mundo os pecados, — fim para que Jesus Cristo quis morrer, diz S. Paulo 95. Mas, no dia do juízo, como serão reconhecidos por verdadeiros ministros de Jesus Cristo esses padres que, longe de impedirem os pecados dos outros, eles próprios são os primeiros a conjurar-se contra Jesus Cristo?Que se diria dum ministro que se recusasse a vigiar pelos interesses do seu rei, e se afastasse quando ele reclamasse o seu serviço? É que se diria se este ministro falasse até contra o rei, e conspirasse para o destronar, coligando-se com os seus inimigos?
Segundo o Apóstolo, são os sacerdotes embaixadores de Deus 96; são os cooperadores de Deus na salvação das almas 97. Deu-lhes Jesus Cristo o Espírito Santo, para que possam salvar as almas, absolvendo-as dos pecados 98.
Donde conclui o teólogo Habert que o espírito sacerdotal consiste essencialmente num zelo ardente, primeiro pela glória de Deus, e depois pela salvação das almas 99.
Não tem pois o padre que se ocupar das coisas do mundo, mas unicamente dos interesses de Deus: = Constituitur in iis quae sunt ad Deum ( Hebr.5, 1). Por esta razão, quis S. Silvestre que, para os eclesiásticos, os dias da semana tivessem o nome de Férias, que quer dizer dias feriados, em que não se cuida dos trabalhos ordinários 100. Assim nos adverte que nós os padres nos devemos empregar exclusivamente em servir a Deus e ganhar-lhe almas, ocupação que S. Dionísio Areopagita chama o mais divino dos ministérios:“Será perfeito o sacerdote se imitar a Deus, se se fizer cooperador de Deus, que é a mais divina de todas as ocupações” 101.
Segundo Sto. Antonino 102, sacerdos significa sacra docens; e segundo Honório d’Autun 103, presbyter significa praebens iter. Assim, Sto. Ambrósio dá aos padres o título de guias e pastores do rebanho de Jesus Cristo 104. Por S.Pedro é chamado o clero um sacerdócio real, uma nação santa, um povo de conquista 105, povo destinado a conquistar, — o quê? Almas e não riquezas, conforme a reflexão de Sto. Ambrósio. Os próprios pagãos não queriam que os seus sacerdotes se ocupassem senão do culto dos seus deuses; por isso lhes era vedado o exercício de qualquer magistratura 106.
Este pensamento fazia gemer S. Gregório, que dizia, falando dos padres: “Devemos pôr de parte todos os negócios da terra, para só nos darmos à causa de Deus; mas procedemos ao contrário: deixamos a causa de Deus e só vivemos para os interesses terrenos” 107. Moisés, estabelecido por Deus para só cuidar das coisas da sua glória, aplicava-se a decidir pleitos, mas Jetro advertiu-o e disse-lhe: Estás a gastar-te loucamente; deixa esse trabalho para cuidares do povo e das coisas relativas a Deus 108.
Que diria Jetro se visse os nossos padres feitos negociantes, servos dos seculares, medianeiros de casamentos, e sem se importarem das obras de Deus? Se os tivesse visto, como observa S. Próspero, empenhados em se fazerem ricos, mas não melhores; em adquirirem mais honras, mas não mais santidade? 109
Ó, exclamava a este respeito o venerável João de Ávila, que abuso subordinaro Céu à terra! Que miséria, ajunta S. Gregório, ver tantos padres que procuram adquirir, não os merecimentos duma vida virtuosa, mas as vantagens da vida presente! 110 É porque, nas funções do seu ministério, não intentam a glória de Deus, mas somente o lucro que auferem delas, diz Sto.Isodoro de Pelusa 111.
Dizia S. Clemente de Alexandria que os que estavam verdadeiramente animados do Espírito de Deus, se encontravam possuídos de temor ao receberem o sacerdócio, como um homem que treme à vista dum fardo enorme, que lhe vão lançar sobre os ombros, com perigo de ele ficar esmagado 72.
