Ao contrário do que possam dizer os modernos críticos de arte e do que possa parecer ao observador da nossa arte e arquitetura contemporâneas, o fato é que a arte verdadeira não pode ser senão a arte do Belo. Qualquer outro objetivo para o qual se lhe empregue equivale a trair a sua missão, esvaziá-la de seu significado mais profundo.
A arte é uma atividade eminentemente humana: não há povo ou cultura que não a tenha em alguma medida desenvolvido e, simultaneamente, em nenhuma espécie animal nós encontramos sensibilidade artística. Como diria Chesterton, trata-se de atividade tão evidentemente humana que qualquer pessoa naturalmente acredita que o mais pré-histórico dos homens possa ter pintado macacos na parede da caverna, mas tomaria por hoax ou brincadeira de Primeiro de Abril que mesmo o mais evoluído dos macacos conseguisse um dia pintar a figura de um homem. Se a arte é portanto atividade propriamente humana, os seus fins devem estar ordenados e proporcionados à natureza do homem.
Que esta natureza esteja voltada para o exterior – para as pessoas com as quais nos relacionamos, para as coisas que fazemos no mundo, para as influências que exercemos sobre o ambiente ao nosso redor – é fato que me parece incontestável; que ela não esteja ao menos em alguma medida voltada também para o interior, contudo, é uma extrapolação indevida que repugna a mais básica consciência que qualquer um tem de si próprio. Que exista e seja digno de consideração o mundo material ao nosso redor – o espaço que transformamos, o tempo contra cujos limites lutamos, os objetos que construímos e dos quais nos utilizamos – é algo bastante evidente; que para além dessas coisas não exista nenhuma transcendência digna de atenção é um pressuposto sem sentido, não demonstrado e indemonstrável.
Vivemos em um mundo que preza a utilidade e a eficiência acima de tudo; é escusado dizê-lo. Este mundo nos proporcionou avanços técnicos com os quais os nossos antepassados sequer poderiam sonhar: hoje, usufruímos de facilidades teoricamente capazes de nos fazer felizes em um grau jamais antes alcançado pela humanidade. Mas, no entanto, ainda nos sentimos vazios. Desinteressamo-nos rapidamente das coisas – por extraordinárias que sejam – que o progresso deposita aos nossos pés. Deparamo-nos com maravilhas sem fim e, contudo, pouco caso fazemos delas, sempre descartando-as tão logo alguém nos acene de longe com um brinquedo mais moderno ou uma última novidade.
Não se trata meramente da eterna insatisfação humana, sempre voltada para aquilo que ainda não tem. O problema, temo, é mais grave. Sentimo-nos vazios e insatisfeitos porque o mundo moderno deliberadamente voltou as costas a uma importante dimensão de nossa existência, sem cujo cultivo nós nos tornamos acabrunhados, frustrados e deprimidos.
Trata-se precisamente daquela dimensão que produz em nós, seres humanos, a necessidade de beleza. Percebam os leitores que esta particular exigência é diametralmente oposta àquelas sobre as quais falávamos há pouco: a beleza nem sempre anda de mãos dadas com a utilidade, e dificilmente poderia ser diretamente proporcional à eficiência das coisas. Se fôssemos ser rigorosos, diríamos que, na verdade, é precisamente o oposto: há um quê de inutilidade nas coisas que são belas. Olhando melhor, percebemos que a beleza é detentora de um certo capricho mimado que a faz exigir ser desejada meramente por aquilo que ela é, e não como um meio para se obter alguma outra coisa.
Mas afinal o que é belo? Mistificações acadêmicas contemporâneas à parte, belo é aquilo que responde positivamente à sadia capacidade de admiração humana. Tomemos um exemplo concreto da natureza: digamos, um colorido pôr-do-sol. Na lógica consumista moderna, poucas coisas poderiam ser mais inúteis. Ele não custa nada e não provoca em nós nenhum efeito duradouro; não está sob nosso controle e não podemos nos utilizar dele como meio para obter nada de concreto. Dir-se-ia que não possui valor. Mais ainda, contém em si uma certa dose de "anti-eficiência", pois para ser admirado exige atenção dedicada, com a exclusão de tudo o que de "útil" se esteja fazendo naquela hora. O trabalhador de uma fábrica precisa parar a linha de produção para se dar ao luxo de contemplar um pôr-do-sol; se quer admirá-lo um homem do campo, precisa encostar a enxada e atrasar por algum tempo a aragem do solo. A beleza, portanto, parece não apenas em si mesma inútil, como ainda atrapalhar aquilo que é verdadeiramente útil: a solução – dirá um pensador moderno – é obviamente reduzí-la ao mínimo possível, somente àquilo que não formos capazes de eliminar do horizonte vital humano.
