Termino mais uma tradução exaustiva, mas apaixonante. E redescubro um São José jamais imaginado: tão denso, tão grandioso, tão forte e tão sofrido e angustiado e aflito. Realmente, permaneceu oculto por séculos, mais meus modestos quase cinquenta anos! E uma devoção totalmente nova eis que surge em meu pequeno e sedento coração!!! Quem é, de fato, este homem, que possibilitou que o "fiat" não ficasse por isso mesmo, entregue à maldade e à ferocidade humana, e se realizasse completamente na Cruz? Será ele o "menor" de que falava Nosso Senhor Jesus Cristo? Bò! Isso só o saberemos naquele Dia em que tudo será revelado... Até lá procurarei recuperar o tempo perdido, aprofundando e intensificando está devoção inesperada e divulgando-a a quem quiser ouvir! E mais não digo... E que venham as vertigens!
Ah! Sim, digo: Esta tradução é minha, custou noites sem dormir, então não copiem como se fosse obra de vocês. Ela está aqui, gratuitamente, para o bem de todos, não para lucro mesquinho. Não publiquem sem minha autorização expressa e sem a devida referência.
Giulia d'Amore
A superioridade de
São José
sobre todos os outros Santos
de Fr. Reg. Garrigou-Lagrange O.P.
(em “La Vie Spirituelle”, 1929,
t. 19, pp. 662-683)
“Quem dentre vós for o menor, esse será grande”
(Luc. 9,48)
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Esta doutrina foi ensinada por Gerson[1] e por S. Bernardino de Sena[2]. Torna-se cada vez mais difundida a partir do século XVI: é sustentada por S. Teresa, S. Francisco de Sales, Suarez[3], depois por S. Alfonso de Ligório[4] e muitos outros[5]. Finalmente, S.S. Leão XIII, na Encíclica Quamquam pluries, escreve: “É certo que a dignidade de Mãe de Deus é tão alta que nada pode haver de mais sublime; mas pelo fato de que entre a Beatíssima Virgem e José foi estreitado um vínculo conjugal, não há dúvida de que a essa altíssima dignidade, por força da qual a Mãe de Deus se eleva muitíssimos acima de todas as criaturas, Ele se aproximou mais do que ninguém. O matrimônio, de fato, é a forma mais elevada de sociedade e de amizade, à qual, por sua natureza, se une a comunhão de bens. Portanto, se Deus deu José em Esposo à Virgem, deu-Lho não só como companheiro de vida, testemunha da virgindade e tutor da honestidade, mas também como partícipe, em virtude do pacto conjugal, da excelsa grandeza dEla”[6]. Pelo fato de que a dignidade de Maria “se eleva muitíssimos acima de todas as criaturas”, como é dito nesta encíclica, segue-se que o primado de S. José deve ser entendido não apenas no que diz respeito a todos os outros santos, mas também com relação aos Anjos? Não se o pode afirmar com certeza. Contentemo-nos de expor a doutrina, cada vez mais aceita na Igreja, que afirma que, entre todos os outros Santos, S. José é o mais elevado, no Céu, depois de Jesus e Maria. Ele está entre os Anjos e Arcanjos. Sua missão em relação à Sagrada Família fez dele o Patrono da Igreja universal, seu protetor e defensor. A ele, em certo sentido, é particularmente confiada a multidão dos cristãos de todas as gerações, como o provam a bela Ladainha que resume suas prerrogativas.
Pretendemos lembrar, aqui, o princípio teológico sobre o qual se funda esta doutrina, cada vez mais aceita desde há cinco séculos, acerca do primado de S. José sobre todos os outros santos.
I. Uma missão divina excepcional requer uma santidade proporcional
O princípio
geral pelo qual a teologia, explicando a Revelação, demonstra qual devia ser,
aqui na terra, a plenitude da graça criada na santa alma do Salvador, qual,
depois, tinha que ser a santidade de Maria e também a fé dos Apóstolos, repousa
sobre a excepcional missão divina que eles receberam, missão que exigia uma
santidade proporcional. Algo semelhante aconteceu também com S. José.
