Santo Afonso Maria de Ligório
(27/09/1696 - 02/08/1787)
Bispo de Santa Àgata
Confessor
Doutor Zelosíssimo da Igreja
Fundador dos Missionários Redentoristas
Bispo de Santa Àgata
Confessor
Doutor Zelosíssimo da Igreja
Fundador dos Missionários Redentoristas
A Selva
SEGUNDA PARTE - MATERIAIS PARA AS INSTRUÇÕES
NONA INSTRUÇÃO
Sobre a mortificação exterior
I - Necessidade da mortificação exterior
Ensina S. Gregório de Nazianzo que ninguém é digno de ser ministro de Deus e de oferecer o sacrifício do altar, se não começar por se sacrifica a Deus por completo1. Tal é também a linguagem de Sto. Ambrósio: É verdadeiramente agradável a Deus o sacrifício, quando começamos por nos oferecermos como hóstias, para depois sermos dignos de apresentar as nossas oferendas2. E o próprio Redentor disse: Se o grão de trigo não cair na terra e nela não morrer, permanecerá só; mas, se morrer, produzirá muito fruto 3.Assim, quem quer produzir frutos de vida eterna, deve morrer a si próprio, isto é, nada desejar para sua própria satisfação, e aceitar tudo quanto mortifique a carne4. Quem está morto para si mesmo, diz Lansperge, deve viver neste mundo como se não visse nem ouvisse nada, como se nada lhe pudesse causar dor ou prazer, senão Deus.
Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem a perder por mim, tornará a readquiri-la5. Ó ditosa perda, exclama Sto. Hilário, perder todos os bens deste mundo, e até a vida para seguir a Jesus Cristo e alcançar a vida eterna!6 No sentir de S. Bernardo, se outra razão não tivéramos para nos darmos inteiramente a Deus, deveria bastar-nos o saber que ele se deu todo a nós7. Ora, para nos darmos por completo a Deus, temos que desapegarnos de todas as afeições terrenas. Quanto menos desejarmos os bens da terra, diz Sto. Agostinho, mais amaremos a Deus; ama-o perfeitamente quem nada deseja8.
Na instrução procedente, falamos da mortificação interior; falaremos agora da exterior que consiste na mortificação dos sentidos. Também esta é necessária, porque, em conseqüência do pecado, temos conosco uma carne inimiga, que combate contra a razão. Era dessa luta que o Apóstolo9 se lamentava: Sinto nos meus membros outra lei contrária à lei do meu espírito; quer dizer, segundo Santo Tomás: a concupiscência da carne, que contraria a razão10. Se a alma não dominar o corpo, será dominada por ele. Deu-nos Deus os sentidos para que nos sirvamos deles, não segundo os nossos caprichos, mas segundo a sua vontade. Devemos pois mortificar os nossos apetites, que são contrários à lei de Deus.
Os que pertencem a Jesus Cristo, têm crucificado a sua carne com os seus vícios e concupiscências11. Tal a razão por que os santos se têm dado com tanto ardor a macerar a sua carne. S. Pedro de Alcântara tomou a resolução de jamais conceder ao seu corpo satisfação alguma, e cumpriu-a até à morte. S. Bernardo de tal modo, maltratava o seu, que lhe pediu perdão ao expirar. “É um erro pensar, dizia Sta. Teresa, que Deus admita na sua amizade pessoas que procuram as suas comodidades 12. — As almas que amam verdadeiramente a Deus, não sabem pedir-lhe descanso13”. E segundo Sto.Ambrósio, quem não renuncia à satisfação do seu corpo, não pode agradar a Deus14. Quem sujeita o espírito à carne, diz Sto. Agostinho, é um monstro que caminha com a cabeça para baixo e os pés para cima15. Nascemos para coisas mais altas, do que para sermos escravos da nossa carne; era16 Sêneca, um pagão, que assim falava. Quanta mais razão temos nós para falar esta linguagem, nós que, alumiados pela fé, sabemos que fomos criados para gozar de Deus eternamente! S. Gregório diz que transigir com os apetites da carne, outra coisa não é que alimentar inimigos17.
Santo Ambrósio deplora a desgraça de Salomão, que teve a glória de edificar o templo de Deus, mas melhor tinha feito se conservasse para Deus o templo do seu corpo; porque deixou perder o seu corpo, a sua alma e o seu Deus, para contentar as suas inclinações18. Devemos tratar o nosso corpo como um cavalo fogoso, ao qual nunca se afrouxa o freio. De mais, segundo S. Bernardo, devemos opor-nos aos apetites do nosso corpo, como o médico aos desejos do doente, quando este lhe pede o que não convém, e recusa fazer o que lhe é útil para a saúde. Não seria cruel o médico se, por condescendência com o doente, lhe permitisse arriscar a vida? Do mesmo modo, não é lisonjeando a nossa carne que temos caridade com ela; entendamos bem que nunca fomos tão cruéis para conosco próprios como quando, por um momento de prazer, dado aos sentidos, condenamos a nossa alma a um suplício eterno; é assim que fala S. Bernardo19. Numa palavra, é necessário que mudemos de gostos e pratiquemos o que N. Senhor dizia um dia a S.Francisco de Assis: “Se me desejas, toma as coisas amargas por doces, e as doces por amargas”.
Vejamos os frutos da mortificação exterior.
Em primeiro lugar, livra-nos das penas devidas aos nossos prazeres culposos, penas que nesta vida são muito mais leves que na outra. Conta Sto. Antonino que um anjo dera a escolher a um doente ou três dias de purgatório, ou dois anos no seu leito, com a moléstia que estava sofrendo. O doente escolheu os dias de purgatório; mas, passada apenas uma hora, logo se queixou ao anjo de o ter feito sofrer tantos anos naqueles momentos, tendo-lhe anunciado somente três dias. O anjo respondeu-lhe: “Que dizeis?Ainda o vosso corpo está quente no leite mortuário, e já falais em anos!”Quereis escapar ao castigo, pergunta S. João Crisóstomo? Sêde o vosso próprio juiz: arrependei-vos e corrigi-vos20.
Em segundo lugar, a mortificação desapega a alma das afeições terrenas, e fá-la entrar nas disposições necessárias para se unir a Deus. Dizia S. Francisco de Sales, que jamais a alma poderá elevar-se para Deus, se a carne não for mortificada e dominada. Foi também o que disse S. Jerônimo21. Em terceiro lugar, a penitência faz-nos adquirir os bens eternos, como S.Pedro de Alcântara e revelou do alto do Céu a Sta. Teresa, por estas palavras: Ó feliz penitência que me valeu tamanha glória!22
Por isso os santos trabalharam de contínuo em macerar a sua carne, o mais possível. S. Francisco de Borja dizia que morreria sem consolação, no dia em que não tivesse mortificado o seu corpo com alguma penitência. Uma vida de prazeres adocicados não pode ser a dum cristão.
II - Prática da mortificação exterior
Se não tivermos coragem para mortificar o nosso corpo com grandes austeridades, pratiquemos ao menos algumas pequenas mortificasses. Suportemos com paciência as penas que nos advierem, por exemplo: este incômodo, esta vigília, este cheio desagradável, quando assistimos aos doentes, que vamos confessar nas prisões, quando ouvimos de confissão os pobres, e outras coisas semelhantes. Ao menos privemo-nos, de tempos a tempos, de algum prazer permitido. O que se permitem tudo que é lícito, diz Clemente de Alexandria, em breve passam ao que lhes não é lícito23. É difícil que permaneça por muito tempo sem abraçar as coisas más, quem se entrega a todas as satisfações permitidas por si mesmas. — Um grande servo de Deus, o Pe. Vicente Carafa, da Cia. de Jesus, dizia que o Senhor nos dera as delícias deste mundo, não para gozarmos delas, mas para nos tornarmos agradáveis aos seus olhos, pela oferenda dos seus próprios dons, privando-nos deles para lhe testemunharmos o nosso amor. Por outro lado, como nota S.Gregório24, não temos dificuldade em nos abstermos dos prazeres proibidos, quando estamos habituados a privarmo-nos dos permitidos.Mas falemos das mortificasses particulares, que podemos impor aos nossos sentidos, principalmente à vista, ao gosto e ao tato.
1. Da vista e de todo o exterior
Primeiro que tudo, devemos mortificar a vista. Os primeiros dardos que ferem uma alma casta, e por vezes lhe dão a morte, entram pelos olhos, nota S. Bernardo25. E um profeta disse: Foi o meu olhar que assolou a minha alma26.É por meio dos olhos que os pensamentos culposos são excitados no espírito.Dizia S. Francisco de Sales: “O que não se vê não se deseja”. Assim, o demônio move primeiro a tentação de olhar, depois de desejar, e enfim de consentir. Tal foi o processo que seguiu até com o nosso Salvador; depois de lhe ter mostrado os reinos do mundo, tentou-o dizendo-lhe: Todas estas coisas te darei, se te prostrardes diante de mim e me adorares27. O que Satanás não conseguiu com Jesus Cristo, tinha-o obtido com Eva: Viu a mulher que o fruto era bom para comer, agradável aos olhos e de aspecto atraente; colheu o fruto e comeu-o28.
Diz Tertuliano que certos olhares furtivos são o princípio das maiores desordens29. E S. Jerônimo ajunta que os olhos são como ladrões, que quase nos arrastam à força para o pecado30. Devem-se fechar pois as portas da praça se se quer que o inimigo não entre nela. O abade Pastor, por ter olhado uma mulher, foi atormentado de maus pensamentos durante quarenta anos.Do mesmo modo S. Bento, por ter levantado os olhos para uma mulher, quando ainda estava no mundo, a tal ponto foi tentado que, para vencer mesmo no deserto, se arremessou entre espinhos; só por esse meio conseguiu triunfar.O mesmo S. Jerônimo, no seu retiro de Belém, foi por longo tempo assaltado de pensamentos impuros, ao recordar-se de certas mulheres que tinha visto em Roma. Permaneceram vitoriosos os grandes santos, graças ao socorro de Deus que, por suas orações e penitências alcançaram; mas quantos outros a quem os olhos fizeram cair miseravelmente! Foram os olhos que causaram a queda de Davi e também de Salomão. Fica-se tomado de horror ao ler o que Sto. Agostinho refere de Alípio: foi ao teatro com a resolução de não olhar: Adero absens, dizia ele; mas depois, tentado a olhar; não só pecou, como até provocou outros para o pecado31.
Sêneca pois tinha razão para dizer que o ser cego é grande auxílio para conservar a iocência32. Não nos é lícito arrancar os olhos para nos privarmos da vista, mas devemos tornar-nos cegos fechando-os, para não vermos o que nos pode levar para o mal: Quem fecha os olhos para não ter maus olhares, há de habitar em lugares elevados33. Assim Jó tinha feito um acordo com os seus olhos, para não olhar nenhuma mulher, com receito de que alguns maus pensamentos o não viessem atormentar34. S. Luís de Gonzaga não ousava erguer os olhos para sua mãe. S. Pedro de Alcântara abstinha-se de olhar até os seus irmãos de religião, que conhecia pela voz e não pela vista.
