Domenico Giuliotti[1] foi um dos mais ferozes escritores católicos intransigentes e reacionários (“católico fera” como o havia definido Giuseppe Prezzolini) da Toscana do novecentos. As suas prosas em “A Hora de Barabás” ou nos “Pensamentos de um Malpensante[2]” ou em “Tições e Chamas” ou no famoso “Dicionário do Omo Selvagem” são até hoje exemplares para um católico que queira empenhar-se na arena apologética e social.
Eis uma tenra e emocionante poesia dedicada à Santa Virgem.
TRINTA E SETE ANOS, VIRGEM, É QUE VOU,
CANSADO E MALTRAPILHO COMO UM VAGABUNDO,
PELAS TORTAS RUELAS DO MUNDO;
E QUANDO E ONDE POSAREI NÃO SEI.
MAS VÓS, QUE DE TODO DESCONSOLADO ERRANTE
SEGUI, DO ALTO, OS INTRINCADOS PASSOS,
VOLVEI OS BELOS OLHOS AO VOSSO FILHINHO CELESTE,
DIZEI-LHE QUE ME ABRA OS SEUS BRAÇOS SANTOS.
DIZEI-LHE QUE TENHO SEDE E SECA É A CISTERNA,
DIZEI-LHE QUE TENHO FOME E TENHO POR PÃO OS SEIXOS,
DIZEI-LHE QUE, DE NOITE, SOBRE OS INCERTOS PASSOS,
APAGA-SE, AOS POUCOS, A LANTERNA.
VOSSO FILHO, Ó MÃE, É PÃO E ÁGUA E LUZ
QUE PLENAMENTE ILUMINA E RESTAURA;
ELE ACOLHENDO A ANIMA QUE IMPLORA,
CONSIGO, SE DIGNA, AO PAI A CONDUZ.
ELE É O AMOR QUE NOS SARA E DESVENDA,
ELE, SE EMUDECEMOS, NOS DÁ NOVA VOZ;
ELE, FLAMEJANDO, SE FAZ VIVA CRUZ
ÀQUILO A QUE O HOMEM NOVO SE ESTENDA.
MAS EU, QUE SOU ENTRE OS ÍNFIMOS O MESQUINHO
E NÃO SOU DIGNO AINDA DO MEU SENHOR
(VISTO QUE, COMO AO ESTULTO PODADOR,
SOBRA-ME DA VENDIMIA A TINA).
SE VÓS NÃO VIRDES, VIRGEM, A BUSCAR-ME
COM VOSSO MÍSTICO REMO E COM VOSSO LUME,
QUANDO EU CHEGAR À BEIRA DO INFERNAL RIO,
NÃO TENHO, POR MIM, ESPERANÇAS DE SALVAR-ME.
VEDES, PIA MÃE, COMO JÁ A MORTE
TUDO, PELO MUNDO, REVIRA E OBSCURA;
ESCRAVA DO CORPO, A ALMA TEME,
SOB O FLAGELO, DE NÃO SER FORTE.
LEVE-A, ENTÃO, AUXILIADORA BELA,
CONVOSCO, DESTE HUMANO TRISTE PROCURAR,
ACIMA, ATÉ O SOL NO QUAL RELUZ CRISTO,
E TODA ABSORTA ALMA AO REDOR É ESTRELA.
E ENQUANTO, DESLIGADA DOS SEUS PENSAMENTOS INÚTEIS,
SOMENTE EM VÓS SE REGOZIJA, VIRGEM DITOSA,
DEIXAI-A CAIR, COMO A OUTONAL ROSA,
DO FILHINHO VOSSO SOBRE OS OMBROS (E AS) TRESPASSADAS MÃOS.
[1] Escritor italiano (1877 - 1956).
[2] Malpensante (literalmente: que pensa mal) quer se contrapor a “benpensante”, como são chamados os conservadores, conformistas, pequeno-burgueses.