Esponsalício de Maria Santíssima e S. José |
Compreende-se
melhor a verdade, a importância e a evidência deste princípio revelado, ao se considerar,
por contraste, o que frequentemente ocorre na condução dos assuntos humanos. Não
é raro que pessoas incapazes e inexperientes ocupem altos cargos, com grandes
danos a seus subordinados. Isto será em certos momentos até particularmente
irritante, a menos que pensemos que o Senhor compense esses inconvenientes com os
atos muitas vezes heroicos da santidade escondida, e lembremos que cada um de
nós deve fazer o próprio mea culpa
pelas negligências no exercício dos cargos ou ofícios que lhe foram confiados.
Essas faltas são tão frequentes que a partir de certo ponto ninguém mais se
importa. A desordem, contudo, é, afinal, sempre desordem, a incapacidade é
incapacidade, e não se encontrará nada disso naqueles que são escolhidos
diretamente pelo próprio Deus e por Ele preparados imediatamente para serem
seus ministros excepcionais na obra da Redenção. O Senhor lhes dá uma santidade
proporcional, uma vez que Ele opera sempre com medida, e a desordem e a
desproporção não podem ser encontradas nunca nas obras propriamente divinas,
das quais só Ele é o autor.
A caminho de Belém - o censo |
"Não temos vagas"! |
É, enfim, pelo mesmo princípio que a teologia ensina que os Apóstolos, sendo mais próximos de Nosso Senhor que os Santos que vieram depois, conheceram mais perfeitamente as verdades da fé. “Aqueles que estavam mais próximos a Cristo, ou antes, como S. João Batista, ou depois, como os Apóstolos, conheceram mais plenamente os mistérios da fé”[10]. Aos olhos de Santo Tomás, então, seria temerário negar tal fato, mas ele compara os Apóstolos apenas aos santos que vieram depois deles, e não a S. José, nem a S. João Batista. Santo Tomás, comentando esta passagem de S. Paulo: “Nós mesmos que temos em nós as primícias do Espírito”, diz: “Os Apóstolos tiveram o Espírito Santo antes temporal e mais abundantemente que os outros”[11].
II. A missão extraordinária de S. José
S. João
Batista era encarregado de anunciar a vinda imediata do Messias. Pode-se até dizer
que ele foi o maior precursor de Jesus no Antigo Testamento. É assim que S.
Tomás entende as palavras de Jesus em S. Mateus 11,11: “Em verdade vos digo que, entre os filhos de uma mulher, não há ninguém
maior do que João Batista”. Comenta S. Tomás: “Não é inconveniente que S. João Batista seja dito o maior de todos os Padres
do Velho Testamento. Ele é o maior e o mais excelente, porque foi pré-escolhido
para uma missão maior. Abraão é, de fato, a maior quanto à prova da fé; Moisés
quanto ao ofício de Profeta, como se lê em Deut. 24,10: ‘Não surgiu um profeta
maior em Israel do que Moisés’. Todos estes foram precursores do Senhor, mas
nenhum como o Batista o foi com tamanha excelência e favor, e, portanto, foi
elevado ao ofício maior: ‘Será, de fato, grande diante de Deus’ (Lc. 1,15)”.
Ele é o precursor por excelência entre todos os Santos do Antigo Testamento,
motivo pelo qual, na Ladainha dos Santos, ele vem imediatamente após Maria e os
Anjos. Fecha o Velho Testamento e anuncia o Novo[12].
Fuga para o Egito |
Retorno a Nazareth |
Vida em Nazareth By Esteban Murillo |
S. Bernardo: “Foi — eu digo — o servo fiel e prudente que [Deus] constituiu Senhor, conforto de sua Mãe, nutrício de sua carne; o único, enfim, sobre a terra, coadjutor de grande conselho”[16].