O Concílio de Tours diz que os padres se devem resguardar de tudo quanto possa ferir-lhes os olhos ou os ouvidos35. Esta advertência dirige-se especialmente aos padres seculares, que muitas vezes têm de exercer as suas funções em públicas e nas casas dos leigos. Se derem a seus olhos a liberdade de olharem todos os objetos que se lhes apresentarem, dificilmente se conservarão castos. É o Espírito Santo quem nos adverte: Desvia os teus olhos da mulher enfeitada, e não procures ver os atrativos estranhos; a beleza deste sexo tem sido a ruína de muitos homens36. E se por vezes os olhos se distraírem, diz Sto. Agostinho, guardemo-nos ao menos de os fixar sobre objetos perigosos37. Não assistamos por tanto nem a bailes, nem a comédias profanas, ou outras reuniões mundanas, em que se encontrem homens e mulheres. Se a necessidade exigir a nossa presença onde houver mulheres, devemos ter lá particular cuidado em conservar a modéstia dos olhos.
Assistia um dia o Pe. Alvarez à degradação pública dum padre; como ali estavam mulheres, tomou ele nas suas mãos uma imagem da santíssima Virgem e nela conservou fixos os olhos, durante as muitas horas que a cerimônia durou, com receito de que os olhos lhe não caíssem sobre alguma mulher. Logo de manhã ao despertarmos, digamos a nosso Senhor com Davi: Preservai os meus olhos de toda a vaidade 38.
Ó! quanto é proveitoso para nós e edificante para os outros termos os olhos baixos! Vem a propósito aqui um episódio de S. Francisco de Assis, muito conhecido. Disse ele um dia ao seu companheiro que queria ir pregar, e saíram do convento; deram um passeio, sempre com os olhos baixos, e voltaram. — ‘E quando fazeis o vosso sermão, lhe perguntou o companheiro?”— o santo respondeu: “O nosso sermão está feito: consistiu na modéstia dos olhos, de que demos exemplo a este povo”. Conforme nota um autor, dizem os evangelistas, em muitos lugares, que o nosso Salvador, em certas ocasiões ergueu os olhos para olhar: Levantou os olhos para os seus discípulos 39. Tendo Jesus elevado os olhos...40. Dá-se a entender que de ordinário os conservava baixos. Assim S. Paulo punha em relevo a modéstia do seu divino Mestre, quando escrevia: Eu vos conjuro pela doçura e modéstia de Jesus Cristo41.
Diz S. Basílio que é necessário ter os olhos voltados para a terra e a alma elevada ara o céu 42. Segundo S. Jerônimo, é o rosto o espelho da alma, e os olhares têm uma linguagem silenciosa, que deixa escapar os segredos do coração43. E no dizer de Sto. Agostinho, olhos que não sabem conservarse baixos revelam uma coração impuro44. Sto. Ambrósio ajunta que bastam os movimentos do corpo para denunciarem o bom ou mau estado da alma 45.Conta a este propósito que ajuizara mal de dois homens, só por ver a imodéstia do seu andar, e que o seu juízo se confirmara: veio a saber que um era ímpio e o outro herege.
Falando em particular dos homens consagrados a Deus, diz S. Jerônimo que todas as suas ações, discursos, exterior e andar, são um ensinamento para os fiéis46. Daí esta recomendação do Concílio de Trento47: De tal modo devem os eclesiásticos ordenar a sua vida e costumes, que no seu modo de vestir, nos seus gestos e no seu andar, só revelem gravidade e espírito religioso.O mesmo pensamento exprime S. João Crisóstomo, dizendo: É preciso que a alma do padre seja toda resplandecente, para que alumie os que nele põem os olhos48. A todos e em tudo deve o padre dar exemplo de modéstia: nos olhares, no andar, nas palavras, nomeadamente falando pouco e como convém.
O padre deve falar pouco. Quem fala muito com os homens, mostra que fala pouco com Deus. As almas de oração são avaras de palavras; quando se abre a boca do forno, escapa-se o calor. Tomás de Kempis diz: É no silêncio que a alma faz progressos49. E S. Pedro Damião: O silêncio é o guarda da justiça50. O mesmo nos ensina o Espírito Santo: No silêncio e na esperança estará a vossa força51. Está no silêncio a nossa força, porque nunca se fala muito sem algum pecado 52.
Deve o padre falar dum modo conveniente. A vossa boca, diz Sto.Ambrósio, é a boca de Jesus Cristo; guardai-vos de a abrir, não digo só à maledicência e à mentira, mas até às palavras ociosas53. Quando se ama uma pessoa, parece que não se sabe falar senão dela; assim, quem ama a Deus, está sempre disposto a falar de Deus. Lembrai-vos, exclama o abade Gilberto, que a vossa boca está consagrada aos oráculos celestes; olhai como um sacrilégio proferir palavra, que não se refira a Deus54. Santo Ambrósio nos adverte que se falta à modéstia, até falando em tom demasiado alto: Seja a modéstia o regulador da vossa voz, para que não ofendais os ouvidos com um tom demasiado estridente55. Ainda mais, exige a modéstia que nos abstenhamos não só de dizer, mas de escutar qualquer palavra imodesta: Resguardai os vossos ouvidos com uma sebe de espinhos, não escuteis palavras más 56.
A par disto, é necessário que o padre seja modesto no vestir. Vêem-se alguns, diz Santo Agostinho, que para se mostrarem bem vestidos no exterior, se despojam da modéstia interior57. Um vestido de luxo, um casaco curto, botões de ouro nos punhos... e outras coisas semelhantes indicam falta de virtude na alma. Ouçamos S. Bernardo: Os que andam quase nus erguem a sua voz e vos gritam: os bens que desperdiçais pertencem-nos; o que tomais para enfeitardes a vossa vaidade, é às nossas necessidades que o arrebatais58.Sobre este ponto ordenou o 2.º Concílio de Nicéia: Deve o padre contentarse com um vestuário modesto de pouco valor; tudo quanto é inútil e só visa à ostentação, expõe-no à murmuração e à crítica 59.
Deve-se observar a modéstia no cabelo. O papa Martinho proibiu aos clérigos o exercício das suas funções na igreja, desde que não tivessem o cabelo cortado a ponto de conservarem as orelhas descobertas60. À vista disto, que pensaremos daqueles a quem Clemente de Alexandria acusa de serem avaros do seu cabelo, a ponto de o não deixarem cortar senão com reserva?61 Que vergonha, diz S. Cipriano, ver eclesiásticos que trazem uma cabeleira anafada como a das mulheres?62 O próprio Apóstolo censurou este abuso, dizendo que o cuidado do cabelo assim como é uma glória para as mulheres, é uma ignomínia para um homem63. E falava assim de qualquer homem, mesmo secular. Que idéia se há de fazer pois dum eclesiástico, que ostenta uma cabeleira artisticamente cuidada, que frisa o cabelo e porventura até o pulvilha?
Dizia Minúcio Felis que nós, os eclesiásticos, nos devemos dar a conhecer como tais, não pelos adornos do corpo, mas pelos exemplos de modéstia64.Santo Ambrósio diz também que o exterior do sacerdote deve ser tal, que à sua vista o povo se sinta penetrado de respeito para com Deus, de quem ele é ministro65.
2. Do gosto
Falemos em segundo lugar da mortificação do gosto, isto é, da boca. O Pe. Rogacci ensina, no seu Único Necessário, que a máxima parte da mortificação exterior consiste na mortificação da boca. Por isso Sto. André Avelino dizia, que quem aspira à perfeição, deve começar por mortificar a sua boca. Segundo o testemunho de S. Leão, tal há sido a prática dos santos: “Os seus primeiros combates na milícia cristã consistiram em santos jejuns”66. Dizia S.Filipe de Néri a um seu penitente, que era pouco mortificado neste ponto: “Se te não corrigires deste defeito, jamais chegarás à vida espiritual”. Assim, todos os santos têm sido muito atentos em se mortificarem na comida. S. Francisco Xavier não comia senão um pouco de arroz tostado, e S. Francisco Regis um pouco de faria cozida em água. S. Francisco de Borja, sendo ainda secular e vice-rei da Catalunha, só se alimentava de pão e ervas. S. Pedro de Alcântara contentava-se com uma tigela de sopa.
“É necessário comer para viver, dizia S. Francisco de Sales, e não viver para comer”. Pessoas há que parecem viver para comer, fazendo como diz S.Paulo, da sua barriga o seu deus67. Segundo Tertuliano, o vício da gula ou dá a morte, ou pelos menos, obscurece muito todas as virtudes68. Foi a gula que causou a ruína do mundo: pelo prazer de saborear um fruto, Adão se deu à morte a si próprio, e arrastou na sua queda todo o gênero humano. Dum modo particular, por causa do seu voto de castidade, devem os sacerdotes mortificar o gosto. S. Boaventura diz que a intemperança na comida alimenta a impudicícia69. E Sto. Agostinho: Se a alma for como que sufocada pelo excesso da comida, a inteligência se embotará, e a terra do nosso corpo se cobrirá com os espinhos da luxuria70. Daí esta prescrição dos Cânones apostólicos: Os padres que comem demais devem ser depostos71.Quem habitua o seu escravo a viver delicadamente, diz o Sábio, há-de encontrá-lo depois rebelde às suas ordens72. Conforme o aviso de Sto. Agostinho, guardemo-nos de dar à carne forças contra o espírito73. Refere Paládio que S. Macário de Alexandria praticava duras penitências e, como lhe perguntassem porque tratava tão cruelmente o seu corpo, deu esta sábia resposta: Atormento quem me atormenta74. A mesma coisa fazia e dizia S. Paulo: Castigo o meu corpo e o reduzo à escravidão75. Quando a carne não é mortificada, dificilmente obedece à razão. E Santo Tomás diz que o demônio, quando é vencido nas tentações da gula, cessa de tentar pela impureza:Diabolus, victus de gula, non tentat de libidine. O Pe. Cornélio acrescenta que, vencida a gula, é fácil triunfar de todos os outros vícios76. De ordinário porém, nota Luís de Blois, o grande número vence mais facilmente os outros vícios que a gula77.
Mas objeta-se: Deus criou os alimentos para que gozássemos deles. — Respondo: Criou-os Deus para que sirvam à conservação da nossa vida, segundo as necessidades, e não para que abusemos deles pela intemperança.E quanto a certas iguarias delicadas, que não são necessárias à sustentação da vida, também o Senhor as criou, para que nos mortifiquemos algumas vezes pela privação delas. O fruto que Deus proibiu a Adão, tinha sido criado para que Adão se abstivesse dele. Preservemo-nos da intemperança ao menos.
Para observarmos a temperança, diz S. Boaventura, temos quatro coisas a evitar:
1.º - comer fora do tempo;
2.º - comer com demasiada sofreguidão;
3.º - comer em excesso;
4.º - comer iguarias delicadas 78. Que vergonha ver um padre habituado a procurar tais ou tais comidas, preparadas de tal ou tal modo, e quando não as encontra ao gosto da sua sensualidade, incomodar criados e parentes, pôr a casa toda em revolução! Os padres virtuosos contentam-se com o que lhes servem.