Santo Efrém nos diz que não encontrava ninguém que quisesse ser ordenado de presbítero ( Ep. ad Joan. hieros.). Um concílio de Cartago decretou que os que fossem julgados dignos do sacerdócio e o recusassem, podiam ser obrigados a deixar-se ordenar. “Ninguém, dizia S. Gregório de Nazianzo, recebe de boa vontade o sacerdócio” 73. Refere o diácono Pôncio que S. Cipriano, ao saber que o queriam ordenar sacerdote, correra a esconder-se por humildade:Humiliter secessit (Vita S. Cypr.). O mesmo fez, por igual motivo, S.Fulgêncio. Prevendo que ia ser eleito, correu a esconder-se num lugar desconhecido 74.
Refere Sozomeno que também Sto.Atanásio fugira para não ser elevado ao sacerdócio. Santo Ambrósio fez grandes resistências, como ele próprio afirma 75. S.Gregório procurou disfarçar-se em trajo de negociante para escapar à ordenação, apesar de Deus ter mostrado por milagres que o chamava à ordenação.
Para não ser ordenado, Sto. Efrém se apresentou como insensato e S.Marco cortou o dedo polegar. O mesmo motivo levou Sto. Amon a cortar as orelhas e o nariz; e, como apesar disso o povo insistia em o fazer ordenar, fez-lhe a ameaça de cortar também a língua; então cessaram de o perseguir.É sabido que S.Francisco, ordenado diácono, não quis receber o presbiterato, porque uma visão lhe tinha revelado que a alma do padre deve ser pura como a água, que lhe fora mostrada num vaso de cristal. Do mesmo modo o abade Teodoro não era senão diácono, e todavia nunca quis exercer as funções da sua Ordem, porque um dia ao fazer a oração viu uma coluna de fogo e foi-lhe dito: “Se tens o coração inflamado como esta chama, então exerce a tua Ordem”. O abade Motuès era sacerdote, mas não quis celebrar, porque se julgava indigno disso.
Antigamente, entre os monges, cuja vida era tão austera, poucos se encontravam que fossem sacerdotes. Aos olhos deles, aspirar ao sacerdócio era presunção. Por isso S. Basílio, querendo experimentar a obediência dum monge, mandou-lhe que pedisse publicamente o presbiterato; o que foi olhado como um ato de obediência; porque, fazendo um tal pedido, o religioso expunha-se a passar por um grande orgulhoso.
Mas, enquanto os santos, que só vivem para Deus, têm tanta repugnância em receber as Ordens e se crêem indignos delas, — como é que tantos correm às cegas para o sacerdócio e não descansam até que lá cheguem, por caminhos direitos ou tortos? Ai, exclama S. Bernardo, esses são para lamentar; porque, para eles, o estarem no número dos sacerdotes será o mesmo que estarem inscritos na lista dos condenados!
Porquê? Porque de todos esses padres apenas haverá algum que tenha sido chamado por Deus. O que os impediu para o santuário foi o interesse, a ambição, a influência dos pais, e assim não se ordenam para o fim que o sacerdote deve ter em vista, mas para os fins perversos do mundo. Por isso os povos permanecem ao abandono e a Igreja desonrada. Tantas almas se perdem, ao mesmo tempo que tais padres se afundam na ignomínia!
II - O fim do sacerdócio
Quer Deus que todos os homens cheguem a salvar-se, mas nem todos pelos mesmos caminhos: assim como no Céu há diversos graus de glória, também na terra há diversos estados, que assinalam outros tantos caminhos diferentes para ir para o Céu. Entre esses estados, o mais nobre, o mais sublime, que se pode chamar o estado por excelência, é o estado sacerdotal, em razão dos fins altíssimos para que foi estabelecido.
Quais esses fins? Só celebrar missa, recitar o ofício, e viver depois como os seculares? Não, por certo; o fim que Deus se propôs foi estabelecer na terra pessoas públicas, encarregadas de tudo quanto respeita à honra da sua divina majestade e à salvação das almas 76: Porque todo o Pontífice, escolhido dentre os homens, é estabelecido o favor dos homens, para exercer as funções do culto para com Deus, e oferecer dons e sacrifícios pelos pecados; deve saber compadecer-se dos que pecam por ignorância 77. Assim fala S. Paulo, e o Sábio diz de Aarão que ele fora escolhido, para desempenhar funções sacerdotais e louvor ao nome de Deus 78. Foi assim que o cardeal Hugues aplicou as palavras: Habere laudem. E Cornélio A-Lápide ajunta: Assim como o ofício dos anjos é louvar incessantemente a Deus no Céu, assim o dos sacerdotes é louvá-lo constantemente na terra 79.