O dominicano Isidoro De Isolanis: “São quatro as propriedades da dignidade apostólica: o anúncio (como no último capítulo de S. Mateus: ‘Ide e pregai o Evangelho a todas as criaturas’), a iluminação (S. Mateus, 5: ‘Vós sois a luz do mundo’), a reconciliação (‘A quem perdoardes os pecados serão perdoados’, último cap. de S. Marcos), e a locução do Espírito Santo (‘Não sois vós que falais, mas é o Espírito de meu Pai que fala em vós’, João 15). Estas propriedades são digníssimas, porque vêm imediatamente de Cristo, estão sob sua autoridade, e são por motivo dele. As propriedades de S. José, entretanto, foram o matrimônio com a Rainha dos Céus, o nome de Pai do Rei dos Anjos, a defesa do Messias prometido na lei dos Judeus, a educação do Salvador de todos. Estas propriedades lhe provêm imediatamente em relação e por causa de Cristo. Quem, então, sendo dotado de inteligência, considerada a verdade da Revelação divina, pode investigar, argumentar e tirar conclusões da comparação entre a majestade da vocação apostólica e a celeste dignidade de José, pode [portanto] compreender quanta seja a sua excelência, dignidade, santidade e inexplicável perfeição de virtude. Medita no fundo de teu coração e não encontrarás modo de depreciar ou abaixar para junto de ti a majestade do fastígio apostólico, todavia Deus será exaltado nos dons escondidos de seu Pai putativo”[18]; do mesmo modo Suarez[19] e muitos outros autores, como Mons. Giacomo Sinibaldi, que admiravelmente desenvolve e especifica o argumento relativo à ordem da União Hipostática[20].
É o que Bossuet exprime admiravelmente no primeiro panegírico sobre o grande Santo, quando no terceiro ponto, diz: “De todas as vocações, enfatizo duas, que, nas Escrituras, parecem diretamente opostas: a primeira, a dos Apóstolos, a segunda, a de S. José. Jesus é revelado aos Apóstolos para que o anunciem em todo o mundo. Ele é revelado a José para calá-lo e escondê-lo. Os Apóstolos são luzes para mostrar Jesus ao mundo. José é um véu para cobri-lo. Sob este véu misterioso está escondida a virgindade de Maria e a grandeza do Salvador das almas (...). Quem glorifica os Apóstolos pela honra da pregação, glorifica José pela humildade do silêncio”. A hora da manifestação do mistério do Natal, de fato, ainda não chegara. Este momento deve ser preparado por trinta anos de vida encoberta.
Qual foi a sua missão especial em relação a
Maria SS.? Consistiu,
principalmente, em preservar a virgindade e a honra de Maria, em contrair com a
futura Mãe de Deus um verdadeiro matrimônio, mas absolutamente santo. Como nos
refere o Evangelho de S. Mateus 1,20, o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José
e lhe disse: “José, filho de Davi, não
temas receber contigo Maria, tua esposa, porque aquele que está nEla vem do
Espírito Santo”. Maria é sua esposa de verdade.
Trata-se de um verdadeiro
matrimônio[21], mas todo celeste, e que devia ter uma
fecundidade divina[22]: “A
prole não é chamada bem do matrimônio — escreve S. Tomás — só porque gerada por meio do matrimônio, mas porque no matrimônio
é acolhida e educada; e, assim, o bem daquele matrimônio foi aquela prole, mas
não no primeiro modo. O que nasceu de um adultério, ou um filho adotivo, que é
educado no matrimônio, não são bem do matrimônio, porque este não é ordenado à educação daqueles, como, ao invés, este
matrimônio (de Maria e José) foi especialmente ordenado a este fim, ou seja, que
aquela prole fosse acolhida e educada neste”. A plenitude inicial de graça
dada à Virgem em vista da divina maternidade lembrava, em certo sentido, o
mistério da Encarnação. “A Beata Virgem
(...) mereceu, pela graça que lhe foi dada, aquele grau de santidade e de
pureza que fosse côngruo à sua condição de Mãe de Deus (...) como também os
Santos Padres (do Velho Testamento) mereceram, por suas orações e desejos, em
modo côngruo, a Encarnação”[23]. Como diz Bossuet: “É a virgindade de Maria, que atrai Jesus do céu (...). Se é esta pureza
que a torna fecunda, e não temo afirmar que José tem sua parte neste grande milagre.