Notemos ainda o que diz S. Jerônimo: Um eclesiástico torna-se desprezível, desde que aceite com freqüência convites para jantar79. Os padres exemplares evitam os grandes jantares, em que de ordinário se não observa nem a modéstia nem a temperança. É necessário, ajunta o mesmo santo, que os leigos encontrem em nós antes consoladores nas suas penas, que convivas nos dias de prosperidade.
3. Do tato
Em terceiro lugar, quanto ao sentido do tato, é necessário, primeiro que tudo, que evitemos toda a familiaridade com pessoas do outro sexo, embora parentas. — São minhas irmãs, minhas sobrinhas. — Sim, mas são mulheres.Os confessores prudentes têm razão em proibir às suas penitentes que lhes beijem mesmo a mão.
Com respeito a este sentido, importa ainda notar que o sacerdote corre maior perigo, se não usar consigo de toda a cautela e modéstia. Eis o que o Apóstolo nos recomenda: Saiba cada um de vós guardar o vaso da sua carne na santidade a sua honra, e abster-se de satisfazer aos apelidos desordenados 80.
Costumam também os padres fervorosos impor-se algumas penitências, como tomar a disciplina ou trazer algum cilício. Alguns há que desprezam estes meios, sob o pretexto de que a santidade consiste na mortificação da vontade. O que eu vejo é que todos os santos têm sido ávidos de penitências, e atentos quanto possível a mortificar a sua carne. S. Pedro de Alcântara trazia aos seus ombros uma grande placa de ferro esfuracado que lhe dilacerava a carne. S. João da Cruz usava uma camisola, armada de pontas de ferro, com uma cadeia de ferro, que no momento da morte lhe não puderam tirar, e lhe arrancava bocados de carne. E dizia: “Se alguém ensinar uma doutrina, que leve ao relaxamento na mortificação da carne, não se lhe deve dar crédito, ainda mesmo que a confirme com milagres”81.
Verdade é que a mortificação interior é a mais necessária, mas a exterior também o é. Quando tentavam dissuadir S. Luís Gonzaga das suas austeridades, dizendo-lhe que a santidade consiste em vencer a própria vontade, deu uma sábia resposta, servindo-se das palavras do Evangelho: É necessário praticar uma sem desprezar a outra82. À teresiana Maria de Jesus disse o Senhor: “Foi pelos prazeres que o mundo se perdeu, e não pelas penitências”.Mortificai o vosso corpo, escrevia Sto. Agostinho, e vencereis o demônio83.É sobretudo contra as tentações impura que os santos têm empregado como remédio as macerações da carne. S. Bento e S. Francisco, assaltados por essas tentações, rolaram-se em espinhos. Eis uma comparação que nos oferece o pe. Rodriguez: “Imaginai um homem que se encontrasse envolvido nas roscas duma serpente, que procurasse sem cessar dar-lhe a morte, com as suas mordeduras envenenadas; se ele não pudesse tirar a vida a esse reptil, forcejaria ao menos por lhe fazer perder sangue e enfraquecê-la, para a tornar incapaz de grandes malefícios”.
Diz Jó que a sabedoria não se encontra no meio dos prazeres terrenos: Não lhe conhece o homem o valor, nem ela se encontra nas regiões dos que vivem nas delícias84. Num lugar diz o Esposo dos Cânticos que habita no monte da mirra85, e noutro que vive no meio dos lírios86. O abade Gilberto concilia estas duas passagens, dizendo que o monte da mirra, onde se mortifica a carne, é precisamente o lugar em que nascem e se conservam os lírios da pureza87. E, se alguma vez se ofendeu a castidade, a razão exige que depois se castigue a carne: Assim como pusestes os vossos membros a serviço das inclinações impuras, para praticardes a iniqüidade, assim agora ponde os vossos membros ao serviço da justiça, para fazerdes obras de santidade 88.
4. Das penas que sobrevêm naturalmente
Se não temos coragem para nos impormos mortificasses voluntárias, cuidemos ao menos de receber com resignação as que Deus nos enviar, como as moléstias, o calor e o frio.
Tendo chegado muito tarde a um colégio da Companhia, foi obrigado S.Francisco de Borja a permanecer ao ar livre, durante a noite, exposto a um frio intenso e à neve que caía. Chegada a manhã, ficaram aflitos os Padres do colégio, mas o santo lhes disse que toda a noite tinha gozado duma grande consolação, por se lembrar que era Deus que se comprazia em lhe enviar aquele vento gelado e aqueles flocos de neve.
“Correi, Senhor, correi, exclama S. Boaventura, correi e feri os vossos servos com feridas sagradas, para os pordes ao abrigo das feridas da morte”89.A seu exemplo, nas nossas doenças e aflições, devemos igualmente dizer: Feri-nos, Senhor, com golpes salutares, para que, escapemos aos golpes mortais da carne. — Ou também com S. Bernardo: “Seja torturado este corpo, que desprezou a Deus! Se sois discreto, deveis exclamar: Ele mereceu a morte, que seja crucificado!”90 Sim, meu Deus, é justo que seja afligido quem vos afligiu! Mereço a morte eterna; quero pois ser crucificado nesta vida, para não ser atormentado eternamente na outra!
Suportemos assim ao menos as penas que Deus nos enviar. Com razão porém nota um autor que dificilmente se sofrem com perfeita resignação as penas inevitáveis, quando nenhumas se tomam voluntárias. Por outro lado, diz Sto. Anselmo que Deus deixará de castigar o pecador, que a si próprio se castiga, em expiação dos pecados91.
III - Vantagens duma vida mortificada
Há quem imagine que uma vida mortificada é uma vida infeliz; mas não, a vida infeliz; mas não, a vida infeliz não é a dos que se mortificam; é antes a dos que cedem aos seus apetites, ofendendo a Deus. Quem houve já que tivesse paz resistindo-lhe?92 Uma alma em pecado é um mar tempestuoso93.Quem não está em paz com Deus, diz Sto. Agostinho, é inimigo de si mesmo e a si próprio se faz guerra94. O que nos põe em guerra conosco mesmos e nos torna desgraçados são as satisfações que damos ao nosso corpo: Donde nascem as vossas guerras e discórdias? Não está a origem delas nas paixões que se debatem na vossa carne95.
Escutemos ao contrário esta promessa do Senhor: Hei de dar ao vencedor um maná escondido96. Aos amantes da mortificação faz Deus saborear as doçuras duma paz, desconhecida dos sensuais, e que excede todos os prazeres dos sentidos97. Por isso são proclamados felizes os que estão mortos para os gozos terrenos98. Olham os mundanos como desditosos os que vivem estranhos aos prazeres sensuais, mas, no dizer de S. Bernardo, esses apenas fixam os olhos nas mortificasses deles, e não atingem as consolações interiores com que Deus os favorece já nesta vida99. As promessas de Deus são infalíveis: Tomai o meu jugo sobre os vossos ombros... e encontrareis a paz para as vossas almas 100.
Ó! não, para uma alma que ama a Deus, diz Sto. Agostinho, mortificar-se não é uma pena101. Nada acha difícil quem ama, ajunta S. Lourenço Justiniano; esse coraria de falar em dificuldades102. O amor é forte como a morte103 : assim como nada resiste à morte, nada resiste ao amor.
Se queremos gozar das delícias da eternidade, temos que privar-nos dos prazeres do tempo: Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á 104; o que faz dizer a Sto. Agostinho: Guardai-vos de vos amardes a vós mesmos nesta vida, com receio de vos perderdes na vida eterna105. S. João viu todos os bem-aventurados com palmas na mão106. Para nos salvarmos, precisamos de ser todos mártires, ou ao ferro dos tiranos, ou pelas mortificasses que nos infligirmos. Persuadamo-nos bem de que tudo o que sofrermos não é nada em comparação da glória eterna que nos espera107. As penas dum momento hão de valer-nos uma felicidade eterna: Porque estas tribulações momentâneas e leves do presente nos alcançam um galardão eterno de ventura, sem medida108. Tal o fundamento Tal o fundamento da reflexão do Judeu Filon, — que as satisfações que damos ao nosso corpo, em prejuízo da nossa alma, são outros tantos roubos que a nós mesmos fazemos quanto à felicidade do Paraíso109. Por sua vez diz S. João Crisóstomo que, quando Deus nos dá ocasião para sofrermos, dispensa-nos uma graça maior do que se nos concedesse poder para ressuscitar mortos: “Fazendo um milagre contraio uma dívida para com Deus; sofrendo com paciência, torno a Jesus Cristo meu devedor”110. São os santos as pedras vivas de que é construída a celeste Jerusalém111. Ora, antes de serem colocadas no seu lugar, devem essas pedras ser polidas com o cinzel da mortificação, como a Igreja o exprime nos seus cânticos:
Scalpri salubris ictibus,
Et tunsione plurima
Fabri polita malleo,
Hanc saxa molem construunt.
Todo o ato de mortificação é pois uma obra para o Paraíso; deve este pensamento tornar-nos doce tudo quanto na mortificação encontramos de amargo. Para bem vivermos e nos salvarmos, precisamos de viver da fé112, isto é, com os olhos na eternidade que nos espera113. Pensemos, diz Sto.Agostinho, que o Senhor ao mesmo tempo que nos exorta a combater as tentações, dá-nos o seu socorro e nos prepara a coroa114. Ora, conforme nota o Apóstolo, se os atletas se abstinham de tudo quanto podia estorvá-los de alcançar uma miserável coroa temporal, com quanta mais razão não devemos nós morrer a tudo para adquirirmos uma coroa imensa e eterna? 115.
Ensina S. Gregório de Nazianzo que ninguém é digno de ser ministro de Deus e de oferecer o sacrifício do altar, se não começar por se sacrifica a Deus por completo1. Tal é também a linguagem de Sto. Ambrósio: É verdadeiramente agradável a Deus o sacrifício, quando começamos por nos oferecermos como hóstias, para depois sermos dignos de apresentar as nossas oferendas2. E o próprio Redentor disse: Se o grão de trigo não cair na terra e nela não morrer, permanecerá só; mas, se morrer, produzirá muito fruto 3.Assim, quem quer produzir frutos de vida eterna, deve morrer a si próprio, isto é, nada desejar para sua própria satisfação, e aceitar tudo quanto mortifique a carne4. Quem está morto para si mesmo, diz Lansperge, deve viver neste mundo como se não visse nem ouvisse nada, como se nada lhe pudesse causar dor ou prazer, senão Deus.
Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem a perder por mim, tornará a readquiri-la5. Ó ditosa perda, exclama Sto. Hilário, perder todos os bens deste mundo, e até a vida para seguir a Jesus Cristo e alcançar a vida eterna!6 No sentir de S. Bernardo, se outra razão não tivéramos para nos darmos inteiramente a Deus, deveria bastar-nos o saber que ele se deu todo a nós7. Ora, para nos darmos por completo a Deus, temos que desapegarnos de todas as afeições terrenas. Quanto menos desejarmos os bens da terra, diz Sto. Agostinho, mais amaremos a Deus; ama-o perfeitamente quem nada deseja8.
