Para além do raciocínio médio-conciliar que às vezes circula a esmo, há substância. Para ler com a devida cautela.GdA
BUX: “A UNIDADE DOS CRISTÃOS? NÃO É DESTE MUNDO”
Dom Nicola Bux |
“Rezar pela unidade dos cristãos é fundamental para assimilar que a unidade vem do alto
não de baixo, mas hoje há o risco de que também entre os católicos se
difunda o 'vírus' que divide em seu interior as outras Igrejas cristãs”.
É o que afirma Dom Nicola Bux, teólogo, consultor da Congregação pela
Doutrina da Fé e especialista em ecumenismo, ao explicar o sentido da
Semana da Oração pela Unidade dos Cristãos, que inicia hoje, 18 de
janeiro, e termina no próximo dia 25.
Dom Bux, qual é o valor desta Semana da Oração pela Unidade dos Cristãos?
Serve, em primeiro lugar, para aprendermos que a unidade não vem de baixo, mas do alto. Depois do primeiro impulso conciliar que aos poucos se atenuou, parece ter-se afirmado um contra-modelo de ecumenismo que pretendia fazer surgir a unidade de baixo para cima. Hoje, talvez com mais realismo, volta-se a compreender que a unidade é algo que vem do alto, não podemos construí-la nós. O ecumenismo deve ser entendido como a tentativa de deixar para Deus o que é unicamente assunto dEle, isto é – por causa das divisões e dos pecados – de chamar o homem à unidade consigo.
Hoje, fala-se muito de ecumenismo, mas parece que há diferentes interpretações deste termo, às vezes até contraditórias. Qual é a interpretação correta?
Em geral, o ecumenismo se baseia na afirmação contida no capitulo 17 de João, dentro da grande oração de Jesus antes de sua paixão: “Que sejam um como, Pai, Tu e eu somos um, assim sejam eles uma coisa só na unidade” [João 17,2 – NdTª]. O próprio Jesus, então, invoca o dom da unidade desde o alto, até porque Ele estava diante das divisões existentes, que ele mesmo constatava entre os hebreus dos quais Ele era filho. Portanto, de certa forma, a preocupação com a unidade Lhe advinha da constatação da realidade. Tantos grupos, facções, contrapostas entre si, que os Evangelhos – e João – bem documentam.
E, assim, o Senhor, de certa forma previa, pressentia, que não seria muito diferente nem para os seus discípulos. E, portanto, de algum modo, Ele compreende que somente um dom do alto, um dom abundante, o perdão, limitaria os efeitos daquela culpa original que provocou a divisão. Não se deve esquecer nem no ecumenismo que a unidade visível não existe porque existe o pecado. Como dizia Irineu, onde há os pecados, há a multidão e não a unidade [sem fonte de referência – NdTª]. De outro lado, o pecado é uma realidade a tal ponto que na liturgia pascal, no canto do Exultet, é definido como pecado original, uma culpa feliz, uma felix culpa, quase um fato útil. O próprio São Paulo, na primeira carta aos Coríntios (11,19) diz, textualmente que “é necessário que ocorram divisão entre vós” [A frase completa é: “É necessário que entre vós haja partidos para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos” – NdTª]. Chama a atenção que para o Apóstolo sejam necessárias as divisões. Poderia parecer uma contradição: Jesus postula a unidade que vem do alto, São Paulo, de alguma forma, observa que existem as divisões. Nós estamos distantes no tempo, mas vemos as divisões reais entre os cristãos: das históricas às sutis, que passam até mesmo dentro de cada confissão. E, então, realmente compreendemos que não poderemos acabar com as divisões, pelo menos até o final dos tempos. Porque é através delas que devemos compreender que a unidade não é algo que nós construímos. É um dom, é um perdão, porque se não há perdão não há unidade alguma. Os cônjuges sabem bem disso.
