Fato ocorrido em 1865, depois de séculos de atroz perseguição religiosa no País do Sol Nascente, que executou e torturou por volta de trezentos mil católicos em séculos de proibição oficial do cristianismo em terras japonesas.
“Aonde se encontra a imagem de Santa Maria?”
No altar lateral, à direita de quem adentra a catedral de Urakami, na cidade de Nagasaki, Japão, se encontra uma imagem de Nossa Senhora com o Menino Jesus. É obra de um artista chamado Rafael feita em 1860. Embora possa não ser grande o seu valor artístico, é imensa a sua importância histórica.
Dentre os visitantes da catedral havia agricultores Cristãos da Vila de Urakami que sob a perseguição de 250 anos persistiram na transmissão da fé por 7 gerações. E eles viram essa imagem…
O boato de que “no ‘templo francês’ se encontrava “Santa Maria” se espalhou de boca em boca naquela Vila de Urakami, fazendo estremecer muitos corações.
“Se a Santa Maria se encontra ali, o estrangeiro que mora ali é sem dúvida o senhor ‘padere’ (padre)”.
Passaram sete gerações conforme a profecia de Bastião e todos recordaram que uma das três maneiras de se identificar um sacerdote Católico era a “Veneração à Santa Maria”.
Passaram sete gerações conforme a profecia de Bastião e todos recordaram que uma das três maneiras de se identificar um sacerdote Católico era a “Veneração à Santa Maria”.
“Quero ir ao templo francês para me encontrar com o senhor padre” afirmou resoluta a usualmente tímida parteira Isabelina Yuri (que mais tarde adotou o sobrenome de Sugimoto) de 52 anos que morava em Hamaguchi.
Os mais idosos preferiam manter a cautela. A repressão iniciada há 9 anos (1856) denominada “Urakami Sanban Kuzure” (Terceira Queda de Urakami) fizera vários mártires, inclusive Kichizo Ogata, e a sociedade religiosa clandestina estava à beira do colapso. Mesmo dentre aqueles que foram libertados, muitos estavam presos ao leito por causa das torturas recebidas.
“E se o estrangeiro não for o senhor padre?”; “Soubemos que há uma rigorosa vigilância. E se formos pegos?”, eram as questões levantadas.
Porém, Yuri estava decidida a ir. “Se Santa Maria se encontra ali, o estrangeiro é sem dúvida o senhor padre. Se eu puder me encontrar com o senhor padre, não me importo de ser morta”, insistiu. Os idosos que também aguardavam com ansiedade a chegada dos padres acabaram por concordar com ela.
Preocupados em mandar sozinha a introvertida Yuri, resolveram fazê-la acompanhar por sua irmã mais extrovertida e sociável Clara Teru, de 49 anos. Então, o marido desta, Taju e o genro de Yuri, Koutaro também manifestaram o desejo de ir à catedral. Por fim o grupo era constituído de 12 a 15 pessoas.
Na tarde de uma sexta-feira, 17 de março de 1865, chegaram às portas da catedral. A igreja estava fechada. Enquanto tentavam abrir as portas, Pe. Petitjean, que se encontrava no jardim, veio atendê-los. Os integrantes do grupo, fingindo ser simples curiosos, se espalharam pela catedral. Pe. Petitjean ajoelhou-se diante do altar para orar. Três senhoras se aproximaram dele e sussurraram ao seu ouvido:
“O nosso coração é o mesmo que o seu”. “Aonde se encontra a imagem de Santa Maria?”“Somos de Urakami. Todos os habitantes de Urakami possuem o mesmo coração”.
Será que conseguiríamos imaginar a surpresa e a alegria que tomou conta do padre? Enquanto o sacerdote se levantava, as senhoras lhe perguntaram, “Aonde se encontra a imagem de Santa Maria?”
O padre levou-as diante da imagem. As pessoas que haviam se espalhado também se aglomeraram naquele espaço.
“É Santa Maria mesmo! Olhem, Ela carrega o Menino Jesus!”
“Nós estamos atualmente obedecendo ao “Kanashimisetsu” (‘período de tristeza’). O senhor também obedece?”
“Kanashimisetsu” era a Quaresma. Durante todo aquele período sob intensa perseguição, e embora sem nenhum sacerdote para orientá-los, eles perseveravam no jejum e nas orações por 40 dias.
Por causa de dois anos de aprendizado de Japonês em Naha (Okinawa), o padre compreendeu o que eles falavam, bem como os seus corações Cristãos, e respondeu que ele também obedecia ao “Kanashimisetsu”.