Na instrução procedente, falamos da mortificação interior; falaremos agora da exterior que consiste na mortificação dos sentidos. Também esta é necessária, porque, em conseqüência do pecado, temos conosco uma carne inimiga, que combate contra a razão. Era dessa luta que o Apóstolo9 se lamentava: Sinto nos meus membros outra lei contrária à lei do meu espírito; quer dizer, segundo Santo Tomás: a concupiscência da carne, que contraria a razão10. Se a alma não dominar o corpo, será dominada por ele. Deu-nos Deus os sentidos para que nos sirvamos deles, não segundo os nossos caprichos, mas segundo a sua vontade. Devemos pois mortificar os nossos apetites, que são contrários à lei de Deus.
Os que pertencem a Jesus Cristo, têm crucificado a sua carne com os seus vícios e concupiscências11. Tal a razão por que os santos se têm dado com tanto ardor a macerar a sua carne. S. Pedro de Alcântara tomou a resolução de jamais conceder ao seu corpo satisfação alguma, e cumpriu-a até à morte. S. Bernardo de tal modo, maltratava o seu, que lhe pediu perdão ao expirar. “É um erro pensar, dizia Sta. Teresa, que Deus admita na sua amizade pessoas que procuram as suas comodidades 12. — As almas que amam verdadeiramente a Deus, não sabem pedir-lhe descanso13”. E segundo Sto.Ambrósio, quem não renuncia à satisfação do seu corpo, não pode agradar a Deus14. Quem sujeita o espírito à carne, diz Sto. Agostinho, é um monstro que caminha com a cabeça para baixo e os pés para cima15. Nascemos para coisas mais altas, do que para sermos escravos da nossa carne; era16 Sêneca, um pagão, que assim falava. Quanta mais razão temos nós para falar esta linguagem, nós que, alumiados pela fé, sabemos que fomos criados para gozar de Deus eternamente! S. Gregório diz que transigir com os apetites da carne, outra coisa não é que alimentar inimigos17.
Santo Ambrósio deplora a desgraça de Salomão, que teve a glória de edificar o templo de Deus, mas melhor tinha feito se conservasse para Deus o templo do seu corpo; porque deixou perder o seu corpo, a sua alma e o seu Deus, para contentar as suas inclinações18. Devemos tratar o nosso corpo como um cavalo fogoso, ao qual nunca se afrouxa o freio. De mais, segundo S. Bernardo, devemos opor-nos aos apetites do nosso corpo, como o médico aos desejos do doente, quando este lhe pede o que não convém, e recusa fazer o que lhe é útil para a saúde. Não seria cruel o médico se, por condescendência com o doente, lhe permitisse arriscar a vida? Do mesmo modo, não é lisonjeando a nossa carne que temos caridade com ela; entendamos bem que nunca fomos tão cruéis para conosco próprios como quando, por um momento de prazer, dado aos sentidos, condenamos a nossa alma a um suplício eterno; é assim que fala S. Bernardo19. Numa palavra, é necessário que mudemos de gostos e pratiquemos o que N. Senhor dizia um dia a S.Francisco de Assis: “Se me desejas, toma as coisas amargas por doces, e as doces por amargas”.
Vejamos os frutos da mortificação exterior.
Em primeiro lugar, livra-nos das penas devidas aos nossos prazeres culposos, penas que nesta vida são muito mais leves que na outra. Conta Sto. Antonino que um anjo dera a escolher a um doente ou três dias de purgatório, ou dois anos no seu leito, com a moléstia que estava sofrendo. O doente escolheu os dias de purgatório; mas, passada apenas uma hora, logo se queixou ao anjo de o ter feito sofrer tantos anos naqueles momentos, tendo-lhe anunciado somente três dias. O anjo respondeu-lhe: “Que dizeis?Ainda o vosso corpo está quente no leite mortuário, e já falais em anos!”Quereis escapar ao castigo, pergunta S. João Crisóstomo? Sêde o vosso próprio juiz: arrependei-vos e corrigi-vos20.
Em segundo lugar, a mortificação desapega a alma das afeições terrenas, e fá-la entrar nas disposições necessárias para se unir a Deus. Dizia S. Francisco de Sales, que jamais a alma poderá elevar-se para Deus, se a carne não for mortificada e dominada. Foi também o que disse S. Jerônimo21. Em terceiro lugar, a penitência faz-nos adquirir os bens eternos, como S.Pedro de Alcântara e revelou do alto do Céu a Sta. Teresa, por estas palavras: Ó feliz penitência que me valeu tamanha glória!22
Por isso os santos trabalharam de contínuo em macerar a sua carne, o mais possível. S. Francisco de Borja dizia que morreria sem consolação, no dia em que não tivesse mortificado o seu corpo com alguma penitência. Uma vida de prazeres adocicados não pode ser a dum cristão.
II - Prática da mortificação exterior
Se não tivermos coragem para mortificar o nosso corpo com grandes austeridades, pratiquemos ao menos algumas pequenas mortificasses. Suportemos com paciência as penas que nos advierem, por exemplo: este incômodo, esta vigília, este cheio desagradável, quando assistimos aos doentes, que vamos confessar nas prisões, quando ouvimos de confissão os pobres, e outras coisas semelhantes. Ao menos privemo-nos, de tempos a tempos, de algum prazer permitido. O que se permitem tudo que é lícito, diz Clemente de Alexandria, em breve passam ao que lhes não é lícito23. É difícil que permaneça por muito tempo sem abraçar as coisas más, quem se entrega a todas as satisfações permitidas por si mesmas. — Um grande servo de Deus, o Pe. Vicente Carafa, da Cia. de Jesus, dizia que o Senhor nos dera as delícias deste mundo, não para gozarmos delas, mas para nos tornarmos agradáveis aos seus olhos, pela oferenda dos seus próprios dons, privando-nos deles para lhe testemunharmos o nosso amor. Por outro lado, como nota S.Gregório24, não temos dificuldade em nos abstermos dos prazeres proibidos, quando estamos habituados a privarmo-nos dos permitidos.Mas falemos das mortificasses particulares, que podemos impor aos nossos sentidos, principalmente à vista, ao gosto e ao tato.
1. Da vista e de todo o exterior
Primeiro que tudo, devemos mortificar a vista. Os primeiros dardos que ferem uma alma casta, e por vezes lhe dão a morte, entram pelos olhos, nota S. Bernardo25. E um profeta disse: Foi o meu olhar que assolou a minha alma26.É por meio dos olhos que os pensamentos culposos são excitados no espírito.Dizia S. Francisco de Sales: “O que não se vê não se deseja”. Assim, o demônio move primeiro a tentação de olhar, depois de desejar, e enfim de consentir. Tal foi o processo que seguiu até com o nosso Salvador; depois de lhe ter mostrado os reinos do mundo, tentou-o dizendo-lhe: Todas estas coisas te darei, se te prostrardes diante de mim e me adorares27. O que Satanás não conseguiu com Jesus Cristo, tinha-o obtido com Eva: Viu a mulher que o fruto era bom para comer, agradável aos olhos e de aspecto atraente; colheu o fruto e comeu-o28.
Diz Tertuliano que certos olhares furtivos são o princípio das maiores desordens29. E S. Jerônimo ajunta que os olhos são como ladrões, que quase nos arrastam à força para o pecado30. Devem-se fechar pois as portas da praça se se quer que o inimigo não entre nela. O abade Pastor, por ter olhado uma mulher, foi atormentado de maus pensamentos durante quarenta anos.Do mesmo modo S. Bento, por ter levantado os olhos para uma mulher, quando ainda estava no mundo, a tal ponto foi tentado que, para vencer mesmo no deserto, se arremessou entre espinhos; só por esse meio conseguiu triunfar.O mesmo S. Jerônimo, no seu retiro de Belém, foi por longo tempo assaltado de pensamentos impuros, ao recordar-se de certas mulheres que tinha visto em Roma. Permaneceram vitoriosos os grandes santos, graças ao socorro de Deus que, por suas orações e penitências alcançaram; mas quantos outros a quem os olhos fizeram cair miseravelmente! Foram os olhos que causaram a queda de Davi e também de Salomão. Fica-se tomado de horror ao ler o que Sto. Agostinho refere de Alípio: foi ao teatro com a resolução de não olhar: Adero absens, dizia ele; mas depois, tentado a olhar; não só pecou, como até provocou outros para o pecado31.
Sêneca pois tinha razão para dizer que o ser cego é grande auxílio para conservar a iocência32. Não nos é lícito arrancar os olhos para nos privarmos da vista, mas devemos tornar-nos cegos fechando-os, para não vermos o que nos pode levar para o mal: Quem fecha os olhos para não ter maus olhares, há de habitar em lugares elevados33. Assim Jó tinha feito um acordo com os seus olhos, para não olhar nenhuma mulher, com receito de que alguns maus pensamentos o não viessem atormentar34. S. Luís de Gonzaga não ousava erguer os olhos para sua mãe. S. Pedro de Alcântara abstinha-se de olhar até os seus irmãos de religião, que conhecia pela voz e não pela vista.
O Concílio de Tours diz que os padres se devem resguardar de tudo quanto possa ferir-lhes os olhos ou os ouvidos35. Esta advertência dirige-se especialmente aos padres seculares, que muitas vezes têm de exercer as suas funções em públicas e nas casas dos leigos. Se derem a seus olhos a liberdade de olharem todos os objetos que se lhes apresentarem, dificilmente se conservarão castos. É o Espírito Santo quem nos adverte: Desvia os teus olhos da mulher enfeitada, e não procures ver os atrativos estranhos; a beleza deste sexo tem sido a ruína de muitos homens36. E se por vezes os olhos se distraírem, diz Sto. Agostinho, guardemo-nos ao menos de os fixar sobre objetos perigosos37. Não assistamos por tanto nem a bailes, nem a comédias profanas, ou outras reuniões mundanas, em que se encontrem homens e mulheres. Se a necessidade exigir a nossa presença onde houver mulheres, devemos ter lá particular cuidado em conservar a modéstia dos olhos.
Assistia um dia o Pe. Alvarez à degradação pública dum padre; como ali estavam mulheres, tomou ele nas suas mãos uma imagem da santíssima Virgem e nela conservou fixos os olhos, durante as muitas horas que a cerimônia durou, com receito de que os olhos lhe não caíssem sobre alguma mulher. Logo de manhã ao despertarmos, digamos a nosso Senhor com Davi: Preservai os meus olhos de toda a vaidade 38.