Porque, se essa pureza angélica é o bem da divina Maria, é também o depósito do
justo José”[24].
O Trânsito de S. José |
O Doutor
Angélico o estabeleceu, questionando-se (III,
q, 29, a. 1) se Cristo devia nascer de uma Virgem que havia contraído um
verdadeiro matrimônio. Respondeu afirmativamente: que devia nascer assim, seja
por Cristo, seja por sua Mãe, seja por nós.
Isso era
demasiado conveniente para o próprio Nosso Senhor, para que não fosse
considerado, antes de manifestar o mistério do seu nascimento, como um filho
ilegítimo, e porque devia ser protegido na sua infância. Para a Virgem não era
menos conveniente, para que não fosse considerada culpada de adultério e, por
isso, apedrejada pelos hebreus, como observou S. Jerônimo, e para que ela
também fosse protegida no meio das dificuldades e das perseguições que deveriam
iniciar com o nascimento do Salvador. Isso, como acrescenta S. Tomás, foi
também muito conveniente para nós, porque, graças ao testemunho insuspeito de
S. José, apreendemos a concepção virginal de Cristo. Segundo a ordem dos
assuntos humanos, o seu testemunho admiravelmente confirma para nós o de Nossa
Senhora. Finalmente, era soberanamente conveniente porque em Maria encontramos,
ao mesmo tempo, seja o perfeito modelo dos Virgens, seja o das esposas e das
mães cristãs.
Assim se
explica que, de acordo com muitos autores, o
decreto eterno da Encarnação, em relação ao fato que devia se realizar hic et nunc, naquelas determinadas
circunstâncias, compreendeu não só Maria e Jesus, mas também o próprio S. José.
Desde toda a eternidade havia sido decidido, de fato, que o Verbo de Deus
encarnado nasceria milagrosamente de Maria sempre Virgem, unida ao justo José
pelos laços de um verdadeiro matrimônio. A execução deste decreto providencial
é assim expresso por S. Lucas 1,27: “O
anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a
uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David, e o nome da
Virgem era Maria”.
S. Bernardo
chama S. José de fidelíssimo cooperador
de grande conselho. É por isso que Mons. Sinibaldi, depois de Suarez e
muitos outros, afirma que o ministério de S. José é contíguo, de certa forma, à
ordem da União Hipostática. Não porque S. José tenha cooperado intrinsecamente,
como instrumento físico do Espírito Santo, à realização do Mistério da
Encarnação. Deste ponto de vista, seu papel é muito inferior ao de Nossa
Senhora, Mãe de Deus. Mas ele foi predestinado a ser, na ordem das causas
morais, o guardião da virgindade e da honra de Maria e, ao mesmo tempo, o
protetor do Menino Jesus. Qualquer cooperação física, mesmo instrumental, é excluída em S. José. As palavras do Credo “concebido do Espírito Santo” sempre
foram entendidas no sentido de “unicamente
do Espírito Santo”[28].