Estabeleceu Jesus Cristo os padres como cooperadores seus para glória de seu eterno Pai e salvação das almas; por isso ao subir ao Céu declarou que os deixava em seu lugar, para continuarem a obra da redenção, que tinha empreendido e consumado. Conforme a expressão de Sto. Ambrósio 80, assim que os constituiu delegados do seu amor. O Salvador disse a seus discípulos: Conforme meu Pai me enviou, assim Eu vos envio a vós 81; deixo-vos, para que façais o que eu próprio vim fazer à terra, isto é, para que manifesteis aos homens o nome de meu Pai.
Dirigindo-se a seu Padre eterno, tinha Ele dito: Glorifiquei-vos na terra; a minha obra está consumada... fiz conhecer o vosso nome aos homens 82.
Depois tinha orado pelos seus sacerdotes nestes termos: Confiei-lhes a vossa palavra... Santificai-os na verdade!... Assim como vós me enviastes ao mundo, assim Eu os enviei 83. Portanto os padres estão colocados neste mundo para fazerem conhecer a Deus: as suas perfeições, a sua justiça, a sua misericórdia, os seus preceitos, e para lhe conciliarem o respeito, obediência e amor que lhe são devidos. Estão encarregados de procurar as ovelhas desgarradas, e dar a vida por elas, se necessário for. Tal o fim para que Jesus Cristo veio à terra, e instituiu os sacerdotes 84.
III - Principais deveres do padre
O próprio Jesus Cristo diz que viera ao mundo para acender o fogo do amor divino 85. Eis ao que o padre deve consagrar toda a sua vida e todas as suas forças. Não tem que trabalhar em adquirir tesouros, honras e bens terrenos, mas unicamente em ver a Deus amado de todos os homens. Somos chamadas por Jesus Cristo, diz o autor da Obra imperfeita, não a procurar os nossos próprios interesses, mas a glória de Deus... O amor verdadeiro não se procura a si próprio; deseja em tudo andar à vontade do amado 86. Na antiga Lei disse o Senhor: Separei vos de todos os povos, para que fôsseis meus 87. Considerai estas palavras como dirigidas aos padres: Para que sejais meus, inteiramente aplicados aos meus louvores, ao meu serviço e ao meu amor; e, segundo S. Pedro Damião, para que sejais os cooperadores e dispensadores dos meus sacramentos 88; e segundo Sto Ambrósio: Para serdes os guias e pastores do rebanho de Jesus Cristo 89. Acrescenta o santo Doutor que o ministro dos altares não é mais seu mas de Deus 90. O próprio Senhor diz que separa dos outros homens os padres, para os ter inteiramente unidos a si 91.
O divino Mestre disse: Se alguém me está associado, que me siga; = Si quis mihi ministrat, me sequatur (Jo. 12, 26). Para seguir a Jesus Cristo, deve o padre fugir do mundo, socorrer as almas, fazer amar a Deus, declarar guerra ao pecado. Deve olhar como feitas a si as injúrias contra Deus: Caíram sobre mim os ultrajes dos que vos ofendem 92. Entregues aos negócios do mundo, não podem os leigos render a Deus o tributo de homenagem e reconhecimento que lhe é devido; por isso, diz um sábio autor, o Pe. Frassen, é necessário escolher dentre os outros homens alguns que, pelo seu próprio estado, sejam obrigados a prestar ao Senhor a honra que lhe pertence 93.
Em todas as cortes dos soberanos, há ministros encarregados de fazer observar as leis, remover os escândalos, reprimir os sediciosos e defender a honra do rei. Foi para os mesmos fins que o Senhor estabeleceu os sacerdotes: são oficiais da sua corte. Isto fez dizer a S. Paulo: Mostremo-nos verdadeiros ministros de Deus 94. Estão os ministros sempre atentos a conciliar ao seu soberano o respeito que lhe é devido, e engrandecer a sua glória. Falam dele com veneração; se alguém o censura, logo o defendem com zelo; procuram adivinhar-lhe os desejos, e até expõem a vida para lhe agradar.
