Cruzamento de arcos quebrados |
Mas
o arco quebrado não fez o gótico; em vão perceberemos ogivas nos
pesados monumentos da Renascença; eles não seriam góticos por isso.
Saint-Eustache - Paris |
O gótico não é subserviente à ogiva: ele admite todos os demais arcos, o semi-circular, o abatido, o arco asa de padeiro, e mesmo o arco em ferradura,
se bem que este aqui seja um absurdo em seu princípio e de um efeito
ridículo. Tomemos, por exemplo, Saint-Eustache de Paris, tirando o
portal, que é uma infâmia moderna, observemos o corpo da igreja. Ali se
procurará em vão o traço da ogiva: as grandes baies[1] laterais
são arcos abatidos com reforços, como os do gótico flamejante. Todo o
resto está em semi-circulares graciosos, sobretudo no coroamento dos
pilares de uma maravilhosa leveza, que suportam uma rica abóbada. Quem
poderia duvidar por um instante que tudo isso não seja gótico?
Em
Saint-Sulpice, tirando o portal, que tem somente o mérito de ser
monumental, apesar da infeliz fisionomia das torres. O corpo do
edifício, em belo semi-circulo, é uma construção do sistema gótico, como
o plano primitivo da própria igreja, que lhe dá sua leveza de
construção e sua perfeita adaptação ao serviço. Em
Saint-Nicolas-des-Champs, há outra coisa: o ante-corpo é ogival, mas o
coro e a abside são em semi-circulo com colunas unidas ou embutidas.
Isso não impede o monumento de ser gótico em seu conjunto.
A
ogiva é, portanto, uma característica do estilo gótico. O plano geral
da catedral com sua alta e longa nave, seus corredores e suas capelas
tão favoráveis ao exercício do culto e ao desenvolvimento do sentimento
religioso, é um dos méritos dos edifícios góticos. Notre-Dame não serviu
de modelo para a maior parte das outras catedrais. Há exceções. No
início, não se faziam capelas laterais; o Midi possui belíssimas
catedrais sem corredores, a de Beauvais é um segmento em círculo: Essas
diferenças não suprimem o caráter gótico da obra. É verdade, portanto,
que o gótico levou a mais alta perfeição o plano da catedral, mas ele
recebeu do românico tal princípio, e por isso ele achega ao bizantino.
Uma
igreja românica ou bizantina, grega ou romana, pode adotar o plano das
catedrais góticas: o Sagrado-Coração de Montmartre será uma prova desta
verdade.
Uma característica mais especial, e que o gótico inventou, é o arcobotante, que é tão somente um membro,
mas personificado em um novo sistema. O contraforte das igrejas
românicas, esse pilar massivo engajado na parte exterior da muralha,
poderia bastar para manter construções de uma elevação medíocre;
contudo, para resistir à pressão proveniente da prodigiosa elevação das
abóbadas da nave gótica que ele apoiava, o contraforte deveria tomar uma
grande distância, se constituindo em massas enormes, deselegantes, cujo
peso teria contrastado com o aspecto elegante e leve do edifício; eles
teriam terminado, diz Viollet-Leduc, por custar mais caro que o próprio
edifício. Essa combinação engenhosa (arcobotante) deve ser vista como a
obra-prima da arte nova: ela é de tal poder que, se ela não fosse
sabiamente manejada, ela produziria a ruína em sentido inverso e
lançaria o muro no interior, no coro e na nave; seu emprego exigia,
portanto, uma grande habilidade, bem como a perfeita apreciação das leis
do equilíbrio. Entretanto, é preciso remarcar que o arcobotante só era
um expediente, pouco constituindo o caráter essencial do estilo.
A
construção desses membros é muito custosa, bem como sua manutenção.