Isso explica o desterro sofrido pela beleza do nosso quotidiano. Tal solução, contudo, é um erro de proporções gigantescas: o ser humano não se reduz àquilo que ele faz. Permanece com necessidades transcendentes (ousemos chamá-las pelo seu nome tradicional: necessidades espirituais) que, absolutamente, não são supridas pelos bens materiais que o mundo moderno pode lhe proporcionar.
Voltemos ao exemplo da arte: trata-se do engenho por meio do qual o homem é capaz de expressar a beleza; ou talvez seja melhor dizer que ela é o artifício mediante o qual o homem transforma o mundo ao seu redor (principalmente as coisas desagradáveis do mundo ao seu redor) em algo de valor, digno de admiração. A morte concreta de um inocente é uma coisa trágica, uma realidade com a qual nós, absolutamente, não queremos nenhum contato. Mas na Pietà de Michaelangelo, por exemplo, existe alguma coisa de sublime e que nos é útil, afinal de contas: na Virgem Santíssima com o Seu Filho morto aos braços nós encontramos consolo para as nossas próprias dores e dificuldades. Se o nosso vizinho espancasse sua esposa até a morte, por exemplo, isso seria para nós apenas uma brutalidade deprimente; se é Desdêmona quem morre sob os braços fortes do Mouro de Veneza, isso nos ensina a não sermos tão ligeiros em julgar os nossos próximos, isso nos torna de alguma maneira melhores.
O homem procura a beleza para fugir ao caos do mundo, para manter a sua sanidade em meio a um universo hostil, para suportar as agruras de uma vida que nem sempre é do jeito que ele gostaria. E, por isso, é digno de censura um certo movimento que pretende transformar a arte em apenas uma extensão da feiúra do mundo. Colocar a arte a serviço da feiúra equivale a transformá-la em uma anti-arte; pretender elevar o vulgar e o banal à categoria de valores artísticos é o mesmo que rebaixar a arte à sarjeta do que existe de pior no mundo. E fazê-lo é transformar a arte em alguma coisa sem sentido. De fato, nesses moldes não há razão para existir arte no mundo.
E a capacidade do homem de expressar a beleza em forma de arte anda lado a lado com a sua capacidade de reconhecer a beleza no mundo em que ele vive, de tal modo que um mundo em que não exista beleza artística equivale na prática a um mundo onde as pessoas não são capazes de reconhecer a beleza em si: no final das contas, trata-se de um mundo doente. Pretender que qualquer coisa possa deter igualmente o mesmo valor artístico é o mesmo que dizer que não existe valor artístico em nada: imaginar que tudo é belo conduz, no final das contas, à inelutável conclusão de que tudo é feio. E existe alguma coisa de terrivelmente assustadora na perspectiva de vivermos em um mundo pleno de feiúra, em um universo caótico sem fronteiras, completamente cercados por coisas horríveis das quais não temos nenhuma possibilidade de fugir. Viver em semelhante ambiente não pode ser de nenhuma maneira saudável. Existir em tais condições não é digno de nenhum ser humano.
Ao contrário, os homens de todos os tempos sempre souberam conservar a abertura ao transcendente por meio do cultivo da beleza, sempre foram capazes de reconhecer o seu valor e estimá-la como a um bem. O estreito laço (até onde me conste, existente em todas as culturas) entre manifestação artística e sentimento religioso não é fortuito: ele existe porque todos os homens de algum modo intuem que, se existe um Deus, Ele é digno daquilo que nós possuímos de melhor. Se existe um Deus, Ele não pode ser senão Belo. Se existe um Deus, expressar a Beleza é, de alguma forma, expressá-Lo a Si mesmo.
Na Idade Média, o Cristianismo erigiu em honra ao seu Deus as magníficas catedrais que até hoje podem ser encontradas por toda a Europa. À luz do que já falamos aqui, é fácil encontrar as razões pelas quais elas foram construídas e perceber o que possibilitou ao gênio humano alcançar tão vertiginosas alturas.
O Cristianismo é a Religião do Deus feito homem e, portanto, nada do que seja propriamente humano lhe é estranho. Ora, a arte é atividade humana por excelência, como dissemos; logo, era natural que a arte encontrasse proeminente lugar dentro do Cristianismo.
