Lenda Negra e outros contos (II)
Os falsos mitos sobre a Idade Média refutados um a um
Branca de Castela reinando |
O PAPEL DA MULHER NA IDADE MÉDIA
Há quem pense que na Idade Média o papel da mulher era o de submissão total e completo ostracismo. Há quem cogite que se pensava que a alma da mulher não era imortal - afirmação gratuitamente preconceituosa e contraditória (se a alma é espiritual e imortal, como a alma feminina não seria? Seria uma alma mortal?). Como a Igreja seria hostil a esses seres sem alma, mas durante séculos batizou, confessou e ministrou a Eucaristia a essas criaturas? Não é estranho que os primeiros mártires cristãos tenham sido mulheres (Santas Agnes, Cecília, Ágata etc.)? Como venerar a Virgem Maria como cheia de graça e considerá-la desalmada? A historiografia contemporânea simplesmente apagou a mulher medieval.
Hilda de Whitby |
Nos tempos feudais a rainha era coroada como o rei, geralmente em Rheims ou, por vezes, em outras catedrais. A coroação da rainha era tão prestigiada quanto a do Rei. A última rainha a ser coroada foi Maria de Medicis, em 1610, na cidade de Paris. Algumas rainhas medievais desempenharam amplas funções, dominando a sua época; tais foram Leonor de Aquitânia (+1204) e Branca de Castela (+1252); no caso de ausência, da doença ou da morte do rei, exerciam poder incontestado, tendo a sua chancelaria, as suas armas e o seu campo de atividade pessoal. Verdade é que a jovem era dada em casamento pelos pais sem que tivesse livre escolha do seu futuro consorte. Todavia observe-se que também o rapaz era assim tratado; por conseguinte, homens e mulheres eram sujeitos ao mesmo regime.
A mulher na Igreja
Precisamente por causa da valorização prestada pela Igreja à mulher, várias figuras femininas desempenharam notável papel na Igreja medieval. Certas abadessas, por exemplo, eram autênticos senhores feudais, cujas funções eram respeitadas como as dos outros senhores; administravam vastos territórios como aldeias, paróquias; algumas usavam báculo, como o bispo...
Seja mencionada, entre outras, a abadessa Heloisa, do mosteiro do Paráclito, em meados do século XII: recebia o dízimo de uma vinha, tinha direito a foros sobre feno ou trigo, explorava uma granja...Ela mesma ensinava grego e hebraico às monjas, o que vem mostrar o nível de instrução das religiosas deste tempo, que às vezes rivalizavam com os monges mais letrados.
S. Hildegard de Bingen |
Pena faltar estudos mais sérios sobre o tema... É surpreendente ainda notar que a enciclopédia mais conhecida no século XII se deve a uma mulher, ou seja, à abadessa Herrad de Landsberg. Tem o título “Hortus Deliciarum” (Jardim das Delícias) e fornece as informações mais seguras sobre as técnicas do seu tempo. Algo de semelhante se encontra nas obras de S. Hildegarda de Bingen.
Gertrudes de Helfta, no século XIII conta-nos como se sentiu feliz ao passar do estado de “romancista” ao de “teóloga”. Conforme Pedro, o Venerável, ela, em sua juventude, não sendo freira e não querendo entrar num convento, procurava, todavia, estudos muito áridos, ao invés de se contentar com a vida mais frívola de uma jovem.
Ao percorrer o ciclo de estudos preparatórios ela galgara o ciclo superior, como se fazia na Universidade. Veio da abadia feminina de Gandersheim um manuscrito do século X contendo seis comédias, em prosa rimada, imitação de Terêncio, e que são atribuídas à famosa abadessa Rosvita, da qual, há muito tempo, conhecemos a influência sobre o desenvolvimento literário nos países germânicos.
Estas comédias, provavelmente representadas pelas religiosas, são, do ponto de vista da história dramática, consideradas como prova de uma tradição escolar que terá contribuído para o teatro da Idade Média.