Deve-se reconhecer que a realidade, contaminada pelo pecado, produz divisões que devem ser continuamente atravessadas, não com a pretensão de querer escondê-las ou diminuir em nome de uma unidade impossível. Mas compreendendo que ninguém, católico ou protestante, pode impor ao outro algo que o outro não é ou não há. Deve nascer do interior a percepção de tudo o que de verdadeiro e de bom existe no outro, para que cresça o dom da unidade, que de qualquer maneira vem do alto.
Frequentemente, falando de unidade dos cristãos, faz-se referência – até por teólogos católicos – a uma ideal ‘federação entre as Igrejas’, todas no mesmo nível. Mas o objetivo do ecumenismo para a Igreja católica é bem diferente.
A concepção que descreve é exatamente o que eu entendia quando falava da ideia de uma unidade que se pretende construir de baixo para cima. Fazem-se muitos esforços que não chegam a nada, então se apela a uma espécie de federação: procuremos nos reunirmos, mas cada um de nós continua a ser o que é e seguimos com a vida. Sabe-se lá porque, afinal, entre esses esforços há sempre a tentativa de fazer mudar a natureza da Igreja Católica.
Pode dar um exemplo?
Pensemos a alguns grupos de protestante que procuram impelir a Igreja Católica à intercomunhão. Esta é uma das ideias fixas de alguns grupos: façamos a intercomunhão entre nós, mesmo que cada um de nós conceba de forma diferente a própria realidade da comunhão. Como é notório, a ideia de eucaristia dos protestantes não é a dos católicos: os protestantes veem a eucaristia como ceia, para nós católicos o Corpo de Cristo como Igreja e o Corpo de Cristo como espécie sacramental constituem o mesmo mistério, único sacramento. Portanto, para nós não é possível estar em comunhão com quem pensa de forma diferente sobre isso. Apesar disso, entre os protestantes, e também em alguns setores católicos, se quer a todo curso impelir-nos para uma aparência de unidade.
Mas a questão vai além dos cristãos e se estende aos hebreus, por exemplo: esta manhã, ouvia uma entrevista do rabino-chefe de Roma, o qual, de certa forma, ditava à Igreja Católica os critérios para ser Igreja. Dizia: portanto, devemos eliminar a teologia da substituição (o povo de Deus tomou o lugar do povo de Israel, no que diz respeito à salvação). Depois, precisamos nos livrar das beatificações (aludindo a Pio XII); por fim, precisa-se tomar cuidado ao chamar de volta à unidade os lefebvrianos, porque chamá-los de volta significa trair o Concílio. A mim parece estranho que uma pessoa que não é membro da Igreja Católica intervenha desse modo ao invés de olhar internamente. Se quiser mesmo trabalhar para tornar menos difícil a coexistência entre diferentes seres humanos ou religiões, preocupe-se antes em olhar, em si mesmo, quais são os problemas, os pontos sobre os quais precisa trabalhar para tornar menos difícil a compartilha entre seres humanos – neste caso de duas religiões – ao invés de ditar ao outro aquilo que deveria ser. Este é um modo ruim de entender o ecumenismo, neste caso o diálogo inter-religioso. Nenhum de nós sequer sonharia em ir dizer aos hebreus o que devem ou não devem fazer.
Poder-se-ia, porém, objetar que também os católicos desejam a mudança dos outros, que os outros voltem à única Igreja Católica, que também os hebreus se convertam. Porque isso não é uma falta de respeito?