Além disso, eles encobrem o entorno da construção, e até mesmo servem
como separação das capelas laterais. Disso, perguntamos: qual é então o
caráter essencial do gótico? Residiria ele, por acaso, nos ornamentos
graciosos dos decoradores? Contudo, esses ornamentos vieram de todas as
partes: do grego, do árabe, do romano e da imaginação frequentemente
licenciosa dos artistas. O suporte é redondo, quadrado, em losango,
entrelaçado; os capitéis são planos, cúbicos, cilíndricos; os baixos
relevos de todas os tipos, ou podem não existir; as nervuras, a pedra
angular, os tímpanos[2],
as gárgulas, tomando as formas mais bizarras. Mas o que importa? É
outra coisa que dá ao estilo gótico o aspecto elegante e grave, leve e
solene, que faz dele o tipo sem rival do monumento religioso.
O caráter incontestável do estilo gótico reside nos procedimentos de sua estrutura, em seu próprio princípio: é o equilíbrio artificial resultante da oposição calculada das forças e dos elementos.
Qual que seja o tipo da abóbada, ogiva ou semi-círculo; a forma dos
suportes interiores e exteriores, coluna ou pilar, o equilíbrio
calculado é seu meio, e a tal ponto que as abóbadas e os membros
suportados reforcem os suportes que os sustentam.
É
por aí que o estilo gótico obtém sua ousadia inacreditável, sua leveza,
sua superioridade. Os outros estilos originaram este princípio de
construção, e quando eles o adotaram, desde então, eles praticaram do
gótico sem sabê-lo.
A
proporção do vácuo é realmente considerável, a nave e o coro tão
elevados, os suportes tão reduzidos à sua mais simples expressão. O
romano exagerou a largura, o gótico buscou a elevação; em um, a impulsão
religiosa está em proporção com a massa de materiais e do peso dos
membros; em outro, o efeito religioso cresce em razão de sua graça e de
sua leveza.
No
gótico, tudo concorre à trazer, ao extremo, o sentimento do respeito e
do entusiasmo divino. É verdade que o que chamamos a arte do triunfo
vê-se ali de certa maneira. Contudo, não é esse um dos méritos do estilo
grego?
Esse
não é o único ponto de contato do grego e do gótico. Essas longas
colunatas que, saindo do solo nu, parecem querer escalar o céu, essas
grandes aberturas e mil outros artifícios engenhosos desenvolvem a
admiração e geram as sensações mais elevadas. Nenhuma proporção entre o
conjunto e os acessórios consagrados ao serviço é resultado da
ignorância, ou do desprezo pela harmonia; ao contrário, tudo isso é
sabiamente calculado.
O
arquiteto fez duas partes de sua obra: uma, a parte inspirada pelo
sentimento divino, tem por objeto levar ao extremo a proporção do vácuo e
de elevá-lo ao céu. A outra, que é a porção humana, se apropria
absolutamente nas necessidades diárias.
Deus
e o homem estão, assim, constantemente em presença: a fé pode fazer seu
ato de humildade diante o símbolo material do poder superior ao qual
ela rende homenagem: é um hino silencioso à glória do Eterno.
Tudo
o que está a serviço do homem se mede por sua escala de proporções: as
grades e os pontos de apoio, os altares e as bacias de água benta, as
escadas e as próprias portas de serviço não ultrapassam as dimensões que
lhe são dadas em edifícios privados. Rendido à essas impressões
habituais, o espectador as compara aos membros essenciais do monumento,
ele acha-os imensos, gigantescos, e se vê confundido em sua pequenez, na
presença de um conjunto tão imponente. Quando entrardes por uma porta
de três metros de elevação, sob uma abóbada que sobe à trinta metros,
será difícil não se surpreender.
[1] Baies, fr.: abertura que se deixa nas paredes para ali colocar uma porta ou uma janela, ou qualquer outro objeto.
[2] Tímpanos: espaço geralmente triangular ou em arco, liso ou ornado com esculturas, limitado pelos três lados do frontão.
Alph. Castaing. Le style gothique, ses origines, sa supériorité matérielle et morale. Revue du monde catholique, 1er novembre 1886.
Visto em Annales Historiæ: http://catolicosribeiraoarteehistoria.blogspot.com.br/2012/07/as-caracteristicas-do-estilo-gotico.html.
Visto em Annales Historiæ: http://catolicosribeiraoarteehistoria.blogspot.com.br/2012/07/as-caracteristicas-do-estilo-gotico.html.
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