É assim que procedem os padres para com Deus? Não há dúvida que são ministros seus; é pelas suas mãos que passam e são tratados os negócios que interessam à sua glória. É por intermédio deles que devem ser tirados do mundo os pecados, — fim para que Jesus Cristo quis morrer, diz S. Paulo 95. Mas, no dia do juízo, como serão reconhecidos por verdadeiros ministros de Jesus Cristo esses padres que, longe de impedirem os pecados dos outros, eles próprios são os primeiros a conjurar-se contra Jesus Cristo?Que se diria dum ministro que se recusasse a vigiar pelos interesses do seu rei, e se afastasse quando ele reclamasse o seu serviço? É que se diria se este ministro falasse até contra o rei, e conspirasse para o destronar, coligando-se com os seus inimigos?
Segundo o Apóstolo, são os sacerdotes embaixadores de Deus 96; são os cooperadores de Deus na salvação das almas 97. Deu-lhes Jesus Cristo o Espírito Santo, para que possam salvar as almas, absolvendo-as dos pecados 98.
Donde conclui o teólogo Habert que o espírito sacerdotal consiste essencialmente num zelo ardente, primeiro pela glória de Deus, e depois pela salvação das almas 99.
Não tem pois o padre que se ocupar das coisas do mundo, mas unicamente dos interesses de Deus: = Constituitur in iis quae sunt ad Deum ( Hebr.5, 1). Por esta razão, quis S. Silvestre que, para os eclesiásticos, os dias da semana tivessem o nome de Férias, que quer dizer dias feriados, em que não se cuida dos trabalhos ordinários 100. Assim nos adverte que nós os padres nos devemos empregar exclusivamente em servir a Deus e ganhar-lhe almas, ocupação que S. Dionísio Areopagita chama o mais divino dos ministérios:“Será perfeito o sacerdote se imitar a Deus, se se fizer cooperador de Deus, que é a mais divina de todas as ocupações” 101.
Segundo Sto. Antonino 102, sacerdos significa sacra docens; e segundo Honório d’Autun 103, presbyter significa praebens iter. Assim, Sto. Ambrósio dá aos padres o título de guias e pastores do rebanho de Jesus Cristo 104. Por S.Pedro é chamado o clero um sacerdócio real, uma nação santa, um povo de conquista 105, povo destinado a conquistar, — o quê? Almas e não riquezas, conforme a reflexão de Sto. Ambrósio. Os próprios pagãos não queriam que os seus sacerdotes se ocupassem senão do culto dos seus deuses; por isso lhes era vedado o exercício de qualquer magistratura 106.
Este pensamento fazia gemer S. Gregório, que dizia, falando dos padres: “Devemos pôr de parte todos os negócios da terra, para só nos darmos à causa de Deus; mas procedemos ao contrário: deixamos a causa de Deus e só vivemos para os interesses terrenos” 107. Moisés, estabelecido por Deus para só cuidar das coisas da sua glória, aplicava-se a decidir pleitos, mas Jetro advertiu-o e disse-lhe: Estás a gastar-te loucamente; deixa esse trabalho para cuidares do povo e das coisas relativas a Deus 108.
Que diria Jetro se visse os nossos padres feitos negociantes, servos dos seculares, medianeiros de casamentos, e sem se importarem das obras de Deus? Se os tivesse visto, como observa S. Próspero, empenhados em se fazerem ricos, mas não melhores; em adquirirem mais honras, mas não mais santidade? 109
Ó, exclamava a este respeito o venerável João de Ávila, que abuso subordinaro Céu à terra! Que miséria, ajunta S. Gregório, ver tantos padres que procuram adquirir, não os merecimentos duma vida virtuosa, mas as vantagens da vida presente! 110 É porque, nas funções do seu ministério, não intentam a glória de Deus, mas somente o lucro que auferem delas, diz Sto.Isodoro de Pelusa 111.
Notas:
72. Omnes sanctos reperio divini ministerii ingentem veluti molem formidantes (De Fest.pasch. hom. 1).
73. Nemo laeto animo creatur sacerdos.
74. Vota eligentium velociori praeveniens fuga, latebris incertis absconditur (Vit. S. Fulg. c. 16).
75. Quam resistebam, ne ordinarer! (Ep. 82).
76. Não se estranhe que os mesmos textos sejam repetidos em diversos lugares.
77. Omnis namque Pontifex, ex hominibus assumptus, pro hominibus constituitur in iis quae sunt ad Deum, ut offerat dona et sacrificia pro peccatis; qui condolere possit iis qui ignorant et errant (Hebr. 5, 1).
