Você não pode servir a Deus porque é negro!
Nossa Senhora das Dores |
No blog, periodicamente, publico histórias de conversão: célebre, anônima, antiga, atual... Mas hoje quero falar de desconversão... As duas que eu conheço pessoalmente são óbvios frutos do famigerado CV2. São almas que me são caras.
A primeira história é de uma amiga que de humilde doméstica se fez advogada, por si só, por seus esforços, sem a ajuda paternalista do Estado, sem usar das cotas, apesar de negra - sim, ela faz questão da palavra - e sozinha, mãe de duas filhas assumidas e um filho que teve que dar em adoção por não poder sustentar à época. Estas são algumas de suas cruzes e dores; sua vida daria realmente uma bela história de vitória e superação de limites, em vários sentidos. Infelizmente, é budista. E antes que meus leitores rasguem as vestes e se cubram de cinzas... vale a pena saber o por que. Tem a história dela e tem minha teoria também.
Minha amiga "Fátima" - vamos chamá-la assim para preservar sua identidade - quando menina foi interna em uma escola católica, dirigida por irmãs que presumo fossem salesianas (visto que na época e no local não me consta houvesse alguma outra congregação atuando). Ela não guarda lembranças muitas boas dessa época, sobretudo de uma das irmãs que era particularmente má com ela, provavelmente por ser pobre e negra. Nas mãos dessa irmã, Fátima sofreu alguma injustiças e castigos, que ela me contou. Mas o que mais me chama a atenção em sua narrativa é que, apesar disso, Fátima queria servir a Deus seguindo na vida religiosa. Mo revelou quando me contou, ainda muito amargurada (e passado tanto tempo!), que, quando expressou seu desejo de ser freira, ouviu dizer que não poderia sê-lo por ser negra! Sua vida continuou, mas claramente algo mudou. Já não amava mais a Deus, porque, em seu íntimo, "Deus não a queria e não a queria por ser negra!". Buscou outros caminhos e, sendo negra, presumir-se-ia que se voltaria, então, para o candomblé, a macumba ou, ao menos, o espiritismo, mas ela se tornou testemunha de jeová (das seitas pseudocristãs, a pior de todas). Isso, a meu ver, foi desastroso e envenenou para sempre sua alma contra Deus. Isso mais toda sua incrível e dolorosa história de vida a afastaram cada vez mais do Criador e ela, enfim, encontrou o budismo, aparentemente uma resposta para suas dúvidas e suas dores. A minha teoria: o que ela sente por Deus, para mim, é um reflexo do que ela sente pela figura masculina, principalmente o pai, talvez os maridos... Mas de quem é a culpa? Eu não tenho receios de dizer que é da Igreja Conciliar que, travestida de caridade, acaba por afastar o homem de Deus, aos poucos, em um lento gotejamento da Fé. Uma alma que desejava servi-Lo na humildade e na caridade não deixa de amá-Lo voluntariamente, assim... do nada, por nada. A Igreja falhou com ela, como falhou com meu amigo da segunda história.
A segunda história é de uma alma sensível e profunda que cruzou meu caminho e, por motivos que até hoje ignoro (mas presumo), acabou por se afastar de mim, com suas questionáveis razões. "Sydney" (outro pseudônimo) era um poeta e um bom homem. Coincidentemente negro, pobre e interno de uma escola católica masculina (salesiana ou franciscana, não sei ao certo), também não teve a vida facilitada no internado por causa de sua cor e de seu status. Também desejou servir a Deus e foi rejeitado pelo mesmo motivo: disseram-lhe na cara que não podia por ser negro. Embora tentasse esconder sua mágoa ainda atual, eu já conhecia bem seu coração para saber o quanto isso ainda o torturava. Não como vítima de racismo, não por ser negro, mas por não lhe terem permitido servir a Deus no mais sublime dos ofícios: ele queria ser padre. A sua também foi uma história de superação, pois ele se formou e se tornou muito mais que o simples agricultor que seu pai fora. Um espírito vivo, um humor ferino, nos identificávamos sobremaneira, nos unia a Fé. Quando o conhei, ele ainda era católico, um católico "desinteressado"... Sua mudança foi inesperada, um dia me disse que frequentava o culto protestante com a esposa. Não foi por "crer" que ele se tornou protestante; buscava conforto e o encontrou com os que arregaçam as mangas e saem catando almas fora do aconchego dos templos¹. Mas, se colecionava sucessos, também colecionava dores e as extravasava no álcool. O perdi como amigo. Perdeu-se como católico. Não soube mais dele.