Ó! quanto é proveitoso para nós e edificante para os outros termos os olhos baixos! Vem a propósito aqui um episódio de S. Francisco de Assis, muito conhecido. Disse ele um dia ao seu companheiro que queria ir pregar, e saíram do convento; deram um passeio, sempre com os olhos baixos, e voltaram. — ‘E quando fazeis o vosso sermão, lhe perguntou o companheiro?”— o santo respondeu: “O nosso sermão está feito: consistiu na modéstia dos olhos, de que demos exemplo a este povo”. Conforme nota um autor, dizem os evangelistas, em muitos lugares, que o nosso Salvador, em certas ocasiões ergueu os olhos para olhar: Levantou os olhos para os seus discípulos 39. Tendo Jesus elevado os olhos...40. Dá-se a entender que de ordinário os conservava baixos. Assim S. Paulo punha em relevo a modéstia do seu divino Mestre, quando escrevia: Eu vos conjuro pela doçura e modéstia de Jesus Cristo41.
Diz S. Basílio que é necessário ter os olhos voltados para a terra e a alma elevada ara o céu 42. Segundo S. Jerônimo, é o rosto o espelho da alma, e os olhares têm uma linguagem silenciosa, que deixa escapar os segredos do coração43. E no dizer de Sto. Agostinho, olhos que não sabem conservarse baixos revelam uma coração impuro44. Sto. Ambrósio ajunta que bastam os movimentos do corpo para denunciarem o bom ou mau estado da alma 45.Conta a este propósito que ajuizara mal de dois homens, só por ver a imodéstia do seu andar, e que o seu juízo se confirmara: veio a saber que um era ímpio e o outro herege.
Falando em particular dos homens consagrados a Deus, diz S. Jerônimo que todas as suas ações, discursos, exterior e andar, são um ensinamento para os fiéis46. Daí esta recomendação do Concílio de Trento47: De tal modo devem os eclesiásticos ordenar a sua vida e costumes, que no seu modo de vestir, nos seus gestos e no seu andar, só revelem gravidade e espírito religioso.O mesmo pensamento exprime S. João Crisóstomo, dizendo: É preciso que a alma do padre seja toda resplandecente, para que alumie os que nele põem os olhos48. A todos e em tudo deve o padre dar exemplo de modéstia: nos olhares, no andar, nas palavras, nomeadamente falando pouco e como convém.
O padre deve falar pouco. Quem fala muito com os homens, mostra que fala pouco com Deus. As almas de oração são avaras de palavras; quando se abre a boca do forno, escapa-se o calor. Tomás de Kempis diz: É no silêncio que a alma faz progressos49. E S. Pedro Damião: O silêncio é o guarda da justiça50. O mesmo nos ensina o Espírito Santo: No silêncio e na esperança estará a vossa força51. Está no silêncio a nossa força, porque nunca se fala muito sem algum pecado 52.
Deve o padre falar dum modo conveniente. A vossa boca, diz Sto.Ambrósio, é a boca de Jesus Cristo; guardai-vos de a abrir, não digo só à maledicência e à mentira, mas até às palavras ociosas53. Quando se ama uma pessoa, parece que não se sabe falar senão dela; assim, quem ama a Deus, está sempre disposto a falar de Deus. Lembrai-vos, exclama o abade Gilberto, que a vossa boca está consagrada aos oráculos celestes; olhai como um sacrilégio proferir palavra, que não se refira a Deus54. Santo Ambrósio nos adverte que se falta à modéstia, até falando em tom demasiado alto: Seja a modéstia o regulador da vossa voz, para que não ofendais os ouvidos com um tom demasiado estridente55. Ainda mais, exige a modéstia que nos abstenhamos não só de dizer, mas de escutar qualquer palavra imodesta: Resguardai os vossos ouvidos com uma sebe de espinhos, não escuteis palavras más 56.
A par disto, é necessário que o padre seja modesto no vestir. Vêem-se alguns, diz Santo Agostinho, que para se mostrarem bem vestidos no exterior, se despojam da modéstia interior57. Um vestido de luxo, um casaco curto, botões de ouro nos punhos... e outras coisas semelhantes indicam falta de virtude na alma. Ouçamos S. Bernardo: Os que andam quase nus erguem a sua voz e vos gritam: os bens que desperdiçais pertencem-nos; o que tomais para enfeitardes a vossa vaidade, é às nossas necessidades que o arrebatais58.Sobre este ponto ordenou o 2.º Concílio de Nicéia: Deve o padre contentarse com um vestuário modesto de pouco valor; tudo quanto é inútil e só visa à ostentação, expõe-no à murmuração e à crítica 59.
Deve-se observar a modéstia no cabelo. O papa Martinho proibiu aos clérigos o exercício das suas funções na igreja, desde que não tivessem o cabelo cortado a ponto de conservarem as orelhas descobertas60. À vista disto, que pensaremos daqueles a quem Clemente de Alexandria acusa de serem avaros do seu cabelo, a ponto de o não deixarem cortar senão com reserva?61 Que vergonha, diz S. Cipriano, ver eclesiásticos que trazem uma cabeleira anafada como a das mulheres?62 O próprio Apóstolo censurou este abuso, dizendo que o cuidado do cabelo assim como é uma glória para as mulheres, é uma ignomínia para um homem63. E falava assim de qualquer homem, mesmo secular. Que idéia se há de fazer pois dum eclesiástico, que ostenta uma cabeleira artisticamente cuidada, que frisa o cabelo e porventura até o pulvilha?
Dizia Minúcio Felis que nós, os eclesiásticos, nos devemos dar a conhecer como tais, não pelos adornos do corpo, mas pelos exemplos de modéstia64.Santo Ambrósio diz também que o exterior do sacerdote deve ser tal, que à sua vista o povo se sinta penetrado de respeito para com Deus, de quem ele é ministro65.
2. Do gosto
Falemos em segundo lugar da mortificação do gosto, isto é, da boca. O Pe. Rogacci ensina, no seu Único Necessário, que a máxima parte da mortificação exterior consiste na mortificação da boca. Por isso Sto. André Avelino dizia, que quem aspira à perfeição, deve começar por mortificar a sua boca. Segundo o testemunho de S. Leão, tal há sido a prática dos santos: “Os seus primeiros combates na milícia cristã consistiram em santos jejuns”66. Dizia S.Filipe de Néri a um seu penitente, que era pouco mortificado neste ponto: “Se te não corrigires deste defeito, jamais chegarás à vida espiritual”. Assim, todos os santos têm sido muito atentos em se mortificarem na comida. S. Francisco Xavier não comia senão um pouco de arroz tostado, e S. Francisco Regis um pouco de faria cozida em água. S. Francisco de Borja, sendo ainda secular e vice-rei da Catalunha, só se alimentava de pão e ervas. S. Pedro de Alcântara contentava-se com uma tigela de sopa.
“É necessário comer para viver, dizia S. Francisco de Sales, e não viver para comer”. Pessoas há que parecem viver para comer, fazendo como diz S.Paulo, da sua barriga o seu deus67. Segundo Tertuliano, o vício da gula ou dá a morte, ou pelos menos, obscurece muito todas as virtudes68. Foi a gula que causou a ruína do mundo: pelo prazer de saborear um fruto, Adão se deu à morte a si próprio, e arrastou na sua queda todo o gênero humano. Dum modo particular, por causa do seu voto de castidade, devem os sacerdotes mortificar o gosto. S. Boaventura diz que a intemperança na comida alimenta a impudicícia69. E Sto. Agostinho: Se a alma for como que sufocada pelo excesso da comida, a inteligência se embotará, e a terra do nosso corpo se cobrirá com os espinhos da luxuria70. Daí esta prescrição dos Cânones apostólicos: Os padres que comem demais devem ser depostos71.Quem habitua o seu escravo a viver delicadamente, diz o Sábio, há-de encontrá-lo depois rebelde às suas ordens72. Conforme o aviso de Sto. Agostinho, guardemo-nos de dar à carne forças contra o espírito73. Refere Paládio que S. Macário de Alexandria praticava duras penitências e, como lhe perguntassem porque tratava tão cruelmente o seu corpo, deu esta sábia resposta: Atormento quem me atormenta74. A mesma coisa fazia e dizia S. Paulo: Castigo o meu corpo e o reduzo à escravidão75. Quando a carne não é mortificada, dificilmente obedece à razão. E Santo Tomás diz que o demônio, quando é vencido nas tentações da gula, cessa de tentar pela impureza:Diabolus, victus de gula, non tentat de libidine. O Pe. Cornélio acrescenta que, vencida a gula, é fácil triunfar de todos os outros vícios76. De ordinário porém, nota Luís de Blois, o grande número vence mais facilmente os outros vícios que a gula77.
Mas objeta-se: Deus criou os alimentos para que gozássemos deles. — Respondo: Criou-os Deus para que sirvam à conservação da nossa vida, segundo as necessidades, e não para que abusemos deles pela intemperança.E quanto a certas iguarias delicadas, que não são necessárias à sustentação da vida, também o Senhor as criou, para que nos mortifiquemos algumas vezes pela privação delas. O fruto que Deus proibiu a Adão, tinha sido criado para que Adão se abstivesse dele. Preservemo-nos da intemperança ao menos.
Para observarmos a temperança, diz S. Boaventura, temos quatro coisas a evitar:
1.º - comer fora do tempo;
2.º - comer com demasiada sofreguidão;
3.º - comer em excesso;
4.º - comer iguarias delicadas 78. Que vergonha ver um padre habituado a procurar tais ou tais comidas, preparadas de tal ou tal modo, e quando não as encontra ao gosto da sua sensualidade, incomodar criados e parentes, pôr a casa toda em revolução! Os padres virtuosos contentam-se com o que lhes servem.
Notemos ainda o que diz S. Jerônimo: Um eclesiástico torna-se desprezível, desde que aceite com freqüência convites para jantar79. Os padres exemplares evitam os grandes jantares, em que de ordinário se não observa nem a modéstia nem a temperança. É necessário, ajunta o mesmo santo, que os leigos encontrem em nós antes consoladores nas suas penas, que convivas nos dias de prosperidade.
3. Do tato
Em terceiro lugar, quanto ao sentido do tato, é necessário, primeiro que tudo, que evitemos toda a familiaridade com pessoas do outro sexo, embora parentas. — São minhas irmãs, minhas sobrinhas. — Sim, mas são mulheres.Os confessores prudentes têm razão em proibir às suas penitentes que lhes beijem mesmo a mão.
Com respeito a este sentido, importa ainda notar que o sacerdote corre maior perigo, se não usar consigo de toda a cautela e modéstia. Eis o que o Apóstolo nos recomenda: Saiba cada um de vós guardar o vaso da sua carne na santidade a sua honra, e abster-se de satisfazer aos apelidos desordenados 80.
Costumam também os padres fervorosos impor-se algumas penitências, como tomar a disciplina ou trazer algum cilício. Alguns há que desprezam estes meios, sob o pretexto de que a santidade consiste na mortificação da vontade. O que eu vejo é que todos os santos têm sido ávidos de penitências, e atentos quanto possível a mortificar a sua carne. S. Pedro de Alcântara trazia aos seus ombros uma grande placa de ferro esfuracado que lhe dilacerava a carne. S. João da Cruz usava uma camisola, armada de pontas de ferro, com uma cadeia de ferro, que no momento da morte lhe não puderam tirar, e lhe arrancava bocados de carne. E dizia: “Se alguém ensinar uma doutrina, que leve ao relaxamento na mortificação da carne, não se lhe deve dar crédito, ainda mesmo que a confirme com milagres”81.