Escreve S. Efrem: “Filho de Davi, José desposou uma filha de David, de quem teve uma prole
sem intervenção humana (...). Teria sido certamente algo torpe que Cristo
tivesse sido concebido de semente de homem, e tampouco honesto (...). Maria deu
à luz um filho que, não com seu nome, mas com o de José foi contado[29],
embora não derivasse de sua semente. Nasceu sem José o filho de José, que foi
ao mesmo tempo filho e pai de David (...). O Evangelho chama Maria com o nome
de Mãe, não de nutriz. Mas também chama José de pai, embora não tenha tido
parte alguma na geração de Jesus (...). Mas o simples nome não nos torna tais
por natureza; assim, de fato, muitas vezes, chamamos de pais não os genitores,
mas aqueles que são dignos de reverência por causa de sua idade. Todavia, a
natureza tributou a José o nome de pai; um pai, no entanto, que não gerou”[30]. Os termos “sem intervenção humana” e “sem
José” excluem totalmente uma ação física, mesmo que apenas instrumental, por parte de S. José. Por sua vez,
diz S. Agostinho: “O Senhor, portanto,
não nasceu da semente de José, embora assim se pensasse, e, todavia, o filho de
Maria Virgem nasceu por causa da caridade e da piedade de José”[31]. O verdadeiro sentimento da Igreja é expresso
de modo admirável por S. Francisco de Sales, sob o símbolo (do palmeiral) que
se encontra em S. Efrem: “S. José foi,
então, como uma palmeira, que é uma planta infrutífera, mas que não é por isso
infrutuoso (...). S. José, de fato, não contribuiu de modo algum para este
santo e glorioso nascimento, a não ser com a mera sombra do matrimônio, que
preservou a Nossa gloriosa Senhora e Mestra de toda a calúnia”[32].
O culto devido a S. José não supera especificamente aquele de dulia dos outros santos, mas tudo leva a crer que ele mereça[33] receber este culto de dulia mais do que todos os outros santos[34]. Por isso, a Igreja, em suas orações, diz seu nome imediatamente após a Virgem e antes dos Apóstolos, como, por exemplo, na oração A cunctis[35]. Se S. José não é nomeado no Cânon da Missa[36], tem, todavia um Prefácio especial, e o mês de março lhe é consagrado.
O culto devido a S. José não supera especificamente aquele de dulia dos outros santos, mas tudo leva a crer que ele mereça[33] receber este culto de dulia mais do que todos os outros santos[34]. Por isso, a Igreja, em suas orações, diz seu nome imediatamente após a Virgem e antes dos Apóstolos, como, por exemplo, na oração A cunctis[35]. Se S. José não é nomeado no Cânon da Missa[36], tem, todavia um Prefácio especial, e o mês de março lhe é consagrado.
Recentemente,
em um discurso proferido na sala Consistorial, no dia da festa de S. José, em
19 de março de 1928, Papa Pio XI comparava a vocação de S. José à de S. João
Batista e à de S. Pedro: “É sugestivo ver
surgir tão próximas e brilhar, quase simultaneamente, certas figuras tão
magnífica: S. João Batista que se ergue do deserto, com sua voz tão poderosa e
ao mesmo tempo suave, como o leão que ruge e como o amigo do Esposo que se
alegra com a glória do Esposo, para oferecer, enfim, aos olhos do mundo a
maravilhosa glória do mártir. São Pedro, que ouve do divino Mestre estas
sublimes palavras, que também foram pronunciadas diante do mundo e dos séculos:
‘Tu és Pedro, e sobre esta pedra Eu edificarei a minha igreja’, ‘ide e pregai
ao mundo todo’; missão grandiosa, divinamente resplandecente. Entre estas duas
missões, surge a de S. José, que, ao contrário, passa recolhida, tácita, quase
despercebida, desconhecida, na humildade, no silêncio; um silêncio que viria a se
iluminar apenas alguns séculos depois e que viria a suceder, mas depois de
séculos, um retumbante canto de glória. E, de fato, onde mais profundo é o
mistério e mais densa a noite que o cobre, onde mais profundo o silêncio,
justamente ali é mais alta a missão e mais rico o conjunto de virtudes que lhe
são necessárias, e do mérito que devia, por feliz necessidade, lhe
corresponder. Missão única, grandiosa, a missão de guardar o Filho de Deus, o
Rei do mundo; a missão da custodiar a virgindade, a santidade de Maria; a
missão única de entrar em participação do grande mistério escondido [aos olhos]
dos séculos, e de cooperar também à Encarnação e à Redenção. Toda a santidade
de José está, precisamente, na realização fiel até o escrúpulo dessa missão tão
grande e tão humilde, tão alta e tão escondida, tão esplêndida e tão envolta em
escuridão”[37].