¹ Sim, essa é uma das queixas que mais ouvi dos conhecidos ex-católicos: "os padres são todos 'vem a mim' e o 'vosso Reino'... nada". Demorei para entender o significado dessa frase aparentemente tão desconexa: as pessoas se queixam da falta de apostolado dos padres, da falta de ação; os acusam de ficarem confortavelmente instalado em seus altares e não saírem à procura da ovelha perdida...
As duas histórias tão parecidas se cruzaram aproximadamente na mesma época em minha vida. Se Fátima conseguiu afastar-se tão completamente de Deus abraçando uma crença tão estranha à sua própria origem, à sua própria história, Sydney se manteve "por perto". Para mim, tem mais a ver com a intensidade da dor que lhes foi provocada do que propriamente com conversão... ou desconversão. Eu ainda guardo esperança para ambos.
E não posso deixar de acusar a Igreja Conciliar por ter abandonado a si mesmas estas duas almas, como tantas outras. Há um dar-de-ombros que me enoja, como se "deixar a Igreja" fosse um problema particular de cada um, com o qual o padre não tem nada a ver... esquecendo-se que o Bom Pastor deixou as 99 ovelhas no redil (em segurança - olhem a preocupação dEle) e foi atrás daquela uma tão importante, tão amada: a que mais precisava dEle. Costumeiramente representado no alto de uma encosta, a resgatar sua ovelhinha perdida, o Bom Pastor não ficara esperando dentro do redil que aquela voltasse por si só!
E há outras histórias de "desconversão" que ouvi ao longo de minha vida e que tentei, inutilmente, dissuadir, como a de outra conhecida que deixara de ser católica por que um padre, durante a confissão², lhe fizera propostas indecentes. Era um padre da Igreja do Concílio Vaticano II, a que se alegra em dizer que "somos um povo santo e pecador", com ênfase particularmente no "pecador", especialmente os seus padres que fazem questão de mostrar que são "gente como a gente", humanos³, passíveis dos mais hediondos pecados, que parecem inevitáveis... como pareciam a Lutero. A vida dessa pobre mulher, "ao relento" da verdadeira Fé, foi como se esperava que fosse: divorciada, tornou-se amante de um homem casado com o qual depois passou a conviver e, depois, foi abandonada... Acompanhei sua vida até o momento em que convivia maritalmente com esse homem, soube que havia sido abandonada anos depois, por conhecidos em comum. Nunca mais soube dela de novo...
² Este é um momento de imensa covardia por parte de um sacerdote indigno, pois é um momento em que a alma está mais exposta e frágil, completamente entregue nas mãos de um homem que tem o poder de ligar e desligar, um poder sobrenatural que lhe foi dado pelo próprio Cristo.
³ Como se "humanos" significasse privados de dignidade e de capacidade de superação de si mesmos, de seus pecados, de seus vícios, e incapazes de cultivar virtudes mesmo que tivessem que recorrer ao cilício, ao jejum extremo, a toda sorta de penitência, porque, hoje, penitenciar-se é um escândalo maior do que ser um homem vil, um sacerdote vil!
Concluo, dizendo que compartilho com vocês as histórias de vida dessas duas almas que me foram tão caras e tão próximas por que precisava falar delas, e já me escusando por não as detalhar mais, revelando uma riqueza interior mal explorada, mal conduzida... O Céu é dos violentos, não é? Mas para querê-lo é preciso amá-lo, e para amá-lo é preciso conhecê-lo... E como podem conhecê-lo se a Verdade e a mentira estão tão misturadas hoje em dia e vêm de bocas acima de qualquer suspeita? E os ouvidos estão tão surdos porque há tantos ruídos ao nosso redor que já não conseguimos ouvir o Essencial...
E quem achar ainda que deve rasgar as vestes e cobrir-se de cinzas... que o faça, deve ter certeza absoluta de já estar salvo.
Que Deus tenha piedade de nós.
Giulia d'Amore
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