A Religião existe para levar os homens ao Céu por meio do desprezo das coisas terrestres. Ora, vimos que a Beleza opõe-se ao culto desmedido dos bens materiais, à sanha hipnótica por utilidade e eficiência terrestres. Assim, nada mais natural de que o Cristianismo, por meio da Beleza, acenasse aos homens as promessas do Céu.
A Religião existe para dar sentido à vida dos homens, ensinando-lhes a serem melhores. Como vimos, as obras de arte têm o condão de transformar as coisas desagradáveis da realidade em algo onde podemos encontrar conforto, que nos impele a sermos melhores. Portanto, era de se esperar que o Cristianismo se utilizasse também dela para conduzir os homens no caminho da perfeição.
O Cristianismo, por fim, é Religião, é movimento que se propõe a restaurar a unidade perdida entre o homem pecador e o Deus três-vezes Santo, é detentor de um Evangelho a anunciar a todos os homens, tem a missão de revelar Deus ao homem para Ele criado. Como vimos, existe alguma coisa de sagrada na Beleza, algo que a faz se aproximar de Deus; logo, é natural que o Cristianismo use também a Beleza para falar do Deus que ele tem para anunciar ao mundo.
A confluência de todas essas causas elevou a capacidade artística humana às alturas nos arcos das catedrais que, arremessados em direção ao Céu, elevavam consigo a Deus as almas que se punham a admirá-los. A Beleza é digna de falar de Deus porque Deus é Belo: e assim os templos religiosos eram belos também, como que para predispor as almas dos que neles adentravam para o encontro com Deus que eles existem para proporcionar.
Porque, assim como o gosto pela Beleza, a sede de Deus é também parte constituinte da natureza humana, como Santo Agostinho expressou de maneira lapidar: "criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Vós". A sede da Beleza e a sede do Infinito, assim, convergem para uma única sede, são ambas aspectos da mesma necessidade de transcendência que aflige todos os homens, e que simplesmente não pode ser saciada por simples negação. Por maior que seja a hostilidade do ambiente no qual vive, há no interior de cada homem certa capacidade de se relacionar com o infinito. E perceber que falta beleza no mundo moderno é, no fundo, também uma maneira de se deparar com a ausência de Deus nesses tempos cruéis em que vivemos.
A arte é uma atividade eminentemente humana: não há povo ou cultura que não a tenha em alguma medida desenvolvido e, simultaneamente, em nenhuma espécie animal nós encontramos sensibilidade artística. Como diria Chesterton, trata-se de atividade tão evidentemente humana que qualquer pessoa naturalmente acredita que o mais pré-histórico dos homens possa ter pintado macacos na parede da caverna, mas tomaria por hoax ou brincadeira de Primeiro de Abril que mesmo o mais evoluído dos macacos conseguisse um dia pintar a figura de um homem. Se a arte é portanto atividade propriamente humana, os seus fins devem estar ordenados e proporcionados à natureza do homem.
Que esta natureza esteja voltada para o exterior – para as pessoas com as quais nos relacionamos, para as coisas que fazemos no mundo, para as influências que exercemos sobre o ambiente ao nosso redor – é fato que me parece incontestável; que ela não esteja ao menos em alguma medida voltada também para o interior, contudo, é uma extrapolação indevida que repugna a mais básica consciência que qualquer um tem de si próprio. Que exista e seja digno de consideração o mundo material ao nosso redor – o espaço que transformamos, o tempo contra cujos limites lutamos, os objetos que construímos e dos quais nos utilizamos – é algo bastante evidente; que para além dessas coisas não exista nenhuma transcendência digna de atenção é um pressuposto sem sentido, não demonstrado e indemonstrável.
Vivemos em um mundo que preza a utilidade e a eficiência acima de tudo; é escusado dizê-lo. Este mundo nos proporcionou avanços técnicos com os quais os nossos antepassados sequer poderiam sonhar: hoje, usufruímos de facilidades teoricamente capazes de nos fazer felizes em um grau jamais antes alcançado pela humanidade. Mas, no entanto, ainda nos sentimos vazios. Desinteressamo-nos rapidamente das coisas – por extraordinárias que sejam – que o progresso deposita aos nossos pés. Deparamo-nos com maravilhas sem fim e, contudo, pouco caso fazemos delas, sempre descartando-as tão logo alguém nos acene de longe com um brinquedo mais moderno ou uma última novidade.