A primeira a se revelar Cristã
Pe. Petitijean relatou o acontecimento daquele dia numa carta escrita no dia seguinte endereçada ao Pe. Girard, provincial que se encontrava em Yokohama. Embora tenha transcrito em letras romanas as várias palavras de alegria expressadas pelos Cristãos de Urakami, curiosamente escreveu as primeiras palavras em francês. O bispo Kazusaburo Urakawa assim as traduziu: “Nós que aqui estamos, possuímos o mesmo coração que o senhor”. Muitos atribuíram estas palavras à Clara Teru.
Porém, através do diário do Pe. Renault que veio à Nagasaki no ano 8 da Era Meiji se esclareceu que as palavras foram inicialmente proferidas pela tímida Isabelina Yuri.
As palavras que fizeram história
“O nosso coração é o mesmo que o do senhor!”
Estas palavras sussurradas por Yuri deflagraram a história da “Ressurreição Cristã” japonesa. A começar por Urakami, os inúmeros Cristãos ocultos nas várias ilhas de Nagasaki, Sotome, Goto, Amakusa, Chikugo e Imamura se subordinaram à Igreja do ‘padere’. Pe. Petitjean foi nomeado bispo e Vigário Apostólico do Japão em 1866, restabelecendo a Hierarquia japonesa e o reinício da caminhada da Igreja.
Segundo profecias de Bastião acerca do “retorno dos padres após sete gerações”, eram três as características que distinguiriam a verdadeira Religião dos antepassados Cristãos: através de uma delas, isto é, a veneração à Santa Maria, os Cristãos de Urakami souberam que Petitjean era padre. Porém, havia mais duas características a examinar.
Será que eram solteiros? Pedro Masakichi de Kaminoshima chegou à catedral de Oura e falou ao bispo Petitjean:
“Vim cumprimentá-lo e gostaria também de cumprimentar sua esposa e seus filhos”. “Eu sou só. Veja, não há mais ninguém aqui”. “Senhor não os deixou no seu país?”
“Não. Nós permanecemos solteiros por toda a vida. Todos os Cristãos são nossos filhos”.
Sabendo que Petitjean era solteiro, Masakichi acreditou que ele era verdadeiramente padre. Não contendo a sua alegria, sentado formalmente sobre os joelhos conforme costume dos japoneses, encostava a sua cabeça no chão em reverência e gritava emocionado.
Sabendo que Petitjean era solteiro, Masakichi acreditou que ele era verdadeiramente padre. Não contendo a sua alegria, sentado formalmente sobre os joelhos conforme costume dos japoneses, encostava a sua cabeça no chão em reverência e gritava emocionado.
“Então és solteiro! Obrigado! Obrigado!”
O representante dos Cristãos de Izutsu veio averiguar se ele se subordinava ao Papa de Roma:
“Como se chama o senhor Chefe de Roma?” “Pio Nono. Nós viemos ao Japão por ordem do nosso Chefe de Roma”.
Assim, todas as características foram satisfeitas. Agora restava somente aprender a Doutrina e as Orações sob seus cuidados, e receber os Sacramentos como verdadeiros Cristãos. De todas as regiões vinham representantes para aprender e transmitir os ensinamentos e isso exigia que fossem impressos e distribuídos livros de ensinamentos Católicos. E tudo deveria ser feito clandestinamente. O responsável para essa missão era Pe. Marc Marie de Rotz, que estudou a arte da imprensa na França. Chegou à Nagasaki em 7 de junho de 1868. Até ser transferido a Sotome no ano 12 da Era Meiji, foi responsável pela impressão de 36 edições de litografia e tipografia.
Este acontecimento da “Ressurreição Cristã” ou “Descoberta dos Fiéis” é considerado verdadeiro milagre na história religiosa mundial. E o fato se deve à transmissão da fé sob rigorosa e ininterrupta repressão de 250 anos, ou sete gerações.
Diz-se “Descoberta dos Fiéis”, porém, o fato é que não foram os padres que procuraram os fiéis. Foram os fiéis que procuraram os padres, e, a rigor deveria se denominar a “Descoberta dos Padres”…
do livro: “A História do Martírio Cristão no Japão”, de Yakichi Kataoka. Tradução: Marcos T. Morita
Visto em: https://regisaeculorumimmortali.wordpress.com/2013/10/17/a-ressurreicao-dos-cristaos-do-japao/
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