Antes de falar da Revolução francesa, indicada em primeira linha como causa do mal atual, é necessário dizer o que é a Revolução em geral. Isso é necessário, de um lado, a fim de bem conhecer a natureza desse poder tremendo que, espiando a sociedade como o tigre espia sua presa, caminha para triturá-la sob seus dentes de ferro e para operar o caos; do outro lado, a fim de saber com certeza qual é sua verdadeira origem e quais são os novos Palus Maeoticas[1] de onde saíram as barbáries com as quais ela nos ameaça, de maneira a não nos enganarmos sobre os meios de combatê-la, e para medirmos nossos esforços em face da grandeza do perigo.
Hoje não há duas questões na Europa, há apenas uma: é a questão revolucionária. O futuro pertencerá, sim ou não, à Revolução? Isso é tudo.
A Revolução! Essa palavra vulgarizada é repetida simultaneamente em Paris, em Londres, em Berlim, Madri, Viena, Nápoles, em Bruxelas, Fribourg, em Turim, em Roma; e, por toda parte, ecoa como o sussurro da tempestade. Tirando aqueles que a gravaram sobre sua fronte como sinal de identificação, essa palavra faz instintivamente tremer todo homem que, às lembranças do passado, une as previsões do futuro.
Esse instinto não é enganador: a Revolução não está nem morta nem convertida. Ela não está morta; milhares de vozes proclamam sua existência: ela mesma a revela orgulhosamente diante de todas as cortes criminais encarregadas de cunhar seus adeptos. Ela não se converteu: independente do que dizem dela, a Revolução é sempre a mesma: a essência dos seres não muda. Em seu ódio sempre antigo e sempre novo, a Revolução ameaça igualmente o trono dos reis e o limite dos campos, o tesouro do capitalista e a poupança do operário. Para ela, nada é sagrado: nem a ordem religiosa nem a ordem social; nem os direitos adquiridos, nem a consciência, nem a liberdade, nem mesmo a vida. Ela odeia tudo o que não foi feito por ela; e tudo o que ela não produziu, ela destrói. Dai-lhe hoje a vitória, e o que ela foi ontem, vereis que o será também amanhã.
Da mesma forma, o triunfo ou a derrota da Revolução é a questão íntima que mantém todos os espíritos em suspenso. Ela é considerada em todos os cálculos, ela pesa sobre todas as vidas. Enquanto que a Igreja reza para impedir uma vitória justamente receosa, os governos têm um olho sempre aberto sobre a marcha da Revolução. No mundo industrial e comercial não se vende mais, não se compra mais, não se forma mais especulações, mesmo que insignificantes, sem olhar para o horizonte; e as chances favoráveis ou desfavoráveis para a Revolução tornam-se o marco regulador da confiança, modificam as transações e são cotadas na Bolsa. Todos compreendem que a Revolução triunfante ou vencida é a última palavra do duelo mortal que se desenrola sob nossos olhos, e que pode acabar, pela vitória da Revolução, repentinamente.
Mas o que é a Revolução? Fazer uma questão semelhante é evidenciar sua importância.
Se, retirando a máscara da Revolução, lhe perguntardes: Quem és tu? Ela vos dirá:
"Eu não sou o que pensam de mim; Muitos falam de mim, mas poucos me conhecem. Eu não sou nem o Carbonarismo [Maçonaria italiana], que conspira na sombra, nem a rebelião que brame nas ruas, nem a mudança da Monarquia em República, nem a substituição de uma dinastia por outra, nem o desvio momentâneo da ordem pública. Não sou nem os urros dos Jacobinos, nem os furores da Montanha, nem o combate das barricadas, nem a pilhagem, nem o incêndio, nem a lei agrária, nem a guilhotina, nem os afogamentos. Eu não sou nem Marat, nem Robespierre, nem Babeuf, nem Mazzini, nem Kossuth. Esses homens são meus filhos, mas eles não são eu. Todas essas coisas são minhas obras, mas elas não são eu. Esses homens e essas coisas são fatos passageiros, e eu, eu sou um estado permanente.Eu sou o ódio contra toda ordem religiosa e social não estabelecida pelo homem, e na qual ele não é rei e deus ao mesmo tempo; eu sou a proclamação dos direitos do homem contra os direitos de Deus; eu sou a filosofia da revolta, a política da revolta, a religião da revolta [reconhecem os marxistas nisso?]; eu sou a negação armada[2]; eu sou a fundação do Estado religioso e social sobre a vontade do homem, em lugar da vontade de Deus! Em uma palavra, eu sou a anarquia; pois eu sou 'Deus destronado e o homem em seu lugar'. Eis porque eu me chamo Revolução, ou seja, a desordem, pois eu coloco em cima aquele que, segundo as leis eternas, deve estar em baixo, e em baixo Aquele que deve estar em cima."
Esta definição é precisa: a própria Revolução vai nos prová-la ao enumerar suas exigências.
O que pediu e o que ainda pede a Revolução?
A Revolução sempre pediu, ela ainda pede, a destruição da ordem social e religiosa existente. Ela a ataca incessantemente sobre todos os pontos e de mil maneiras: pela injúria, pela calúnia, pelo sarcasmo, pela violência; ela a chama de escravidão, superstição, degradação. Ela quer destruí-la totalmente, a fim de refazer tudo.
A Revolução pede a soberania do homem, Rei, Senado, ou Povo, no intuito de estabelecer, seja o despotismo da multidão, seja uma Monarquia na qual o Rei é escravo do Parlamento, e o Parlamento escravo da Opinião, e a Opinião escrava de alguns homens.
