« Ah! Eu tirarei satisfação dos meus adversários,
e me vingarei dos meus inimigos » (Is I,24)
Eis o que Deus diz quando fala de castigos e de vinganças: diz que Ele é
obrigado pela sua justiça a vingar-se de seus inimigos.Mas notem a
palavra Ah!.Esta palavra é uma espressão de dor, com a qual quer se dar a
entender que, se Deus fosse capaz de chorar antes de castigar, Ele
choraria amargamente por se ver obrigado a nos afligir, a nós, suas
criaturas, que Ele amou tanto que até deu a vida por amor de nós."Ah!",
diz Cornélio a Lapide, "é uma expressão de dor, não de insulto: Exprime a
dor e o desejo de evitar o ter que punir os pecadores".
Não, esse Deus que é Pai de Misericórdias, e que tanto nos ama, não tem ânimo de nos punir e de nois afligir, mas de nos perduar e de consolar: "bem conheço os desígnios que mantenho para convosco - oráculo do Senhor -, desígnios de prosperidade e não de calamidade" 1.
Mas, alguém dirá, posto que isso é assim, porque então Deus castiga?Ou, pelo menos, porque demonstra querer nos castigar?Porque?Porque Ele quer usar de misericórdia; a ira que demonstra é toda feita de paciência e de misericórdia.Compreendamos portanto, queridos ouvintes, que o Senhor no momento se faz ver irado, não para nos castigar, mas para que abandonemos o pecado e assim Ele possa nos perdoar.Esse é o tema de nosso Sermão: Deus ameaça castigar-nos para livrar-nos do castigo.
As ameaças dos homens são ordinariamente o efeito de sua soberba e de sua impotência.Quando podem vingar-se não abenaça para não dar aos inimigos ocasião de escaparem de sua vingança.Somente quando lhes falta o poder para vingar-se, então que se servem das ameaças para, pelo menos desta maneira, contentar a sua ira e atormentando seus inimigos com temor.
Não são deste naipe as ameaças de Deus.Elas são completamente de outra natureza.Ele não ameaça por impotência de nos castigar, porque Ele poderia vingar-se no momento que quisesse.Ele é paciênte conosco para ver nos penitêntes e livres do castigo: "e para que se arrependam, fechais os olhos aos pecados dos homens" 2.Nem nos ameaça por ódio, para nos atormentar com o temor.Deus ameaça por amor, afim de nos convertermos e assim evitarmos o castigo.Ameaça porque não quer ver-nos perdidos.Ameaça, enfim, porque ama nossas almas: "Mas poupais todos os seres, porque todos são vossos, ó Senhor, que amais a vida" 3.
Ameaça, mas, entretanto, é paciênte e atrasa o castigo, porque não nos quer ver condenados, mas emendados: "Usa da paciência para convosco.Não quer que alguém pereça; ao contrário quer que todos se arrependam" 4.De maneira que as ameças de Deus são ternuras e apelos amorosos de sua bondade, com os quais quer salvar-nos das penas que merecemos.
O Profeta Jonas grita: "Daqui a quarenta dias, Nínive será destruída" 5.Pobres Ninivitas, diz, já chegou o tempo de vosso castigo.Eu o anuncio da parte de Deus: Sabei que dentro de quarenta dias Nínive será arrastada e desaparecerá do mundo.Mas como é que depois Nínive fez penitência e não foi castigada? "Deus arrependeu-se do mal que resolvera fazer-lhes" 6.Pelo que Jonas afligiu-se e, lamentando-se com o Senhor disse-lhe: "É por isso que eu tentei esquivar-me fugindo para Tarsis, pois sabia que sois um Deus clemente e misericordioso, de coração grande, de muita benignidade e compaixão pelos nossos males" 7.
Por isso ele fugiu de Nínive, foi para o campo e deixou-se sob uma cabana coberta de hera para proteger-se dos raios abrasadores do sol.O que fêz porém o Senhor?Fêz que a hera secasse.Jonas de novo afligiu-se tanto que desejava a morte.Então Deus lhe disse: "tiveste compaixão de um arbusto pelo qual nada fizeste, que não fizeste crescer...e não hei de ter compaixão da grande cidade de Nínive?" 8.Tu te lamentas pela hera perdida, que não fizeste crescer, e não queres depois que Eu perdoe os homens que criei com minhas mãos?
