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segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Um Conto de Natal - O Natal de Duc

O Natal de Duc

por Gildo Dominici

Nguyen Duc era coronel do exército do Vietnã do Sul, sob o regime do presidente Thieu. Casado com uma bonita senhora da alta sociedade de Saigon, tinha cinco maravilhosos filhos, era proprietário de duas casas nessa cidade e gozava de prestígio na sociedade e no exército. Bom soldado, esposo e pai feliz, católico praticante, Duc podia considerar-se bem sucedido na vida e não lhe faltava nada a desejar, a não ser progredir na carreira.

Mas eis a catástrofe de 30 de abril de 1975: os comunistas tomam o poder no Vietnã do Sul e esse evento muda totalmente a vida de Duc. Três meses depois da queda de Saigon, Duc é preso e enviado a um "campo de reeducação": trabalho forçado, lavagem cerebral, política, fome e solidão são seus companheiros durante 13 anos. Sua família não tem autorização para visitá-lo, também porque fora levado para o norte, na fronteira com a China.


Dois anos depois da captura, sua esposa deixa-o para se casar com outro. Os filhos, um após o outro, abandonam o pai e se dispersam pela América e a Austrália. Também seus pais e irmãos fogem para o exterior. Sua esposa vende uma das casas, as autoridades confiscam a outra. Duc perde tudo.

Quando, após 13 anos de trabalhos forçados, é libertado, não tem um telhado para se abrigar. "Estou nu como quando nasci", fala para si mesmo. Mas o que mais fere sua alma é o fato de que ninguém está ali esperando por ele: ninguém lhe dá as boas-vindas, ninguém se alegra pela sua libertação. Duc está sozinho.

Ele sente uma grande angústia no coração; vive sua solidão como algo desumano. Um dia encontra por acaso um amigo numa rua de Saigon: "Que surpresa! - exclama o amigo -. Não sabia que você fora liberado. Venha para minha casa". Para não levantar suspeitas, tomam dois caminhos diferentes. Assim, Duc fica sabendo do amigo que a filha caçula ainda está em Saigon, casada com um dirigente comunista.

"Ela agora é comunista, - diz-lhe o amigo -. Por isso nunca foi visitar você durante todos esses anos". Duc vai ver a filha. Ela o recebe educadamente, mas com frieza. No decorrer do encontro, o clima torna-se meio agitado e depois de pouco tempo, a filha levanta-se e diz ao pai: "Treze anos de prisão não foram suficientes para mudar suas idéias erradas. Eu não tenho mais nada em comum com você".

Duc sente-se totalmente fracassado. Naquele momento, compreende toda a profundidade de sua tragédia e a escuridão de sua solidão: ele fracassara não só como soldado e como esposo, mas também como pai. "Até meus filhos me recusam e rejeitam. Não só não tenho mais nada, mas eu mesmo sou um nada. Por que continuar a viver? A vida não tem mais sentido para mim".

Certo dia, um parente distante propõe pagar-lhe a fuga, com a condição que leve consigo seu filho, Linh. Duc fica indeciso por muito tempo: por que ir para o exterior? Teria a coragem e a força de recomeçar uma vida nova? Mas, por fim, aceita, convencido de ter ainda uma missão na vida: contar ao mundo a desumanidade do sistema comunista. Parte num barco com mais 20 pessoas. Mas a tragédia golpeia de novo: o barco é atacado três vezes por piratas que pegam tudo, jogam ao mar os homens, violentam as mulheres, enfim afundam o barco. O jovem Linh morre afogado. Somente Duc e poucos outros salvam-se a nado.

Agora Duc encontra-se num campo de refugiados da Tailândia. Seu espírito está muito desanimado; sente-se responsável pela morte de Linh e sente raiva de Deus: "Por que é tão cruel? Por que me golpear continuamente com tragédias e sofrimentos? Por que me despojou de todos e de tudo? Por que tive que perder a família e ser reduzido a um nada?" Desde que saíra do campo de refugiados, Duc nunca mais entrou numa igreja.

Mas, na noite de Natal, ele se encaminha rumo à igreja, como muitos outros refugiados. Uma frase das leituras da Missa o impressiona: "De rico que era, Deus se fez pobre". "Como eu", pensa Duc. Mas, são sobretudo os cantos de Natal que inundam sua alma com um mar de recordações: quantas vezes tinha participado daquela Missa de meia-noite com sua família! Que felicidade naqueles anos! Agora tudo acabou. Dominado pela emoção, Duc senta-se debaixo de uma árvore na escuridão da noite rompe em soluços. Um choro amargo, desolado.
O AMOR nasceu!
No caminho de volta para sua cabana de bambu, Duc encontra uma criança de cerca de dez anos, que chora sentada à beira da estrada: "O que faz aqui sozinho?". "Quero voltar para minha mãe". "Onde mora?". "Cheguei hoje. Minhas irmãs foram raptadas pelos piratas...Quero voltar para casa". Duc o leva a sua cabana e lhe prepara um prato de arroz quente. No dia seguinte, vai ao escritório das Nações Unidas e à igreja para pedir alimento e roupa para "sua" criança. Nos dias seguintes, ele encontra outras crianças sozinhas no campo e cuida delas.

A partir daquela noite de Natal, Duc sente-se renascer. Ocupado com essas crianças, esquece seus sofrimentos; em lugar da solidão, aos poucos, entram uma profunda alegria e uma serenidade nunca experimentadas antes. Pouco a pouco, Duc entende: "Desde que comecei a servir estas crianças, sinto-me melhor. São valores como o amor, o serviço desinteressado, o dom de si que nos tornam felizes e não as 'coisas', como a carreira, o dinheiro, a política... A tragédia me 'despiu' das coisas que enchiam minha vida e criou em mim o vazio necessário para me preencher de amor. Por isso, minha vida agora é cheia de alegria e de sentido". Na noite de Páscoa, Duc vai à igreja para celebrar sua ressurreição.

Fonte: Revista "MUNDO e MISSÃO" 



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