Ainda Pio
XI, por ocasião de um discurso de exaltação à Veneravel Andrea Fournet e às
Ven. Lucia Filippini e Antida Thouret, em 21 de abril de 1926: “Eis um Santo que entra na vida, e a vida
transcorre no cumprimento do mais alto mandato divino, no mandato incomparável
de vigiar a pureza de Maria, de proteger a divindade de Jesus Cristo, de
tutelar, consciente cooperador, o mistério, o segredo a todos ignoto, exceto à
Santíssima Trindade, o da Redenção do gênero humano. É na magnitude deste
mandato que está a singular e absolutamente incomparável santidade de S. José;
porque realmente a nenhuma outra alma, a nenhum outro santo tal mandato foi
confiado, e entre S. José e Deus não vemos, nem podemos ver nada mais do que
Maria Santíssima com a Sua divina Maternidade. É evidente que este Santo na
altura de tal mandato já possuía o título daquela glória que é Sua, a glória de
Patrono da Igreja Universal. Toda a Igreja, na verdade, já estava lá, resumida
junto dele, como uma semente em germe já fecunda, na humanidade e no Sangue de
Jesus Cristo; toda a Igreja já estava lá na virginal maternidade de Maria
Santíssima Mãe de Jesus e Mãe de todos os fieis, que aos pés da Cruz viria a
herdar no Sangue do Seu primeiro Filho Jesus. Tão pequena à vista dos olhos,
mas tão grande ao olhar do Espírito, a Igreja já estava lá junto de S. José,
quando Ele era, na Sagrada Família, o Guardião e o Pai tutelar dEla”[38].
Estas são, sobretudo, as virtudes da vida oculta e em um grau a ele correspondente da graça santificante: uma profunda humildade; uma fé penetrante, que nunca se desanima; uma esperança inabalável; e, sobretudo, uma caridade imensa, que aumenta sem cessar em contato com Jesus; a bondade mais delicada para com os pobres, rica em sua pobreza dos maiores dons de Deus, dos sete dons do Espírito Santo, no mesmo grau de sua caridade[39]. A Ladainha diz: “José justíssimo, castíssimo, prudentíssimo, fortíssimo, obedientíssimo, fidelíssimo, espelho da paciência, amante da pobreza, exemplo dos trabalhadores, honra da vida doméstica...”.
A sua fé
viva foi, em alguns dias, dolorosa por causa da escuridão na qual pressentia
algo grande demais para ele, especialmente quando ignorava ainda o segredo da
concepção virginal, que a humildade de Maria mantinha escondida: “José não quis repudiar Maria para desposar
outra mulher ou por alguma suspeita, mas porque temia, por reverência, de
coabitar com tão grande santidade, motivo pelo qual lhe foi dito: ‘Não tema’
(...)”[40]. As palavras de Deus transmitidas pelo Anjo
lançam luz e anunciam o nascimento milagroso do Salvador. José poderia ter
hesitado em acreditar em algo tão extraordinário, mas ele acreditou firmemente
na simplicidade do seu coração, e esta graça insigne, longe de ensoberbecê-lo, o
confirma para sempre na humildade. Por
que, se diz, logo a mim, José, ao invés de
qualquer outro homem, o Todo-Poderoso confiou esse infinito tesouro a guardar?
Ele vê claramente que não poderia merecer um dom semelhante. Compreende toda a
gratuidade da predileção divina a seu respeito. É o beneplácito divino
soberanamente livre que tem em si mesmo a sua razão. Esclarecem-se, ao mesmo
tempo, as profecias, e a fé do carpinteiro se engrandece em proporções
prodigiosas.