A ruína que o Senhor fêz anunciar a Nínive explica São Basílio, não foi uma profecia, mas apenas uma ameça, mediante a qual queria ver aquela cidade convertida.O mesmo santo diz que Deus por vezes se mostra irado porque quer usar de Sua misericórdia e nos ameaça, não para nos castigar, mas para salvar-nos do castigo.E agrega Santo Agostinho que quando alguém nos diz "atenção" é sinal que não nos quer fazer dano.
Exatamente do mesmo modo faz Deus conosco.Nos ameça com o castigo diz São Jerônimo, não para o aplicar a nós, mas para nos livrar dele se nós, por causa de Seu aviso, nos emendamos.Vós, Senhor meu, diz São Gregório, quando pareceis endurecer-Vos, mais do que nunca quereis salvar-nos; ameaçais, mais com tais ameças não quereis outra coisa senão convidar-nos a fazer penitência.
Deus poderia castigar os pecadores de improviso e fazê-los morrer subitamente sem lhes dar sequer tempo de fazer penitência.Pelo contrário, Ele se mostra irado e se apresenta com flagelos na mão para vê-los recuperados em lugar de perdidos.
Disse o Senhor a Jeremias: "Talvez as ouçam eles e renunciem ao perverso comportamento.Arrepender-me-ei, então, dos males que cogito desencadear sobre eles" 9.Vá, disse-lhe, e diz aos pecadores que queiram ouvir-te, que se deixarem o pecado, Eu deixarei de enviar-lhes os castigos com que tenho pensado puni-los.
Compreendeis, meus irmãos!o mesmo vos faz ouvir hoje o Senhor pela minha boca.Se vós vos emendardes, ele revogará a sentença do castigo.Diz São Jerônimo: "Deus não nos odeia, mas odeia nossos pecados".E São João Crisóstomo acrecenta que Ele até esquece nossos pecados caso nós deles nos lembramos, quer dizer, sempre que nós humildemente nos emendarmos e pedirmos o perdão de nossas faltas, como Ele próprio o prometeu: "Eles se humilharam, não os deitarei a perder" 10.
Mas, para emendar-se, é preciso temer o castigo.Caso contrário, não nos resolveremos jamais a mudar de vida.É verdade que Deus proteje os que esperam na Sua misericórdia - "Ele é o escudo de todos os que n'Ele se refugiam" 11 -, mas esses são aqueles que esperam e que ao mesmo tempo temem a Sua justiça.Porque a esperança sem temor degenera em presunção e temeridade: "Confiam no Senhor os que temem o Senhor; Ele é o seu amparo e o seu escudo" 12.
Assim fala o Senhor nas Escrituras do rigor de Seu Juízo, do Inferno e do grande número de pessoas que nele cai: "Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, e depois disto nada mais podem fazer ...temei Aquele que, depois de matar, tem poder de lançar no inferno" 13. "Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição e numerosos são os que por aí entram" 14.
E por que Ele fala assim?Para que o temor nos afaste dos vícios, das paixões e das ocasiões de pecado.E assim possamos esperar a salvação, a qual não é dada senão aos inocentes ou aos penitentes que esperam e temem.
Ó, que força tem o temor do Inferno para refrear nossos pecados!Deus criou o Inferno com essa finalidade.Ele nos redimiu com Sua morte para nos ver salvos e nos impôs o preceito de esperar a salvação.E por isso nos dá ânimo dizendo que todos os que esperam n'Ele não se perderão: "Não, nenhum daqueles que esperam em Vós será confundido" 15.Para isso Ele quer e nos ordena que temamos a condenação eterna.
Os hereges ensinam que todos os justificados devem considerar-se infalivelmente como justos e predestinados.Mas eles foram judiciosamente condenados pelo Concílio de Trento 16, porque uma tal segurança é tão nociva para a salvação quanto é útil o temor."É a Ele que é preciso respeitar, a Ele que se deve temer" 17.O santo temor de Deus torna o homem santo.Por isso Davi pedia a Deus a graça do temor, para que o temor destruísse nele os afetos carnais: "O respeito que tenho por Vós me faz estremecer" 18.
Devemos portanto temer pelas nossas culpas, mas esse temor não deve abater-nos, mas dar-nos ainda mais confiança na divina misericórdia, como fazia o mesmo profeta dizendo ao Senhor: "Por amor de vosso nome, Senhor, perdoai meu pecado, por maior que seja" 19.Como assim?Diz ele, perdoai-me porque meu pecado é grande?Sim, porque a divina misericórdia resplandece mais onde maior é a miséria; e quem mais tem pecado, mais honra dá à misericórdia confiando em Deus, que promete salvar aqueles que n'Ele esperam: "E os salva, porque se refugiam n'Ele" 20.