Verdade é que a mortificação interior é a mais necessária, mas a exterior também o é. Quando tentavam dissuadir S. Luís Gonzaga das suas austeridades, dizendo-lhe que a santidade consiste em vencer a própria vontade, deu uma sábia resposta, servindo-se das palavras do Evangelho: É necessário praticar uma sem desprezar a outra82. À teresiana Maria de Jesus disse o Senhor: “Foi pelos prazeres que o mundo se perdeu, e não pelas penitências”.Mortificai o vosso corpo, escrevia Sto. Agostinho, e vencereis o demônio83.É sobretudo contra as tentações impura que os santos têm empregado como remédio as macerações da carne. S. Bento e S. Francisco, assaltados por essas tentações, rolaram-se em espinhos. Eis uma comparação que nos oferece o pe. Rodriguez: “Imaginai um homem que se encontrasse envolvido nas roscas duma serpente, que procurasse sem cessar dar-lhe a morte, com as suas mordeduras envenenadas; se ele não pudesse tirar a vida a esse reptil, forcejaria ao menos por lhe fazer perder sangue e enfraquecê-la, para a tornar incapaz de grandes malefícios”.
Diz Jó que a sabedoria não se encontra no meio dos prazeres terrenos: Não lhe conhece o homem o valor, nem ela se encontra nas regiões dos que vivem nas delícias84. Num lugar diz o Esposo dos Cânticos que habita no monte da mirra85, e noutro que vive no meio dos lírios86. O abade Gilberto concilia estas duas passagens, dizendo que o monte da mirra, onde se mortifica a carne, é precisamente o lugar em que nascem e se conservam os lírios da pureza87. E, se alguma vez se ofendeu a castidade, a razão exige que depois se castigue a carne: Assim como pusestes os vossos membros a serviço das inclinações impuras, para praticardes a iniqüidade, assim agora ponde os vossos membros ao serviço da justiça, para fazerdes obras de santidade 88.
4. Das penas que sobrevêm naturalmente
Se não temos coragem para nos impormos mortificasses voluntárias, cuidemos ao menos de receber com resignação as que Deus nos enviar, como as moléstias, o calor e o frio.
Tendo chegado muito tarde a um colégio da Companhia, foi obrigado S.Francisco de Borja a permanecer ao ar livre, durante a noite, exposto a um frio intenso e à neve que caía. Chegada a manhã, ficaram aflitos os Padres do colégio, mas o santo lhes disse que toda a noite tinha gozado duma grande consolação, por se lembrar que era Deus que se comprazia em lhe enviar aquele vento gelado e aqueles flocos de neve.
“Correi, Senhor, correi, exclama S. Boaventura, correi e feri os vossos servos com feridas sagradas, para os pordes ao abrigo das feridas da morte”89.A seu exemplo, nas nossas doenças e aflições, devemos igualmente dizer: Feri-nos, Senhor, com golpes salutares, para que, escapemos aos golpes mortais da carne. — Ou também com S. Bernardo: “Seja torturado este corpo, que desprezou a Deus! Se sois discreto, deveis exclamar: Ele mereceu a morte, que seja crucificado!”90 Sim, meu Deus, é justo que seja afligido quem vos afligiu! Mereço a morte eterna; quero pois ser crucificado nesta vida, para não ser atormentado eternamente na outra!
Suportemos assim ao menos as penas que Deus nos enviar. Com razão porém nota um autor que dificilmente se sofrem com perfeita resignação as penas inevitáveis, quando nenhumas se tomam voluntárias. Por outro lado, diz Sto. Anselmo que Deus deixará de castigar o pecador, que a si próprio se castiga, em expiação dos pecados91.
III - Vantagens duma vida mortificada
Há quem imagine que uma vida mortificada é uma vida infeliz; mas não, a vida infeliz; mas não, a vida infeliz não é a dos que se mortificam; é antes a dos que cedem aos seus apetites, ofendendo a Deus. Quem houve já que tivesse paz resistindo-lhe?92 Uma alma em pecado é um mar tempestuoso93.Quem não está em paz com Deus, diz Sto. Agostinho, é inimigo de si mesmo e a si próprio se faz guerra94. O que nos põe em guerra conosco mesmos e nos torna desgraçados são as satisfações que damos ao nosso corpo: Donde nascem as vossas guerras e discórdias? Não está a origem delas nas paixões que se debatem na vossa carne95.
Escutemos ao contrário esta promessa do Senhor: Hei de dar ao vencedor um maná escondido96. Aos amantes da mortificação faz Deus saborear as doçuras duma paz, desconhecida dos sensuais, e que excede todos os prazeres dos sentidos97. Por isso são proclamados felizes os que estão mortos para os gozos terrenos98. Olham os mundanos como desditosos os que vivem estranhos aos prazeres sensuais, mas, no dizer de S. Bernardo, esses apenas fixam os olhos nas mortificasses deles, e não atingem as consolações interiores com que Deus os favorece já nesta vida99. As promessas de Deus são infalíveis: Tomai o meu jugo sobre os vossos ombros... e encontrareis a paz para as vossas almas 100.
Ó! não, para uma alma que ama a Deus, diz Sto. Agostinho, mortificar-se não é uma pena101. Nada acha difícil quem ama, ajunta S. Lourenço Justiniano; esse coraria de falar em dificuldades102. O amor é forte como a morte103 : assim como nada resiste à morte, nada resiste ao amor.
Se queremos gozar das delícias da eternidade, temos que privar-nos dos prazeres do tempo: Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á 104; o que faz dizer a Sto. Agostinho: Guardai-vos de vos amardes a vós mesmos nesta vida, com receio de vos perderdes na vida eterna105. S. João viu todos os bem-aventurados com palmas na mão106. Para nos salvarmos, precisamos de ser todos mártires, ou ao ferro dos tiranos, ou pelas mortificasses que nos infligirmos. Persuadamo-nos bem de que tudo o que sofrermos não é nada em comparação da glória eterna que nos espera107. As penas dum momento hão de valer-nos uma felicidade eterna: Porque estas tribulações momentâneas e leves do presente nos alcançam um galardão eterno de ventura, sem medida108. Tal o fundamento Tal o fundamento da reflexão do Judeu Filon, — que as satisfações que damos ao nosso corpo, em prejuízo da nossa alma, são outros tantos roubos que a nós mesmos fazemos quanto à felicidade do Paraíso109. Por sua vez diz S. João Crisóstomo que, quando Deus nos dá ocasião para sofrermos, dispensa-nos uma graça maior do que se nos concedesse poder para ressuscitar mortos: “Fazendo um milagre contraio uma dívida para com Deus; sofrendo com paciência, torno a Jesus Cristo meu devedor”110. São os santos as pedras vivas de que é construída a celeste Jerusalém111. Ora, antes de serem colocadas no seu lugar, devem essas pedras ser polidas com o cinzel da mortificação, como a Igreja o exprime nos seus cânticos:
Scalpri salubris ictibus,
Et tunsione plurima
Fabri polita malleo,
Hanc saxa molem construunt.
Todo o ato de mortificação é pois uma obra para o Paraíso; deve este pensamento tornar-nos doce tudo quanto na mortificação encontramos de amargo. Para bem vivermos e nos salvarmos, precisamos de viver da fé112, isto é, com os olhos na eternidade que nos espera113. Pensemos, diz Sto.Agostinho, que o Senhor ao mesmo tempo que nos exorta a combater as tentações, dá-nos o seu socorro e nos prepara a coroa114. Ora, conforme nota o Apóstolo, se os atletas se abstinham de tudo quanto podia estorvá-los de alcançar uma miserável coroa temporal, com quanta mais razão não devemos nós morrer a tudo para adquirirmos uma coroa imensa e eterna? 115.
Notas:
1. Nullus Deo et sacrificio dignus est, nisi qui prius se viventem hostiam exhibuerit (Apolog.1).
2. Hoc est sacrificium primitivum, quando unusquisque se offert hostiam, ut postea munus suum possit offerre (De Cain et Abel. l. 2. c. 6).
3. Nisi granum frumenti cadens in terram mortuum fuerit, ipsum solum manet; si autem mortuum fuerit, multum fructum affert (Jo. 12, 24).
4. Nihil quod caro blanditur, libeat; nihil quod carnalem vitam trucidat, spiritus perhorrescat (In Evang. hom. 11).
5. Qui enim voluerit animam suam salvam facere, perdet eam; qui autem perdiderit animam suam propter me, inveniet eam (Matth. 16, 25).
6. Jactura felix! contemptu universorum, Christus sequendus est, et aeternitas comparanda (In Matth. can. 16).
7. Integrum te da illi, quia ille, ut te salvaret, integrum se tradidit (De modo bene viv. c. 8).
8. Nutrimentum charitatis est, imminutio cupiditatis; perfectio nulla cupiditas (De div. quaest.q. 36).
9. Video autem aliam legem in membris meis, repugnantem legi mentis meae (Rom. 7, 23).
10. Id est concupiscentia carnis contrarians rationi.
11. Qui autem sunt Christi, carnem suam crucifixerunt cum vitiis et concupiscentiis (Gal. 5,24).
12. Chem. de la perf. ch. 19.
13. Fond. ch. 5.
14. Qui non peregrinatur a corpore, peregrinatur a Domino (In Luc. c. 9).
15. Inversis pedibus ambulat (Ad Fr. in er. s. 50).
16. Major sum et ad majora genitus, quam ut mancipium sim mei corporis (Epist. 65).
17. Dum (carni) parcimus, ad praelium hostem nutrimus (Mor. l. 30. c. 28).
18. Salomon templum Deo condidit; sed ufinam corporis sui templum ipse servasset! (Apol.David. l. 2).
19. Ista charitas destruit charitatem; talis misericordia crudelitate plena est, qua ita corpori servitur, ut anima juguletur (Apol. ad Guil. c. 8).
20. Non vis castigari, sis judex tui ipsius, te reprehende et corrige.
21. Anima in coelestia non surgit, nisi mortificatione membrorum.
22. O felix poenitentia, quae tantam mihi promeruit gloriam!
23. Cito adducuntur, ut ea faciant quae non licent, qui faciunt omnia quae licent (Poedag. l. 2.c. 1).
24. Dial. l. 4. c. 11.
25. Per oculos intrat ad mentem sagitta amoris (De Modo bene viv. s. 23).
26. Oculus meus depredatus est animam meam (Thren. 3, 51).
27. Haec omnia tibi dabo, si cadens adoraveris me (Matth. 4, 9).
28. Vidit igitur mulier quod bonum esset lignum ad vescendum, et pulchrum oculis, aspectuque delectabile; et tulit de fructu illius et comedit (Gen. 3, 6).