Mulheres líderes
Joana d’Arc dedica suas armas à Virgem by Laure de Châtillon (1826-1908) |
Algo inédito e que nos dias de hoje - tão democráticos - jamais aconteceria:
No século XII, Robert d'Arbrissel, um dos maiores pregadores de todos os tempos resolveu fixar a multidão de seguidores seus na região de Fontevrault. Para isso ele criou um convento feminino, um masculino e entre os dois uma Igreja que seria o único local aonde os monges e as monjas poderiam se encontrar. Ora, este mosteiro duplo foi colocado sob a autoridade, não de um abade, mas de uma abadessa. Esta, por vontade do fundador, devia ser viúva, tendo tido a experiência do casamento. Para completar, a primeira abadessa que presidiu os destinos da Ordem de Fontevrault, Petronila de Chemillé, tinha 22 anos.
No período feudal o lugar da mulher na Igreja apresentou algumas diferenças daquele ocupado pelo homem, mas este foi um lugar iminente, que simboliza, por outro lado, perfeitamente o culto, insigne também, prestado à Virgem Maria entre os santos. E não é curioso como a época termine por uma figura de mulher - Joana D'Arc, que seja dito de passagem, não poderia, jamais, nos séculos seguintes obter a audiência do rei, sendo ela mulher, plebeia e ignorante, conseguindo mesmo assim suscitar a confiança que conseguiu, afinal. Pobre Joana D'Arc! Recentemente Luc Besson fez um filme[¹] de S. Joana D'Arc digna dos melhores hospícios, completamente esquizofrênica e que confundia sua vingança pessoal com o que seria a voz de Deus. Sem comentários.
A mulher comum
Rosvita de Gandersheim |
Faltaria falar das mulheres comuns, camponesas ou citadinas, mães de família ou trabalhadoras. A questão é muito extensa, e os exemplos podem chegar através de diversas fontes como documentos ou mil outros detalhes colhidos ao acaso e que mostram homens e mulheres através dos menores atos de suas existências. Através de documentos, pôde-se constatar a existência de cabeleireiras, salineiras (comércio do sal), moleiras, castelãs, mulheres de cruzados, viúvas de agricultores, etc. É por documentos deste gênero que se pode, peça por peça, reconstituir, como em um mosaico, a história real - muito diferente dos romances de cavalaria ou de fontes literárias que apresentam a mulher como um ser frágil, ideal e quase angélico - ou diabólico - mas que não tinha voz nem vez. Existem documentos demonstrando como em muitos locais, mulheres e homens votavam em assembleias urbanas ou comunas rurais. Ouve um caso curioso: Gaillardine de Fréchou foi uma mulher e a única pessoa que, diante da proposta de um arrendamento aos habitantes de Cauterets, nos Pirineus, pela Abadia de Saint Savin, votou pelo Não, quando a cidade inteira votou pelo Sim. Nas atas dos notários é muito frequente ver uma mulher casada agir por si mesma, abrir, por exemplo, uma loja ou uma venda, e isto sem ser obrigada a apresentar uma autorização do marido. Enfim, os registros de impostos, desde que foram conservados, como é o caso de Paris, no fim do século XIII, mostram multidão de mulheres exercendo funções: professora, médica, boticária, estucadora, tintureira, copista, miniaturista, encadernadora, etc.
Extraído de “O mito da Idade Média” e “Idade Média ‒ o que não nos ensinaram”, ambos de Régine Pernoud.
Ehret die Frauen (Women's worth) tapeceria de Marianne Stokes |
[¹] NdEª.: Os filmes foram vários:
- Jeanne d'Arc (1899), filme de Georges Méliès (1899)
- Joan the Woman, filme de Cecil B. de Mille (1917)
- A Paixão de Joana d'Arc, filme de 1928
- Joan of Arc, filme com Ingrid Bergman (1948)
- Giovanna d'Arco al rogo, filme de Roberto Rossellini (1954)
- Saint Joan, filme (1957) com Jean Seberg
- Procès de Jeanne d'Arc, filme francês de 1962
- Jeanne d'Arc, filme com Milla Jovovich (1999)
Nota do blog Pale Ideas: Os links são na maioria do Wikipedia, com o tempo irei substitui-los por outros mais fidedignos. Não informei os links dos filmes, porque não valem a pena. Os textos são dos links abaixo; as imagens, da web.
- http://gloriadaidademedia.blogspot.com.br/2007/06/quinto-mito-errado-idade-mdia-foi-noite.html
- http://gloriadaidademedia.blogspot.com.br/2007/06/segundo-mito-falso-na-idade-mdia-o.html
- http://historiarene1.blogspot.com.br/2013/03/o-papel-da-mulher-na-idade-media-regine.htmlhttp://permanencia.org.br/drupal/category/5/690