78. Fungi sacerdotio et habere laudem (Eccli. 45, 19).
79. Sicut angelorum est perpetim laudare Deum in coelis, sic sacerdotum officium est eumdem jugiter laudare in terris.
80. Amoris sui velut vicarium (Petrum) relinquebat (In L. 1. 10, c. ult.).
81. Sicut misit me Pater, et ego mitto vos (Jo. 20, 21).
82. Ego te clarificavi super terram; opus consummavi... Manifestavi nomen tuum hominibus (Jo. 17, 4).
83. Ego dedi eis sermonem tuum... Sanctifica eos in veritate... Sicut tu me misisti in mundum, et ego misi eos.
84. Sicut misit me Pater, et ego mitto vos.
85. Ignem veni mittere in terram; et quid volo, nisi ut accendaur (Luc. 12, 49).
86. Ideo vocati sumus a Christo, non ut operemur, quae ad nostrum pertinent usum, sed quae ad gloriam Dei... Verus amor non quaerit quae sua sunt, sed ad libitum amati cuncta desiderat perficere (Hom. 34).
87. Separavi vos a coeteris populis, ut essetis mei (Levit. 20, 26).
88. Sacramentorum Dei cooperatores et dispensatores (Opusc. 27, c. 3).
89. Duces et rectores gregis Christi (De dignit. sac. c. 2).
90. Verus minister altaris Deo, non sibi, natus est (In. Ps. 118, s. 8).
91. Separavit vos Deus Israël ab omni populo, et junxit sibi (Num. 16, 9).
92. Opprobria exprobantium tibi ceciderunt super me (Ps. 68, 10).
93. Fuit necessarium aliquos e populo selegi ac destinari, qui ad impendendum debitum Deo cultum, et sui status obligatione et institutione, intenderent (Scotus acad. De Ord. d. 1, a. 1, q. 1).
94. Exhibeamus nosmetipsos sicut Dei ministros (2. Cor. 6, 4).
95. Crucifixus est, ut destruatur corpus peccati (Rom. 6, 6).
96. Pro Christo legatione fungimur (2. Cor. 5, 20).
97. Dei enim sumus adjutores (1. Cor. 3,9).
98. Insufflavit, et dixit eis: Accipite Spiritum S... (Jo. 20, 22).
99. Ingenium sacerdotale essentialiter consistit in ardenti studio promovendi gloriam Dei et salutem proximi (De Ord. p. 3, c. 5, q. 3).
100. Quo significaretur quotidie clericos, abjecta caeterarum rerum cura, uni Deo prorsus vacare debere (Breviar. 31 dec.).
101. In hoc sita est sacerdotis perfectio, ut ad divinam promoveatur imitationem, quodque divinius est omnium, ipsius etiam Dei cooperatur existat (De Coelest. Hierarch. c. 3).
102. Summ. p. 3, tr. 14, c. 7, § 1.
103. Gemma an. l. 1, c. 181.
104. Duces et Rectores gregis Christi (De Dignit. sac. c. 2).
105. Regale sacerdotium, Gens sancta, Populus acquisitionis (1. Petr. 2, 9).
106. Officium quaestus, non pecuniarum, sed animarum (Serm. 78).
107. Dei causam relinquimus, et ad terrena negotia vacamus (In Evang. hom. 17).
108. Stulto labore consumeris... Esto tu populo in his quae ad Deum pertinent (Exod. 18, 18).
109. Non ut meliores, sed ut ditiores fiant, non ut sanctiores, sed ut honoratiores sint! (De Vita cont. 1. 1, c. 21).
110. Non virtutum merita, sed subsidia vitae praesentis exquirunt! (Mor 1. 23, c. 26).
111. Ad stipendia dumtaxat oculos habent (Epist. 1. 1, e. 447).
73. Nemo laeto animo creatur sacerdos.
74. Vota eligentium velociori praeveniens fuga, latebris incertis absconditur (Vit. S. Fulg. c. 16).
75. Quam resistebam, ne ordinarer! (Ep. 82).
76. Não se estranhe que os mesmos textos sejam repetidos em diversos lugares.
77. Omnis namque Pontifex, ex hominibus assumptus, pro hominibus constituitur in iis quae sunt ad Deum, ut offerat dona et sacrificia pro peccatis; qui condolere possit iis qui ignorant et errant (Hebr. 5, 1).