29. Exordia sunt maximarum iniquitatum.
30. Oculi, quasi quidem raptores ad culpam (In Thren. 3).
31. Spectavit, clamavit, exarsit; abstulit inde secum insaniam (Conf. l. 6. c. 8).
32. Pars innocentiae, caecitas (De Remed. fort.).
33. Qui... claudit oculos suos ne videat malum, iste in excelsis habitabit (Is. 33, 15).
34. Pepegi foedus cum oculis meis, ut ne cogitarem quidem de virgine (Job 31, 1).
35. Ab omnibus quecumque ad aurium et ad oculorum pertinent illecebras, Dei sacerdotes abstinere debent (Anno 813, can. 7).
36. Averte faciem tuam a muliere compta, et ne circumspicias speciem alienam; propter speciem mulieris, multi perierunt (Eccli. 9, 8).
37. Oculi vestri etsi jaciuntur in aliquam, figantur in nullam (Reg. ad Serv. D. n. 6).
38. Averte oculos meos, ne videant vanitatem (Ps. 118, 37).
39. Elevatis oculis in discipulos suos (Luc. 6, 20).
40. Cum sublevasset ergo oculos Jesus (Jo. 6, 5).
41. Obsecro vos per mansuetudinem et modestiam Christi (2. Cor. 10, 1).
42. Oportet oculos habere ad terram dejectos, animam vero ad coelum erectam (Serm. de Ascensi.).
43. Speculum mentis est facies, et taciti oculi cordis fatentur arcana (Ep. ad Furiam).
44. Impudicus oculus impudici cordis est nuntius (Reg. ad serv. D.).
45. Vox quaedam est animi, corporis motus (Offic. l. 1. c. 18).
46. Quorum habitus, sermo, vultus, incessus, doctrina virtutum est (Ep. ad Rusticum).
47. Sic decet omnino clericos vitam moresque suos componere, ut habitu, gestu, incessu, nil nisi grave ac religione plenum prae se ferant (Sess. 22, de Ref. c. 1).
48. Sacerdotis animum splendecere oportet, ut illustrare possit, qui oculos in eum conjiciunt (De Sacerd. l. 3).
49. In silentio proficit anima (De Imit. l. 1. c. 20).
50. Custos justitiae, silentium (Epist. l. 7. ep. 6).
51. In silentio et in spe erit fortitudo vestra (Is. 30, 15).
52. In multiloquio non deerit peccatum (Prov. 10, 19).
53. Os tuum, os Christi; non debes, non dico, ad detractiones, ad mendacia, sed nec ad otiosos sermones os aperire (Medit. 1. § 5).
54. Memento, os tuum coelestibus oraculis consecratum; sacrilegium puta, si quid non divinum sonet (In Cant. s. 18).
55. Vocis sonum libret modestia, ne cujusquam offendat aurem vox fortior (Offic. l. 1. c. 18).
56. Sepi aures tuas spinis, linguam nequam noli audire (Eccl. 28, 28).
57. Ut foris vestiaris, intus exspoliaris (Serm. 60. E. B.).
58. Clamant nudi et dicunt: Nostrum est, quod effunditis; nostris necessitatibus detrahitur, quidquid accedit vanitatibus vestris (De Mor. et Off. ep. c. 2).
59. Virum sacerdotalem cum moderato indumento versari debere; et quidquid, non propter usum, sed ostentatorium ornatum, assumitur, in nequitiae reprehensionem incurrere (Can.16).
60. Nisi attonso capite, patentibus auribus.
61. Illiberati tonsu se tondentes. Proedag. l. 3. c. 3. (Dum modo indigno de um homem livre.
Os escravos traziam o cabelo comprido).
62. Capillis muliebribus se in feminas transfigurant (De jej. Christi).
63. Vir quidem, si comam nutriat, ignominia est illi (1. Cor. 11, 14).
64. Nos, non notaculo corporis, sed innocentiae ac modestiae signo facile dignoscimur (Octav.c. 9).
65. Decet actuum nostrorum esse publicam aestimationem, ut, qui videt ministrum altaris congruis ornatum virtutibus, Dominum veneretur, qui tales servulos habeat (Offic. l. 1. c. 50).
66. Tyrocinium militiae christianae sanctis jejuniis inchoarunc (De Jejun. pent. s. 1).
67. Inimicos crucis Christi, quorum finis interitus, quorum deus venter est (Phil. 3, 18).
68. Omnem disciplinam victus aut occidit aut vulnerat (De jejunio).
69. Luxuria nutritur a ventris ingluvie (De Prof. rel. 2. c. 52).
70. Si ciborum nimietate anima obruatur, illico mens torpescit, et corporis nostri terra spinas libidinum germinabit (Serm. 141, E. B. app.).
71. Sacerdotes qui intemperanter ingurgitant, deponendi sunt.
72. Qui delicate a pueritia nutrit servum suum, postea sentiet eum contumacem (Prov. 29, 21).
73. Ne praebeamus vires corpori, ne committat bellum adversus spiritum (De Sal. docum. c.35).
74. Vexo eum qui vexat me (Vit. S. M. 7).
75. Castigo corpus meum, et in servitutem redigo (1. Cor. 9, 27).
76. Gula debellata, christianus facilius caetera vitia profligabit (In 1. Cor. 9, 27).
77. Ingluvies a plerisque superari difficilius solet, quam caetera vitia (Euchir. parv. l. 1. doc.11).
78. 1. Ante debitum tempus, vel saepius quam deceat, comedere praeter necessitatem, more pecudum. 2. Cum nimia aviditate, sicut canes famelici. 3. Nimis se implere ex delectatione. 4.Nimis exquisita quaerere (De Prof. rel. l. 1. c. 36).
79. Facile contemnitur clericus qui, saepe vocatus ad prandium, ire non recusat. — Consolatores nos potius (laici) in maeroribus suis, quam convivas in prosperis, noverint (Ep. ad Nepot.).
80. Sciat unusquisque vestrum vas suum possidere in sanctificatione et honore, non in passione desiderii (1. Thess. 4, 4).
81. Sent. 72.
82. Haec oportuit facere, et illa non omittere (Matth. 23, 23).
83. Mortifica corpus tuum, et diabolum vinces.
84. Nescit homo pretium ejus, nec invenitur in terra suaviter viventium (Job 28, 13).
85. Vadam ad montem myrrhae (Cant. 4, 6).
86. Qui pascitur inter lilia (Cant. 2, 16).
87. Lilia haec oriuntur in monte myrrhae, et nusquam magis illaesa servantur: ubi carnis mortificantur affectus, ibi lilia castimoniae nascuntur et florent (In Cant. s. 28).
88. Sicut enim exhibuistis membra vestra servire immunditiae et iniquitati ad iniquitatem, ita nunc exhibete membra vestra servire justitiae in santificationem (Rom. 6, 19).
89. Curre, Domine, curre, et vulnera servos tuos vulneribus sacris, ne vulnerentur vulneribus mortis.
90. Conteratur contemptor Dei; si recte sentis, dices: Reus est mortis, crucifigatur (Medit. c. 15).
91. Cessat vindicta divina, si conversio praecurrat humana (In 1. Cor. 11).
92. Quis restitit ei, et pacem habuit? (Job 9, 4).
93. Impii autem, quasi mare fervens, quod quiescere non potest (Is. 57, 20).
94. Ipse sibi est bellum, qui pacem noluit habere cum Deo (Enarr. In Ps. 75).
95. Unde bella et lis in vobis? nonne hinc, ex concupiscentiis vestris? (Jacob. 4, 1).
96. Apoc. 2, 17.
97. Pax Dei quae exsuperat omnem sensum (Phil. 4,7).
98. Beati mortui qui in Domino moriuntur (Apoc. 14, 13).
99. Crucem videntes, sed non etiam unctionem (In Dedic. s. 1).
100. Tollite jugum meum super vos... et invenietis requiem animabus vestris (Matth. 11, 29).
101. Qui amat, non laborat (In Jo. tr. 48).
102. Amor, difficultatis nomen erubescit (Lig. de v. Char. c. 4).
103. Fortis est ut mors dilectio (Cant. 8, 6).
104. Qui enim voluerit animam suam salvam facere, perdet eam (Matth. 16, 25).
105. Noli amare in hac vita, ne perdas in aeterna vita (In Jo tr. 51).
106. Stantes ante thronum... et palmae in manibus eorum (Apoc. 7, 9).
107. Non sunt condignae passiones hujus temporis ad futuram gloriam quae revelabitur in nobis (Rom. 8, 18).
108. Id enim quod in praesenti est nomentaneum el leve tribulationis nostrae, supra modum in sublimitate aeternum gloriae pondus operatur in nobis (2. Cor. 4, 17).
109. Oblectamenta praesentis vitae, quid sunt, nisi furta vitae futurae?
110. Quando Deus dat alicui ut mortuos resuscitet, minus dat, quam cum dat occasionem patiendi. — Pro miraculis enim, debitor sum Deo; et pro patientia, debitorem habeo Christum (In Phil. hom. 4).
111. Tamquam lapides vivi superaedificamini, domus spiritualis (1. Pet. 2, 5).
112. Justus autem ex fide vivit (Rom. 1, 17).
113. Quoniam ibit homo in domum aeternitatis suae (Eccl. 12, 5).
114. Deus hortatur ut pugnes, et deficientem sublevat, et vincentem coronat (In Ps. 32, enarr.3).
115. Omnis autem qui in agone contendit, ab omnibus se abstinet; et illi quidem ut corruptibilem coronam accipiant, nos autem incorruptam (1. Cor. 9, 25).
2. Hoc est sacrificium primitivum, quando unusquisque se offert hostiam, ut postea munus suum possit offerre (De Cain et Abel. l. 2. c. 6).
3. Nisi granum frumenti cadens in terram mortuum fuerit, ipsum solum manet; si autem mortuum fuerit, multum fructum affert (Jo. 12, 24).
4. Nihil quod caro blanditur, libeat; nihil quod carnalem vitam trucidat, spiritus perhorrescat (In Evang. hom. 11).
5. Qui enim voluerit animam suam salvam facere, perdet eam; qui autem perdiderit animam suam propter me, inveniet eam (Matth. 16, 25).
6. Jactura felix! contemptu universorum, Christus sequendus est, et aeternitas comparanda (In Matth. can. 16).
7. Integrum te da illi, quia ille, ut te salvaret, integrum se tradidit (De modo bene viv. c. 8).
8. Nutrimentum charitatis est, imminutio cupiditatis; perfectio nulla cupiditas (De div. quaest.q. 36).
9. Video autem aliam legem in membris meis, repugnantem legi mentis meae (Rom. 7, 23).
10. Id est concupiscentia carnis contrarians rationi.
11. Qui autem sunt Christi, carnem suam crucifixerunt cum vitiis et concupiscentiis (Gal. 5,24).
12. Chem. de la perf. ch. 19.
13. Fond. ch. 5.
14. Qui non peregrinatur a corpore, peregrinatur a Domino (In Luc. c. 9).
15. Inversis pedibus ambulat (Ad Fr. in er. s. 50).
16. Major sum et ad majora genitus, quam ut mancipium sim mei corporis (Epist. 65).
17. Dum (carni) parcimus, ad praelium hostem nutrimus (Mor. l. 30. c. 28).
18. Salomon templum Deo condidit; sed ufinam corporis sui templum ipse servasset! (Apol.David. l. 2).
19. Ista charitas destruit charitatem; talis misericordia crudelitate plena est, qua ita corpori servitur, ut anima juguletur (Apol. ad Guil. c. 8).