Não se trata meramente da eterna insatisfação humana, sempre voltada para aquilo que ainda não tem. O problema, temo, é mais grave. Sentimo-nos vazios e insatisfeitos porque o mundo moderno deliberadamente voltou as costas a uma importante dimensão de nossa existência, sem cujo cultivo nós nos tornamos acabrunhados, frustrados e deprimidos.
Trata-se precisamente daquela dimensão que produz em nós, seres humanos, a necessidade de beleza. Percebam os leitores que esta particular exigência é diametralmente oposta àquelas sobre as quais falávamos há pouco: a beleza nem sempre anda de mãos dadas com a utilidade, e dificilmente poderia ser diretamente proporcional à eficiência das coisas. Se fôssemos ser rigorosos, diríamos que, na verdade, é precisamente o oposto: há um quê de inutilidade nas coisas que são belas. Olhando melhor, percebemos que a beleza é detentora de um certo capricho mimado que a faz exigir ser desejada meramente por aquilo que ela é, e não como um meio para se obter alguma outra coisa.
Mas afinal o que é belo? Mistificações acadêmicas contemporâneas à parte, belo é aquilo que responde positivamente à sadia capacidade de admiração humana. Tomemos um exemplo concreto da natureza: digamos, um colorido pôr-do-sol. Na lógica consumista moderna, poucas coisas poderiam ser mais inúteis. Ele não custa nada e não provoca em nós nenhum efeito duradouro; não está sob nosso controle e não podemos nos utilizar dele como meio para obter nada de concreto. Dir-se-ia que não possui valor. Mais ainda, contém em si uma certa dose de "anti-eficiência", pois para ser admirado exige atenção dedicada, com a exclusão de tudo o que de "útil" se esteja fazendo naquela hora. O trabalhador de uma fábrica precisa parar a linha de produção para se dar ao luxo de contemplar um pôr-do-sol; se quer admirá-lo um homem do campo, precisa encostar a enxada e atrasar por algum tempo a aragem do solo. A beleza, portanto, parece não apenas em si mesma inútil, como ainda atrapalhar aquilo que é verdadeiramente útil: a solução – dirá um pensador moderno – é obviamente reduzí-la ao mínimo possível, somente àquilo que não formos capazes de eliminar do horizonte vital humano.
Isso explica o desterro sofrido pela beleza do nosso quotidiano. Tal solução, contudo, é um erro de proporções gigantescas: o ser humano não se reduz àquilo que ele faz. Permanece com necessidades transcendentes (ousemos chamá-las pelo seu nome tradicional: necessidades espirituais) que, absolutamente, não são supridas pelos bens materiais que o mundo moderno pode lhe proporcionar.
Voltemos ao exemplo da arte: trata-se do engenho por meio do qual o homem é capaz de expressar a beleza; ou talvez seja melhor dizer que ela é o artifício mediante o qual o homem transforma o mundo ao seu redor (principalmente as coisas desagradáveis do mundo ao seu redor) em algo de valor, digno de admiração. A morte concreta de um inocente é uma coisa trágica, uma realidade com a qual nós, absolutamente, não queremos nenhum contato. Mas na Pietà de Michaelangelo, por exemplo, existe alguma coisa de sublime e que nos é útil, afinal de contas: na Virgem Santíssima com o Seu Filho morto aos braços nós encontramos consolo para as nossas próprias dores e dificuldades. Se o nosso vizinho espancasse sua esposa até a morte, por exemplo, isso seria para nós apenas uma brutalidade deprimente; se é Desdêmona quem morre sob os braços fortes do Mouro de Veneza, isso nos ensina a não sermos tão ligeiros em julgar os nossos próximos, isso nos torna de alguma maneira melhores.
O homem procura a beleza para fugir ao caos do mundo, para manter a sua sanidade em meio a um universo hostil, para suportar as agruras de uma vida que nem sempre é do jeito que ele gostaria. E, por isso, é digno de censura um certo movimento que pretende transformar a arte em apenas uma extensão da feiúra do mundo. Colocar a arte a serviço da feiúra equivale a transformá-la em uma anti-arte; pretender elevar o vulgar e o banal à categoria de valores artísticos é o mesmo que rebaixar a arte à sarjeta do que existe de pior no mundo. E fazê-lo é transformar a arte em alguma coisa sem sentido. De fato, nesses moldes não há razão para existir arte no mundo.