III. As virtudes sobrenaturais e os dons de S. José
Estas são, sobretudo, as virtudes da vida oculta e em um grau a ele correspondente da graça santificante: uma profunda humildade; uma fé penetrante, que nunca se desanima; uma esperança inabalável; e, sobretudo, uma caridade imensa, que aumenta sem cessar em contato com Jesus; a bondade mais delicada para com os pobres, rica em sua pobreza dos maiores dons de Deus, dos sete dons do Espírito Santo, no mesmo grau de sua caridade[39]. A Ladainha diz: “José justíssimo, castíssimo, prudentíssimo, fortíssimo, obedientíssimo, fidelíssimo, espelho da paciência, amante da pobreza, exemplo dos trabalhadores, honra da vida doméstica...”.
Já a perseguição começa. Herodes tenta matar o Messias. O Chefe da Sagrada Família, avisado por um anjo, é forçado a fugir para o Egito, com Maria e o Menino Jesus. Pobre artesão, sem outro recurso que o seu trabalho, parte para esse país distante, onde ninguém o conhece. Parte, forte na fé no Verbo de Deus transmitida pelo Anjo. É a sua missão: deve esconder Nosso Senhor, subtrai-lo de seus perseguidores, e voltará a Nazaré apenas quando o perigo tiver cessado. José é o ministro e o protetor da vida oculta de Jesus, como os Apóstolos são os ministros de sua vida pública.
Após a contemplação da Beatíssima Virgem, não teríamos, talvez, aqui na terra, nada semelhante à contemplação simples e amante do humilde carpinteiro, quando olhava para Jesus. Por graça, havia recebido os sentimentos do mais devoto e delicado pai e protetor, e era amado por Jesus, menino e adolescente, com uma ternura, uma gratidão e uma intensidade que se poderia encontrar apenas no coração de Deus. Um olhar de S. José sobre Jesus lembrava ao humilde artesão o mistério de Belém, o exílio no Egito, o grande mistério da salvação do mundo. A ação incessante do Verbo Encarnado sobre José era a ação criadora, que conserva a vida depois de tê-la dado: “o amor de Deus, que infunde e conserva a bondade nas coisas”, como diz S. Tomás[41], a ação sobrenatural, fecunda de graças sempre novas. É impossível encontrar maior magnitude em uma simplicidade tão perfeita.
Tal como no profeta José do Velho Testamento, vendido por seus irmãos e figura de Cristo, havia nele [José] a mais alta contemplação na forma mais simples, a contemplação divina, toda penetrada pelo puro amor da caridade. Levava no coração o maior segredo, o da Encarnação redentora. O momento de revelá-lo ainda não havia chegado. Os Judeus não teriam compreendido, não teriam acreditado, e a maior parte deles esperava um Messias temporal, carregado de glória, e não um Messias pobre e sofredor como nós. A presença de S. José cobre este mistério: Jesus era chamado o filho do carpinteiro. O pobre artesão tinha em sua casa o Verbo de Deus encarnado, possuía o Desejado das nações, anunciado pelos profetas, mas não dizia nada. Era testemunha deste mistério, regozijava-se em segredo e silenciava.
Esta
contemplação muito amorosa era muito doce para S. José, mas exigia dele também
a maior abnegação; abnegação que chegava até o mais doloroso sacrifício, quando
lhe voltavam à mente as palavras de S. Simeão: “Esse menino será um sinal de contradição”, e aquelas ditas a Maria,
“e uma espada vos traspassará a alma”.
A aceitação do mistério da Redenção através do sofrimento parecia a S. José
como a consumação dolorosa do mistério da Encarnação, e exigia toda a
generosidade do seu amor para oferecer a Deus, em sacrifício supremo, o Menino
Jesus e a Sua santa Mãe, que ele amava incomparavelmente mais do que sua
própria vida. Ele não ofereceu o Sacrifício eucarístico, mas muitas vezes
ofereceu o Menino Jesus ao Pai Eterno por nós. Como disse o Abade Sauvé: “Não vendo que a vontade de Deus, S. José
recebeu dela, com a mesma simplicidade, seja as alegrias mais profundas, seja
as provas mais cruéis”.
Roma. Angélico. 1929.