20. Non vis castigari, sis judex tui ipsius, te reprehende et corrige.
21. Anima in coelestia non surgit, nisi mortificatione membrorum.
22. O felix poenitentia, quae tantam mihi promeruit gloriam!
23. Cito adducuntur, ut ea faciant quae non licent, qui faciunt omnia quae licent (Poedag. l. 2.c. 1).
24. Dial. l. 4. c. 11.
25. Per oculos intrat ad mentem sagitta amoris (De Modo bene viv. s. 23).
26. Oculus meus depredatus est animam meam (Thren. 3, 51).
27. Haec omnia tibi dabo, si cadens adoraveris me (Matth. 4, 9).
28. Vidit igitur mulier quod bonum esset lignum ad vescendum, et pulchrum oculis, aspectuque delectabile; et tulit de fructu illius et comedit (Gen. 3, 6).
29. Exordia sunt maximarum iniquitatum.
30. Oculi, quasi quidem raptores ad culpam (In Thren. 3).
31. Spectavit, clamavit, exarsit; abstulit inde secum insaniam (Conf. l. 6. c. 8).
32. Pars innocentiae, caecitas (De Remed. fort.).
33. Qui... claudit oculos suos ne videat malum, iste in excelsis habitabit (Is. 33, 15).
34. Pepegi foedus cum oculis meis, ut ne cogitarem quidem de virgine (Job 31, 1).
35. Ab omnibus quecumque ad aurium et ad oculorum pertinent illecebras, Dei sacerdotes abstinere debent (Anno 813, can. 7).
36. Averte faciem tuam a muliere compta, et ne circumspicias speciem alienam; propter speciem mulieris, multi perierunt (Eccli. 9, 8).
37. Oculi vestri etsi jaciuntur in aliquam, figantur in nullam (Reg. ad Serv. D. n. 6).
38. Averte oculos meos, ne videant vanitatem (Ps. 118, 37).
39. Elevatis oculis in discipulos suos (Luc. 6, 20).
40. Cum sublevasset ergo oculos Jesus (Jo. 6, 5).
41. Obsecro vos per mansuetudinem et modestiam Christi (2. Cor. 10, 1).
42. Oportet oculos habere ad terram dejectos, animam vero ad coelum erectam (Serm. de Ascensi.).
43. Speculum mentis est facies, et taciti oculi cordis fatentur arcana (Ep. ad Furiam).
44. Impudicus oculus impudici cordis est nuntius (Reg. ad serv. D.).
45. Vox quaedam est animi, corporis motus (Offic. l. 1. c. 18).
46. Quorum habitus, sermo, vultus, incessus, doctrina virtutum est (Ep. ad Rusticum).
47. Sic decet omnino clericos vitam moresque suos componere, ut habitu, gestu, incessu, nil nisi grave ac religione plenum prae se ferant (Sess. 22, de Ref. c. 1).
48. Sacerdotis animum splendecere oportet, ut illustrare possit, qui oculos in eum conjiciunt (De Sacerd. l. 3).
49. In silentio proficit anima (De Imit. l. 1. c. 20).
50. Custos justitiae, silentium (Epist. l. 7. ep. 6).
51. In silentio et in spe erit fortitudo vestra (Is. 30, 15).
52. In multiloquio non deerit peccatum (Prov. 10, 19).
53. Os tuum, os Christi; non debes, non dico, ad detractiones, ad mendacia, sed nec ad otiosos sermones os aperire (Medit. 1. § 5).
54. Memento, os tuum coelestibus oraculis consecratum; sacrilegium puta, si quid non divinum sonet (In Cant. s. 18).
55. Vocis sonum libret modestia, ne cujusquam offendat aurem vox fortior (Offic. l. 1. c. 18).
56. Sepi aures tuas spinis, linguam nequam noli audire (Eccl. 28, 28).
57. Ut foris vestiaris, intus exspoliaris (Serm. 60. E. B.).
58. Clamant nudi et dicunt: Nostrum est, quod effunditis; nostris necessitatibus detrahitur, quidquid accedit vanitatibus vestris (De Mor. et Off. ep. c. 2).
59. Virum sacerdotalem cum moderato indumento versari debere; et quidquid, non propter usum, sed ostentatorium ornatum, assumitur, in nequitiae reprehensionem incurrere (Can.16).
60. Nisi attonso capite, patentibus auribus.
61. Illiberati tonsu se tondentes. Proedag. l. 3. c. 3. (Dum modo indigno de um homem livre.
Os escravos traziam o cabelo comprido).
62. Capillis muliebribus se in feminas transfigurant (De jej. Christi).
63. Vir quidem, si comam nutriat, ignominia est illi (1. Cor. 11, 14).
64. Nos, non notaculo corporis, sed innocentiae ac modestiae signo facile dignoscimur (Octav.c. 9).
65. Decet actuum nostrorum esse publicam aestimationem, ut, qui videt ministrum altaris congruis ornatum virtutibus, Dominum veneretur, qui tales servulos habeat (Offic. l. 1. c. 50).
66. Tyrocinium militiae christianae sanctis jejuniis inchoarunc (De Jejun. pent. s. 1).
67. Inimicos crucis Christi, quorum finis interitus, quorum deus venter est (Phil. 3, 18).
68. Omnem disciplinam victus aut occidit aut vulnerat (De jejunio).
69. Luxuria nutritur a ventris ingluvie (De Prof. rel. 2. c. 52).
70. Si ciborum nimietate anima obruatur, illico mens torpescit, et corporis nostri terra spinas libidinum germinabit (Serm. 141, E. B. app.).
71. Sacerdotes qui intemperanter ingurgitant, deponendi sunt.
72. Qui delicate a pueritia nutrit servum suum, postea sentiet eum contumacem (Prov. 29, 21).
73. Ne praebeamus vires corpori, ne committat bellum adversus spiritum (De Sal. docum. c.35).
74. Vexo eum qui vexat me (Vit. S. M. 7).
75. Castigo corpus meum, et in servitutem redigo (1. Cor. 9, 27).
76. Gula debellata, christianus facilius caetera vitia profligabit (In 1. Cor. 9, 27).
77. Ingluvies a plerisque superari difficilius solet, quam caetera vitia (Euchir. parv. l. 1. doc.11).
78. 1. Ante debitum tempus, vel saepius quam deceat, comedere praeter necessitatem, more pecudum. 2. Cum nimia aviditate, sicut canes famelici. 3. Nimis se implere ex delectatione. 4.Nimis exquisita quaerere (De Prof. rel. l. 1. c. 36).
79. Facile contemnitur clericus qui, saepe vocatus ad prandium, ire non recusat. — Consolatores nos potius (laici) in maeroribus suis, quam convivas in prosperis, noverint (Ep. ad Nepot.).
80. Sciat unusquisque vestrum vas suum possidere in sanctificatione et honore, non in passione desiderii (1. Thess. 4, 4).
81. Sent. 72.
82. Haec oportuit facere, et illa non omittere (Matth. 23, 23).
83. Mortifica corpus tuum, et diabolum vinces.
84. Nescit homo pretium ejus, nec invenitur in terra suaviter viventium (Job 28, 13).
85. Vadam ad montem myrrhae (Cant. 4, 6).
86. Qui pascitur inter lilia (Cant. 2, 16).
87. Lilia haec oriuntur in monte myrrhae, et nusquam magis illaesa servantur: ubi carnis mortificantur affectus, ibi lilia castimoniae nascuntur et florent (In Cant. s. 28).
88. Sicut enim exhibuistis membra vestra servire immunditiae et iniquitati ad iniquitatem, ita nunc exhibete membra vestra servire justitiae in santificationem (Rom. 6, 19).
89. Curre, Domine, curre, et vulnera servos tuos vulneribus sacris, ne vulnerentur vulneribus mortis.
90. Conteratur contemptor Dei; si recte sentis, dices: Reus est mortis, crucifigatur (Medit. c. 15).
91. Cessat vindicta divina, si conversio praecurrat humana (In 1. Cor. 11).
92. Quis restitit ei, et pacem habuit? (Job 9, 4).
93. Impii autem, quasi mare fervens, quod quiescere non potest (Is. 57, 20).
94. Ipse sibi est bellum, qui pacem noluit habere cum Deo (Enarr. In Ps. 75).
95. Unde bella et lis in vobis? nonne hinc, ex concupiscentiis vestris? (Jacob. 4, 1).
96. Apoc. 2, 17.
97. Pax Dei quae exsuperat omnem sensum (Phil. 4,7).
98. Beati mortui qui in Domino moriuntur (Apoc. 14, 13).
99. Crucem videntes, sed non etiam unctionem (In Dedic. s. 1).
100. Tollite jugum meum super vos... et invenietis requiem animabus vestris (Matth. 11, 29).
101. Qui amat, non laborat (In Jo. tr. 48).
102. Amor, difficultatis nomen erubescit (Lig. de v. Char. c. 4).
103. Fortis est ut mors dilectio (Cant. 8, 6).
104. Qui enim voluerit animam suam salvam facere, perdet eam (Matth. 16, 25).
105. Noli amare in hac vita, ne perdas in aeterna vita (In Jo tr. 51).
106. Stantes ante thronum... et palmae in manibus eorum (Apoc. 7, 9).
107. Non sunt condignae passiones hujus temporis ad futuram gloriam quae revelabitur in nobis (Rom. 8, 18).
108. Id enim quod in praesenti est nomentaneum el leve tribulationis nostrae, supra modum in sublimitate aeternum gloriae pondus operatur in nobis (2. Cor. 4, 17).
109. Oblectamenta praesentis vitae, quid sunt, nisi furta vitae futurae?
110. Quando Deus dat alicui ut mortuos resuscitet, minus dat, quam cum dat occasionem patiendi. — Pro miraculis enim, debitor sum Deo; et pro patientia, debitorem habeo Christum (In Phil. hom. 4).
111. Tamquam lapides vivi superaedificamini, domus spiritualis (1. Pet. 2, 5).
112. Justus autem ex fide vivit (Rom. 1, 17).
113. Quoniam ibit homo in domum aeternitatis suae (Eccl. 12, 5).
114. Deus hortatur ut pugnes, et deficientem sublevat, et vincentem coronat (In Ps. 32, enarr.3).
115. Omnis autem qui in agone contendit, ab omnibus se abstinet; et illi quidem ut corruptibilem coronam accipiant, nos autem incorruptam (1. Cor. 9, 25).
Fonte: Volta para Casa
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