E a capacidade do homem de expressar a beleza em forma de arte anda lado a lado com a sua capacidade de reconhecer a beleza no mundo em que ele vive, de tal modo que um mundo em que não exista beleza artística equivale na prática a um mundo onde as pessoas não são capazes de reconhecer a beleza em si: no final das contas, trata-se de um mundo doente. Pretender que qualquer coisa possa deter igualmente o mesmo valor artístico é o mesmo que dizer que não existe valor artístico em nada: imaginar que tudo é belo conduz, no final das contas, à inelutável conclusão de que tudo é feio. E existe alguma coisa de terrivelmente assustadora na perspectiva de vivermos em um mundo pleno de feiúra, em um universo caótico sem fronteiras, completamente cercados por coisas horríveis das quais não temos nenhuma possibilidade de fugir. Viver em semelhante ambiente não pode ser de nenhuma maneira saudável. Existir em tais condições não é digno de nenhum ser humano.
Ao contrário, os homens de todos os tempos sempre souberam conservar a abertura ao transcendente por meio do cultivo da beleza, sempre foram capazes de reconhecer o seu valor e estimá-la como a um bem. O estreito laço (até onde me conste, existente em todas as culturas) entre manifestação artística e sentimento religioso não é fortuito: ele existe porque todos os homens de algum modo intuem que, se existe um Deus, Ele é digno daquilo que nós possuímos de melhor. Se existe um Deus, Ele não pode ser senão Belo. Se existe um Deus, expressar a Beleza é, de alguma forma, expressá-Lo a Si mesmo.
Na Idade Média, o Cristianismo erigiu em honra ao seu Deus as magníficas catedrais que até hoje podem ser encontradas por toda a Europa. À luz do que já falamos aqui, é fácil encontrar as razões pelas quais elas foram construídas e perceber o que possibilitou ao gênio humano alcançar tão vertiginosas alturas.
O Cristianismo é a Religião do Deus feito homem e, portanto, nada do que seja propriamente humano lhe é estranho. Ora, a arte é atividade humana por excelência, como dissemos; logo, era natural que a arte encontrasse proeminente lugar dentro do Cristianismo.
A Religião existe para levar os homens ao Céu por meio do desprezo das coisas terrestres. Ora, vimos que a Beleza opõe-se ao culto desmedido dos bens materiais, à sanha hipnótica por utilidade e eficiência terrestres. Assim, nada mais natural de que o Cristianismo, por meio da Beleza, acenasse aos homens as promessas do Céu.
A Religião existe para dar sentido à vida dos homens, ensinando-lhes a serem melhores. Como vimos, as obras de arte têm o condão de transformar as coisas desagradáveis da realidade em algo onde podemos encontrar conforto, que nos impele a sermos melhores. Portanto, era de se esperar que o Cristianismo se utilizasse também dela para conduzir os homens no caminho da perfeição.
O Cristianismo, por fim, é Religião, é movimento que se propõe a restaurar a unidade perdida entre o homem pecador e o Deus três-vezes Santo, é detentor de um Evangelho a anunciar a todos os homens, tem a missão de revelar Deus ao homem para Ele criado. Como vimos, existe alguma coisa de sagrada na Beleza, algo que a faz se aproximar de Deus; logo, é natural que o Cristianismo use também a Beleza para falar do Deus que ele tem para anunciar ao mundo.
A confluência de todas essas causas elevou a capacidade artística humana às alturas nos arcos das catedrais que, arremessados em direção ao Céu, elevavam consigo a Deus as almas que se punham a admirá-los. A Beleza é digna de falar de Deus porque Deus é Belo: e assim os templos religiosos eram belos também, como que para predispor as almas dos que neles adentravam para o encontro com Deus que eles existem para proporcionar.
Porque, assim como o gosto pela Beleza, a sede de Deus é também parte constituinte da natureza humana, como Santo Agostinho expressou de maneira lapidar: "criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Vós". A sede da Beleza e a sede do Infinito, assim, convergem para uma única sede, são ambas aspectos da mesma necessidade de transcendência que aflige todos os homens, e que simplesmente não pode ser saciada por simples negação. Por maior que seja a hostilidade do ambiente no qual vive, há no interior de cada homem certa capacidade de se relacionar com o infinito. E perceber que falta beleza no mundo moderno é, no fundo, também uma maneira de se deparar com a ausência de Deus nesses tempos cruéis em que vivemos.
Texto de Jorge Ferraz, analista de sistemas e proprietário, desde 2008, do blog "Deus lo Vult!"
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Imagem 1: Detalhe do "Nascimento de Vênus", de Botticelli / daystarvisions.com
Imagem 2: Pietà, de Michaelangelo /valdoresende.com
Imagem 3: Catedral de Orvieto, na Itália / aascj.org.br
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