Por isso diz o livro do Eclesiastes que o temor de Deus não traz pena, mas alegria e gáudio: "O temor do Senhor alegra o coração.Ele nos dá alegria, regozijo e longa vida" 21.Porque o próprio temor leva a adquirir uma firme esperança em Deus, que torna a alma feliz: "Aquele que teme o Senhor não tremerá.De nada terá medo, pois o próprio Senhor é sua esperança.Feliz a alma do que teme o Senhor" 22.Sim, bem-aventurada, porque o temor afasta o homem do pecado: "O temor do Senhor expulsa o pecado" 23.E dá ao mesmo tempo um grande desejo de observar os mandamentos: "Feliz o homem que teme o Senhor, e põe o seu prazer em observar os Seus mandamentos" 24.
É preciso persuadir-se que castigar não é conforme o modo de ser de Deus.Porque Ele é bondade infinita por sua própria natureza - Deus cuius natura bonitas, diz São Leão -, não tem outro desejo que fazer-nos bem e ver-nos contentes.Quando castiga, Ele se vê obrigado a fazê-lo para dar lugar à Sua justiça, mas não para comprazer uma inclinação.Isaías diz que castigar é uma obra alheia ao coração de Deus: "Porque o Senhor se levantará...e fremirá...para concluir Sua obra, Sua obra singular, para executar Seu trabalho, Seu trabalho inaudito" 25.E por isso diz o Senhor que por vezes Ele quase finge que vai enviar-nos um castigo: "Nutro o desígnio de lançar-vos uma desgraça" 26.Mas, por que faz assim?Eis porque: "voltai todos, portanto, do mau caminho" 27.O faz para nos ver emendados e assim libertados da pena merecida.
Escreve o Apóstolo que Deus "tem misericórdia de quem quer, e endurece a quem quer" 28.A respeito dessa passagem, diz São Bernardo que Deus, quando a Si, quer salvar-nos, mas nós é que o obrigamos a nos condenar 29.Ele se chama Pai das misericórdias, não das vinganças.De onde se segue que a razão para usar de piedade a tira de Si mesmo, mas para vingar-se a tira de nós.
E quem poderá jamais compreender quão grande seja a misericórdia divina? Diz Davi que Deus, mesmo quando está irado contra nós, tem compaixão de nós: "Estai irado e restabelecei-nos" 30.Ó ira misericordiosa, exclama o Abade Beronconsio, que se apressa em socorrer-nos e ameaça para perdoar-nos."Impusestes duras provas ao Vosso povo, fizestes-nos sorver um vinho atordoante" 31.
Deus se faz ver com a mão já armada de flagelos, mas o faz para ver arrependidos e compungindos pelas ofensas que Lhe estamos fazendo: "Mas aos que Vos temem destes um estandarte, a fim de que das flechas escapassem" 32.Faz ver-se com o arco já esticado, pronto para atirar a seta, mas não a lança, porque quer que nós, atemorizados, nos emendemos e assim sejamos livres do castigo, "para que Vossos amigos fiquem livres" 33.
Eu quero atemorizá-los, diz Deus, para que movidos por um tal temor se levantem do mau cheiro de seus pecados e reotrnem a Mim: "Vinde, voltemos ao senhor: Ele feriu-nos, Ele nos curará" 34.Sim, o Senhor, embora nos veja tão ingratos e merecedores do castigo, anela entretanto por nos livrar dele, porque, mesmo que ingratos, apesar de tudo Ele nos ama e nos quer bem.
"Dai-nos auxílio contra o inimigo" 35, assim pedia Davi, e assim devemos rezar também nós: Senhor, fazei que este flagelo que agora nos atribula nos faça abrir os olhos e abandonar o pecado.Porque se não acabarmos finalmente com o pecado, ele nos jogará na eterna danação, que é aquele castigo que não tem fim.
O que devemos fazer, caros ouvintes?Não vedes que Deus está irado?Ele não pode, não pode mais nos suportar: "Deus está irado".Não vedes que dia a da crescem os castigos de Deus?Crescem os pecados, diz São João Crisóstomo, e na mesma medida, com toda razão, crescem também as punições.
Deus está irado, mas, apesar de estar irado, hoje Ele me ordena aquilo que ordenou ao profeta Zacarias: "Dize a (este povo): Eis o que diz o Senhor dos exércitos: Voltai a mim...e eu voltarei a vós" 36.Pecadores, diz Deus, vós me destes as costas e por isso me obrigastes a vos privar de minha graça.Não me obrigueis a vos expulsar inteiramente de meu rosto e a vos punir com o Inferno, sem mais possibilidade de perdão.Acabai com isso, deixai o pecado e convertei-vos a Mim, e Eu prometo perdoar-vos todas as ofensas que me tendes feito e de abraçar-vos de novo como filhos: "Voltai a mim...e eu voltarei a vós".