Pertence ao DNA do católico, caso contrário não seria católico, conceber a Igreja como plenitude da Verdade e o máximo possível de unidade. Menos que a Igreja Católica – dizia von Balthasar – quer dizer pertencer a outra realidade que não é a Igreja Católica. Para um católico – consciente de sua própria catolicidade – pertencer à Igreja Católica é o máximo de pertença eclesial cristã que possa existir. Isto provavelmente não agradará aos outros, mas procurarei fazer entender com um exemplo: se a ideia de sacramento não caracteriza a Igreja protestante, ou se a ideia do primado do Bispo de Roma em relação a todos os bispos do mundo não caracteriza a igreja ortodoxa, quer dizer que estamos diante de uma diferença para menor em respeito à plenitude católica. Dizia Balthasar: estas realidades já repousam na Igreja Católica, não são externas. Portanto, quem não as tem, quem as recusou, por razões históricas, certamente não pode pretender que os católicos voltem atrás no tempo. Eles devem se perguntar por que motivos as recusaram. Certamente, pode haver a responsabilidade católica por estas divisões, mas isso não tira nada da verdade em relação à natureza da Igreja. Lembre-se também que os cristãos professam o mesmo Credo, que foram confeccionados nos Concílios de Niceia e de Constantinopla: portanto, todos nós afirmamos “Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica”, mesmo que seja evidente que a afirmação oral – diria Santo Irineu – não quer dizer que todos cremos do mesmo modo.
E, então, como se concilia o diálogo com a missão?
Um católico não pode não desejar que qualquer ser humano se torne católico, porque caso contrário haveria uma pergunta grande quanto uma casa sobre o porquê eu sou católico.
Se eu sou católico, creio que tenha sido o maior presente feito à minha vida. Se este presente foi dado a mim porque não devo desejar que seja dado a outros? Se eu creio que Jesus Cristo é o único Senhor e o Salvador da humanidade porque devo crer que alguns setores da humanidade devam ser excluídos? A catolicidade, a dimensão católica está a indicar esta universalidade de olhar, de destinação: para nós católicos não é um limite, pelo contrário, é uma missão: ai de nós se não a perseguíssemos, como diz São Paulo. O diálogo é no sentido da busca da verdade: entre os hebreus muitos se tornaram cristãos por um movimento espontâneo de aprofundamento de sua própria religião: foram a fundo em sua própria religião; Jesus é o cumprimento desta busca da verdade.
Voltando ao diálogo entre os cristãos, tem-se a impressão que com os Ortodoxos a unidade seja mais fácil – ou mais próxima – em relação às Igrejas protestantes.
Creio seja uma aparência. Com os ortodoxos diferimos essencialmente porque a ideia de Igreja que eles têm não postula um princípio visível de unidade que resida no Bispo de Roma. Eles creem que a Igreja seja apoiada unicamente sobre as Igrejas locais, sobre a visibilidade local.
Dizer que seja mais fácil é arriscado porque, dentro da própria Ortodoxia, os bispos e as Igrejas nas quais a Ortodoxia se articula já consolidaram completamente o princípio da autonomia, cada um faz de sua própria cabeça (é o significado literal de autocéfalas). Os ortodoxos sabem que este é o grande problema deles. A estrutura eclesiológica que se firmou através dos séculos chegou a tal ponto que não são capazes de sair dela.
A autocefalia é uma espécie de vírus que se torna um princípio de destruição da Igreja, e infelizmente atacou também a Igreja Católica. Basta pensar à elefantíase das conferências episcopais (nacionais, regionais, territoriais) que praticamente querem ditar lei também à Sé Apostólica de Roma. O risco é grave: a realidade – não de hoje – é que há uma tentativa por parte de algumas conferências episcopais de constituir-se como alter ego da Santa Sé, esquecendo-se de que as conferências episcopais não são de instituição divina. São organismos eclesiais que, então, têm todos os limites dos organismos humanos. Nem mesmo a autoridade de um único bispo pode ser ultrapassada por uma conferência episcopal. Mas hoje se assiste a isso, ao lento, indireto, exaurimento da autoridade do simples bispo por parte das Conferências episcopais. Estas, entre outras coisas, não têm prerrogativas doutrinais, mas frequentemente assistimos a decisões quase contestatórias contra a autoridade do Bispo de Roma, sem a qual não subsiste nem mesmo a dos organismos colegiados. Como ensina o Concílio Vaticano II, o colégio dos bispos nunca existe sem o seu chefe. Se não providenciarmos logo a cura deste vírus, nós também nos arriscaremos em nos encontrarmos em situações análogas – e diria sempre mais difíceis – àquelas dos chamados irmãos separados.