78. Fungi sacerdotio et habere laudem (Eccli. 45, 19).
79. Sicut angelorum est perpetim laudare Deum in coelis, sic sacerdotum officium est eumdem jugiter laudare in terris.
80. Amoris sui velut vicarium (Petrum) relinquebat (In L. 1. 10, c. ult.).
81. Sicut misit me Pater, et ego mitto vos (Jo. 20, 21).
82. Ego te clarificavi super terram; opus consummavi... Manifestavi nomen tuum hominibus (Jo. 17, 4).
83. Ego dedi eis sermonem tuum... Sanctifica eos in veritate... Sicut tu me misisti in mundum, et ego misi eos.
84. Sicut misit me Pater, et ego mitto vos.
85. Ignem veni mittere in terram; et quid volo, nisi ut accendaur (Luc. 12, 49).
86. Ideo vocati sumus a Christo, non ut operemur, quae ad nostrum pertinent usum, sed quae ad gloriam Dei... Verus amor non quaerit quae sua sunt, sed ad libitum amati cuncta desiderat perficere (Hom. 34).
87. Separavi vos a coeteris populis, ut essetis mei (Levit. 20, 26).
88. Sacramentorum Dei cooperatores et dispensatores (Opusc. 27, c. 3).
89. Duces et rectores gregis Christi (De dignit. sac. c. 2).
90. Verus minister altaris Deo, non sibi, natus est (In. Ps. 118, s. 8).
91. Separavit vos Deus Israël ab omni populo, et junxit sibi (Num. 16, 9).
92. Opprobria exprobantium tibi ceciderunt super me (Ps. 68, 10).
93. Fuit necessarium aliquos e populo selegi ac destinari, qui ad impendendum debitum Deo cultum, et sui status obligatione et institutione, intenderent (Scotus acad. De Ord. d. 1, a. 1, q. 1).
94. Exhibeamus nosmetipsos sicut Dei ministros (2. Cor. 6, 4).
95. Crucifixus est, ut destruatur corpus peccati (Rom. 6, 6).
96. Pro Christo legatione fungimur (2. Cor. 5, 20).
97. Dei enim sumus adjutores (1. Cor. 3,9).
98. Insufflavit, et dixit eis: Accipite Spiritum S... (Jo. 20, 22).
99. Ingenium sacerdotale essentialiter consistit in ardenti studio promovendi gloriam Dei et salutem proximi (De Ord. p. 3, c. 5, q. 3).
100. Quo significaretur quotidie clericos, abjecta caeterarum rerum cura, uni Deo prorsus vacare debere (Breviar. 31 dec.).
101. In hoc sita est sacerdotis perfectio, ut ad divinam promoveatur imitationem, quodque divinius est omnium, ipsius etiam Dei cooperatur existat (De Coelest. Hierarch. c. 3).
102. Summ. p. 3, tr. 14, c. 7, § 1.
103. Gemma an. l. 1, c. 181.
104. Duces et Rectores gregis Christi (De Dignit. sac. c. 2).
105. Regale sacerdotium, Gens sancta, Populus acquisitionis (1. Petr. 2, 9).
106. Officium quaestus, non pecuniarum, sed animarum (Serm. 78).
107. Dei causam relinquimus, et ad terrena negotia vacamus (In Evang. hom. 17).
108. Stulto labore consumeris... Esto tu populo in his quae ad Deum pertinent (Exod. 18, 18).
109. Non ut meliores, sed ut ditiores fiant, non ut sanctiores, sed ut honoratiores sint! (De Vita cont. 1. 1, c. 21).
110. Non virtutum merita, sed subsidia vitae praesentis exquirunt! (Mor 1. 23, c. 26).
111. Ad stipendia dumtaxat oculos habent (Epist. 1. 1, e. 447).
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