Dizei-me, por que quereis vos perder? (Vede com quanta piedade vos fala o Senhor). "Por que havereis de morrer, israelistas?".Por que quereis vos jogar a vós mesmos para arder naquela fornalha de fogo? "Convertei-vos e vivereis!" 38.Retornai a Mim, que estou com os braços abertos para vos perdoar.
Disso não duvideis, meus pecadores, continua dizendo o Senhor."Aprendei a fazer o bem...pois bem, justifiquemos-nos, diz o Senhor.Se vossos pecados forem escarlates, tornar-se-ão brancos como a neve!" 39.Diz Deus: Eia! mudai de vida e vinde a Mim!E se Eu não vos perdoar, argüi-me, como se Me argüissem de ser infiel e mentiroso.Pelo contrário, Eu não serei infiel, e farei que vossas consciências manchadas se tornem, pela minha graça, brancas como a neve.
Não, Eu não vos castigarei se vos emendardes, diz ademais o Senhor, "não darie curso ao ardor de minha cólera...porque sou Deus e não um homem" 40.Quer dizer, os homens não se esquecem nunca das injúrias, mas Ele, quando vê um pecador arrependido, esquece todas as ofensas que Lhe fez: "não lhe será tomada em conta qualquer das faltas cometidas" 41.
Voltemos logo a Deus, mas rápido!Já basta o quanto O temos ofendido; não provoquemos ainda mais a Sua ira.Eis que Ele nos chama e está pronto a nos perdoar, se nós nos arrependermos do mal feito e Lhe prometermos mudar de vida.
[Aqui se faz o povo recitar o ATO DE CONTRIÇÃO E BOM PROPÓSITO, recorrendo finalmente a Maria santíssima para pedir o perdão e a perseverança].
1- Jr XXIX, 11
2- Sb XI, 23
3- Sb XI, 26
4- II PD III, 9
5- Jn III, 4
6- Jn III, 10
7- Jn IV, 1-2
8- Jn IV, 10-11
9- Jr XXVI, 3
10- II Cr XII, 7
11- Sl XVII, 31
12- Sal CXIII, 19
13- Lc XII, 4-5
14- Mt VII, 13
15- Sl XXV, 3
16- Sess 6, can 14 et 15
17- Is VIII, 13
18- Sal CXIX, 120
19- Sal 24,11
20- Sal XXXVI, 40
21- Eclo I, 12
22- Eclo XXXIV, 16-17
23- Eclo I, 27
24- Sal CXI, 1
25- Is XXVIII, 21
26- Ego fingo contra vos malum (Jr XVIII, 11)
27- Jr XVIII, 11.
28- Rm IX,18
29- Sed quod misereatur, proprium illi est; nam quod condemnet, nos eum cogimus (Ser. 5.n3)
30- Deus irarus es et misertus es nobis (Sl 59,3)
31- Sl LIX,5
32- Sl LIX,6
33- Sl LIX,7
34- Os VI,1
35- Sl LIX,13
36- Zc I,3
37- Ez XVIII, 31
38- Ez XVIII,32
39- Discite benefacere, et venite et arguire me, dicit Dominus, si fuerint peccata vestra ut coccinum, quasi nix dealbabuntur (Is I, 17-18).
40- Os XI, 9
41- Ez XVIII, 22
Não, esse Deus que é Pai de Misericórdias, e que tanto nos ama, não tem ânimo de nos punir e de nois afligir, mas de nos perduar e de consolar: "bem conheço os desígnios que mantenho para convosco - oráculo do Senhor -, desígnios de prosperidade e não de calamidade" 1.
Mas, alguém dirá, posto que isso é assim, porque então Deus castiga?Ou, pelo menos, porque demonstra querer nos castigar?Porque?Porque Ele quer usar de misericórdia; a ira que demonstra é toda feita de paciência e de misericórdia.Compreendamos portanto, queridos ouvintes, que o Senhor no momento se faz ver irado, não para nos castigar, mas para que abandonemos o pecado e assim Ele possa nos perdoar.Esse é o tema de nosso Sermão: Deus ameaça castigar-nos para livrar-nos do castigo.