Por Riccardo Cascioli (18-01-2012)
Dom Bux, qual é o valor desta Semana da Oração pela Unidade dos Cristãos?
Serve, em primeiro lugar, para aprendermos que a unidade não vem de baixo, mas do alto. Depois do primeiro impulso conciliar que aos poucos se atenuou, parece ter-se afirmado um contra-modelo de ecumenismo que pretendia fazer surgir a unidade de baixo para cima. Hoje, talvez com mais realismo, volta-se a compreender que a unidade é algo que vem do alto, não podemos construí-la nós. O ecumenismo deve ser entendido como a tentativa de deixar para Deus o que é unicamente assunto dEle, isto é – por causa das divisões e dos pecados – de chamar o homem à unidade consigo.
Hoje, fala-se muito de ecumenismo, mas parece que há diferentes interpretações deste termo, às vezes até contraditórias. Qual é a interpretação correta?
Em geral, o ecumenismo se baseia na afirmação contida no capitulo 17 de João, dentro da grande oração de Jesus antes de sua paixão: “Que sejam um como, Pai, Tu e eu somos um, assim sejam eles uma coisa só na unidade” [João 17,2 – NdTª]. O próprio Jesus, então, invoca o dom da unidade desde o alto, até porque Ele estava diante das divisões existentes, que ele mesmo constatava entre os hebreus dos quais Ele era filho. Portanto, de certa forma, a preocupação com a unidade Lhe advinha da constatação da realidade. Tantos grupos, facções, contrapostas entre si, que os Evangelhos – e João – bem documentam.
E, assim, o Senhor, de certa forma previa, pressentia, que não seria muito diferente nem para os seus discípulos. E, portanto, de algum modo, Ele compreende que somente um dom do alto, um dom abundante, o perdão, limitaria os efeitos daquela culpa original que provocou a divisão. Não se deve esquecer nem no ecumenismo que a unidade visível não existe porque existe o pecado. Como dizia Irineu, onde há os pecados, há a multidão e não a unidade [sem fonte de referência – NdTª]. De outro lado, o pecado é uma realidade a tal ponto que na liturgia pascal, no canto do Exultet, é definido como pecado original, uma culpa feliz, uma felix culpa, quase um fato útil. O próprio São Paulo, na primeira carta aos Coríntios (11,19) diz, textualmente que “é necessário que ocorram divisão entre vós” [A frase completa é: “É necessário que entre vós haja partidos para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos” – NdTª]. Chama a atenção que para o Apóstolo sejam necessárias as divisões. Poderia parecer uma contradição: Jesus postula a unidade que vem do alto, São Paulo, de alguma forma, observa que existem as divisões. Nós estamos distantes no tempo, mas vemos as divisões reais entre os cristãos: das históricas às sutis, que passam até mesmo dentro de cada confissão. E, então, realmente compreendemos que não poderemos acabar com as divisões, pelo menos até o final dos tempos. Porque é através delas que devemos compreender que a unidade não é algo que nós construímos. É um dom, é um perdão, porque se não há perdão não há unidade alguma. Os cônjuges sabem bem disso.
Deve-se reconhecer que a realidade, contaminada pelo pecado, produz divisões que devem ser continuamente atravessadas, não com a pretensão de querer escondê-las ou diminuir em nome de uma unidade impossível. Mas compreendendo que ninguém, católico ou protestante, pode impor ao outro algo que o outro não é ou não há. Deve nascer do interior a percepção de tudo o que de verdadeiro e de bom existe no outro, para que cresça o dom da unidade, que de qualquer maneira vem do alto.