A Revolução pede a liberdade, ou seja, o faça como quiser em todas as coisas, salvo, adiante, para não fazer nada sem sua permissão: a fragmentação e a alienação ilimitadas da propriedade, a liberdade ilimitada da concorrência operária, a liberdade ilimitada da palavra, dos cultos e do divórcio.
A Revolução pede a igualdade, ou seja, a abolição de todos os direitos adquiridos, de todas as hierarquias sociais, de todas as autoridades estabelecidas, de todas as superioridades, em proveito do nivelamento completo.
A Revolução pede a separação da Igreja e do Estado [Estado laico é conceito da Revolução], a fim de arruinar a influência social da primeira, despojá-la impunemente, para absorver o poder espiritual, ou de Deus, pelo poder temporal, ou do homem, de modo a realizar sua máxima favorita: a Igreja deve estar no Estado, e o padre na sacristia.
A Revolução pede o reconhecimento político e a proteção de todos os cultos, a fim de colocar no mesmo patamar o erro e a verdade, de lhes tornar, aos olhos dos povos, o objeto de igual indiferença, de confundi-los em um desprezo comum, e, assim, substituir a Religião revelada de Deus pela religião natural, fabricada pelo homem, interpretada e sancionada por ele.
A Revolução pede sem cessar Constituições, ou seja, o aniquilamento da constituição natural, histórica, tal como foi formada e desenvolvida durante séculos, pelas tradições e costumes nacionais, a fim de substituí-la por uma nova constituição, feita pela tinta de uma caneta, no intuito de abolir todos os direitos anteriores, exceto aqueles que estão contidos nesta nova carta. Desde 1789, a França teve dezessete constituições e ainda não se contentou com isso.
Tais são as principais demandas da Revolução. Há quatro séculos, seus organismos, em toda a Europa, não cessam de renová-las, às vezes, uma a uma, às vezes, todas juntas, em algumas vezes de um modo imperioso, frequentemente sob fórmulas chamadas governamentais.
Dizemos há quatro séculos: hoje, com efeito, a Revolução, ou seja, a teoria pagã da soberania absoluta do homem, é formulada entre as nações cristãs. Partindo do alto para baixo, ela nos apresenta três fases distintas. Da Renascença até 1789, ela é real; em 1789 ela se torna burguesa; hoje ela se tornou popular.
Inspirados pelo espírito da antiguidade pagã, a maioria dos Reis cristãos quis se fazer "César"; e a História no-los mostra perseguindo durante três séculos, como última palavra de suas políticas, o enfraquecimento e a destruição de todo poder capaz de contrabalancear seus poderes absolutos, ou de perturbar-lhes o exercício. Eles quiseram se fazer "Papas". Dai a opressão sistemática da Igreja, a espoliação de seus bens e a proclamação de máximas visando consagrar o enfraquecimento de sua autoridade social.
No fim do último século, a classe média reage com uma energia terrível contra o Paganismo monárquico, o derruba e o confisca ao seu proveito. A exemplo dos reis, os revolucionários de 80 se fazem Césares, eles se fazem Papas. Vimo-los, em consequência, arrasarem o que restava do Estado religioso e social; e, do meio das ruínas, os ouvimos proclamar, em seu proveito, a soberania absoluta do homem sobre toda ordem dada.
O povo, cujo braço executou a Revolução, o povo para quem se dizia que ela era feita, foi sua vítima; o povo, por sua vez, aspira ao Cesarismo e ao Papado, e, com uma voz mais terrível, ele brada para a burguesia: Retire-se daí, para que eu aí me coloque! Assim, após ter sido real e burguesa, a Revolução ameaça tornar-se popular. "O gafanhoto comerá os restos da lagarta; o roedor, os restos do gafanhoto; o devorador, os restos do roedor, e não restará mais nada[3]." Tal será, se Deus não intervir, a última fase da Revolução.
Com efeito, o que o Paganismo Real e o Paganismo Burguês demandaram para eles, o Paganismo Democrático o pede para si, a saber: a supremacia absoluta do homem na ordem religiosa e na ordem política. A supremacia absoluta nas mãos da multidão é a destruição universal, por consequência, a abolição da propriedade, para chegar, como o povo entende - e isso não é oculto - ao comunismo, e do comunismo ao prazer.
Como se iludir sobre esse ponto? A propriedade é outra coisa senão o privilégio de posse dada por Deus à um ao invés de outro, seja pelo nascimento e hereditariedade, seja pelo trabalho exitoso, seja por especulações felizes? A santidade da propriedade é outra coisa senão a submissão à lei de Deus, que proíbe o roubo? Se, portanto, a Revolução não reconhece a Lei Divina como obrigatória na Religião, na autoridade, na família, na constituição, na hierarquia social, por que ela reconheceria o privilégio da propriedade? E se ela busca renovar tudo - religião, Estado, família, comuna, povo e constituição - por que, dessa modificação universal, ela excluiria a propriedade[4]?
Eis do que, portanto, a Europa hoje está ameaçada.
Monsenhor Gaume. La Révolution, recherches historiques. Révolution française. Lille, 1877, p.17-22.
Notas:
[1] N.d.t.: "Lago" dentro da área do Mar Negro envolvido por duas penínsulas. Região habitada, antigamente, pelos hunos.
[2] Nihilum armatum.
[3] Residuum erucae comedit locusta; et residuum locustae comedit bruchus; et residuum bruchi comedit rubigo. Joel 1, 4.
[4] Ver sobre essas ideias, o notável Discurso do doutor protestante Stahl.
Fonte: web.
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