Frequentemente, falando de unidade dos cristãos, faz-se referência – até por teólogos católicos – a uma ideal ‘federação entre as Igrejas’, todas no mesmo nível. Mas o objetivo do ecumenismo para a Igreja católica é bem diferente.
A concepção que descreve é exatamente o que eu entendia quando falava da ideia de uma unidade que se pretende construir de baixo para cima. Fazem-se muitos esforços que não chegam a nada, então se apela a uma espécie de federação: procuremos nos reunirmos, mas cada um de nós continua a ser o que é e seguimos com a vida. Sabe-se lá porque, afinal, entre esses esforços há sempre a tentativa de fazer mudar a natureza da Igreja Católica.
Pode dar um exemplo?
Pensemos a alguns grupos de protestante que procuram impelir a Igreja Católica à intercomunhão. Esta é uma das ideias fixas de alguns grupos: façamos a intercomunhão entre nós, mesmo que cada um de nós conceba de forma diferente a própria realidade da comunhão. Como é notório, a ideia de eucaristia dos protestantes não é a dos católicos: os protestantes veem a eucaristia como ceia, para nós católicos o Corpo de Cristo como Igreja e o Corpo de Cristo como espécie sacramental constituem o mesmo mistério, único sacramento. Portanto, para nós não é possível estar em comunhão com quem pensa de forma diferente sobre isso. Apesar disso, entre os protestantes, e também em alguns setores católicos, se quer a todo curso impelir-nos para uma aparência de unidade.
Mas a questão vai além dos cristãos e se estende aos hebreus, por exemplo: esta manhã, ouvia uma entrevista do rabino-chefe de Roma, o qual, de certa forma, ditava à Igreja Católica os critérios para ser Igreja. Dizia: portanto, devemos eliminar a teologia da substituição (o povo de Deus tomou o lugar do povo de Israel, no que diz respeito à salvação). Depois, precisamos nos livrar das beatificações (aludindo a Pio XII); por fim, precisa-se tomar cuidado ao chamar de volta à unidade os lefebvrianos, porque chamá-los de volta significa trair o Concílio. A mim parece estranho que uma pessoa que não é membro da Igreja Católica intervenha desse modo ao invés de olhar internamente. Se quiser mesmo trabalhar para tornar menos difícil a coexistência entre diferentes seres humanos ou religiões, preocupe-se antes em olhar, em si mesmo, quais são os problemas, os pontos sobre os quais precisa trabalhar para tornar menos difícil a compartilha entre seres humanos – neste caso de duas religiões – ao invés de ditar ao outro aquilo que deveria ser. Este é um modo ruim de entender o ecumenismo, neste caso o diálogo inter-religioso. Nenhum de nós sequer sonharia em ir dizer aos hebreus o que devem ou não devem fazer.
Poder-se-ia, porém, objetar que também os católicos desejam a mudança dos outros, que os outros voltem à única Igreja Católica, que também os hebreus se convertam. Porque isso não é uma falta de respeito?
Pertence ao DNA do católico, caso contrário não seria católico, conceber a Igreja como plenitude da Verdade e o máximo possível de unidade. Menos que a Igreja Católica – dizia von Balthasar – quer dizer pertencer a outra realidade que não é a Igreja Católica. Para um católico – consciente de sua própria catolicidade – pertencer à Igreja Católica é o máximo de pertença eclesial cristã que possa existir. Isto provavelmente não agradará aos outros, mas procurarei fazer entender com um exemplo: se a ideia de sacramento não caracteriza a Igreja protestante, ou se a ideia do primado do Bispo de Roma em relação a todos os bispos do mundo não caracteriza a igreja ortodoxa, quer dizer que estamos diante de uma diferença para menor em respeito à plenitude católica. Dizia Balthasar: estas realidades já repousam na Igreja Católica, não são externas. Portanto, quem não as tem, quem as recusou, por razões históricas, certamente não pode pretender que os católicos voltem atrás no tempo. Eles devem se perguntar por que motivos as recusaram. Certamente, pode haver a responsabilidade católica por estas divisões, mas isso não tira nada da verdade em relação à natureza da Igreja. Lembre-se também que os cristãos professam o mesmo Credo, que foram confeccionados nos Concílios de Niceia e de Constantinopla: portanto, todos nós afirmamos “Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica”, mesmo que seja evidente que a afirmação oral – diria Santo Irineu – não quer dizer que todos cremos do mesmo modo.
E, então, como se concilia o diálogo com a missão?
Um católico não pode não desejar que qualquer ser humano se torne católico, porque caso contrário haveria uma pergunta grande quanto uma casa sobre o porquê eu sou católico.
Se eu sou católico, creio que tenha sido o maior presente feito à minha vida. Se este presente foi dado a mim porque não devo desejar que seja dado a outros? Se eu creio que Jesus Cristo é o único Senhor e o Salvador da humanidade porque devo crer que alguns setores da humanidade devam ser excluídos? A catolicidade, a dimensão católica está a indicar esta universalidade de olhar, de destinação: para nós católicos não é um limite, pelo contrário, é uma missão: ai de nós se não a perseguíssemos, como diz São Paulo. O diálogo é no sentido da busca da verdade: entre os hebreus muitos se tornaram cristãos por um movimento espontâneo de aprofundamento de sua própria religião: foram a fundo em sua própria religião; Jesus é o cumprimento desta busca da verdade.
Voltando ao diálogo entre os cristãos, tem-se a impressão que com os Ortodoxos a unidade seja mais fácil – ou mais próxima – em relação às Igrejas protestantes.
Creio seja uma aparência. Com os ortodoxos diferimos essencialmente porque a ideia de Igreja que eles têm não postula um princípio visível de unidade que resida no Bispo de Roma. Eles creem que a Igreja seja apoiada unicamente sobre as Igrejas locais, sobre a visibilidade local.
Dizer que seja mais fácil é arriscado porque, dentro da própria Ortodoxia, os bispos e as Igrejas nas quais a Ortodoxia se articula já consolidaram completamente o princípio da autonomia, cada um faz de sua própria cabeça (é o significado literal de autocéfalas). Os ortodoxos sabem que este é o grande problema deles. A estrutura eclesiológica que se firmou através dos séculos chegou a tal ponto que não são capazes de sair dela.
A autocefalia é uma espécie de vírus que se torna um princípio de destruição da Igreja, e infelizmente atacou também a Igreja Católica. Basta pensar à elefantíase das conferências episcopais (nacionais, regionais, territoriais) que praticamente querem ditar lei também à Sé Apostólica de Roma. O risco é grave: a realidade – não de hoje – é que há uma tentativa por parte de algumas conferências episcopais de constituir-se como alter ego da Santa Sé, esquecendo-se de que as conferências episcopais não são de instituição divina. São organismos eclesiais que, então, têm todos os limites dos organismos humanos. Nem mesmo a autoridade de um único bispo pode ser ultrapassada por uma conferência episcopal. Mas hoje se assiste a isso, ao lento, indireto, exaurimento da autoridade do simples bispo por parte das Conferências episcopais. Estas, entre outras coisas, não têm prerrogativas doutrinais, mas frequentemente assistimos a decisões quase contestatórias contra a autoridade do Bispo de Roma, sem a qual não subsiste nem mesmo a dos organismos colegiados. Como ensina o Concílio Vaticano II, o colégio dos bispos nunca existe sem o seu chefe. Se não providenciarmos logo a cura deste vírus, nós também nos arriscaremos em nos encontrarmos em situações análogas – e diria sempre mais difíceis – àquelas dos chamados irmãos separados.
Por Riccardo Cascioli (18-01-2012)
Fonte: La Bussola Quotidiana
Tradução: Giulia d'Amore di Ugento
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