As ameaças dos homens são ordinariamente o efeito de sua soberba e de sua impotência.Quando podem vingar-se não abenaça para não dar aos inimigos ocasião de escaparem de sua vingança.Somente quando lhes falta o poder para vingar-se, então que se servem das ameaças para, pelo menos desta maneira, contentar a sua ira e atormentando seus inimigos com temor.
Não são deste naipe as ameaças de Deus.Elas são completamente de outra natureza.Ele não ameaça por impotência de nos castigar, porque Ele poderia vingar-se no momento que quisesse.Ele é paciênte conosco para ver nos penitêntes e livres do castigo: "e para que se arrependam, fechais os olhos aos pecados dos homens" 2.Nem nos ameaça por ódio, para nos atormentar com o temor.Deus ameaça por amor, afim de nos convertermos e assim evitarmos o castigo.Ameaça porque não quer ver-nos perdidos.Ameaça, enfim, porque ama nossas almas: "Mas poupais todos os seres, porque todos são vossos, ó Senhor, que amais a vida" 3.
Ameaça, mas, entretanto, é paciênte e atrasa o castigo, porque não nos quer ver condenados, mas emendados: "Usa da paciência para convosco.Não quer que alguém pereça; ao contrário quer que todos se arrependam" 4.De maneira que as ameças de Deus são ternuras e apelos amorosos de sua bondade, com os quais quer salvar-nos das penas que merecemos.
O Profeta Jonas grita: "Daqui a quarenta dias, Nínive será destruída" 5.Pobres Ninivitas, diz, já chegou o tempo de vosso castigo.Eu o anuncio da parte de Deus: Sabei que dentro de quarenta dias Nínive será arrastada e desaparecerá do mundo.Mas como é que depois Nínive fez penitência e não foi castigada? "Deus arrependeu-se do mal que resolvera fazer-lhes" 6.Pelo que Jonas afligiu-se e, lamentando-se com o Senhor disse-lhe: "É por isso que eu tentei esquivar-me fugindo para Tarsis, pois sabia que sois um Deus clemente e misericordioso, de coração grande, de muita benignidade e compaixão pelos nossos males" 7.
Por isso ele fugiu de Nínive, foi para o campo e deixou-se sob uma cabana coberta de hera para proteger-se dos raios abrasadores do sol.O que fêz porém o Senhor?Fêz que a hera secasse.Jonas de novo afligiu-se tanto que desejava a morte.Então Deus lhe disse: "tiveste compaixão de um arbusto pelo qual nada fizeste, que não fizeste crescer...e não hei de ter compaixão da grande cidade de Nínive?" 8.Tu te lamentas pela hera perdida, que não fizeste crescer, e não queres depois que Eu perdoe os homens que criei com minhas mãos?
A ruína que o Senhor fêz anunciar a Nínive explica São Basílio, não foi uma profecia, mas apenas uma ameça, mediante a qual queria ver aquela cidade convertida.O mesmo santo diz que Deus por vezes se mostra irado porque quer usar de Sua misericórdia e nos ameaça, não para nos castigar, mas para salvar-nos do castigo.E agrega Santo Agostinho que quando alguém nos diz "atenção" é sinal que não nos quer fazer dano.
Exatamente do mesmo modo faz Deus conosco.Nos ameça com o castigo diz São Jerônimo, não para o aplicar a nós, mas para nos livrar dele se nós, por causa de Seu aviso, nos emendamos.Vós, Senhor meu, diz São Gregório, quando pareceis endurecer-Vos, mais do que nunca quereis salvar-nos; ameaçais, mais com tais ameças não quereis outra coisa senão convidar-nos a fazer penitência.
Deus poderia castigar os pecadores de improviso e fazê-los morrer subitamente sem lhes dar sequer tempo de fazer penitência.Pelo contrário, Ele se mostra irado e se apresenta com flagelos na mão para vê-los recuperados em lugar de perdidos.
Disse o Senhor a Jeremias: "Talvez as ouçam eles e renunciem ao perverso comportamento.Arrepender-me-ei, então, dos males que cogito desencadear sobre eles" 9.Vá, disse-lhe, e diz aos pecadores que queiram ouvir-te, que se deixarem o pecado, Eu deixarei de enviar-lhes os castigos com que tenho pensado puni-los.
Compreendeis, meus irmãos!o mesmo vos faz ouvir hoje o Senhor pela minha boca.Se vós vos emendardes, ele revogará a sentença do castigo.Diz São Jerônimo: "Deus não nos odeia, mas odeia nossos pecados".E São João Crisóstomo acrecenta que Ele até esquece nossos pecados caso nós deles nos lembramos, quer dizer, sempre que nós humildemente nos emendarmos e pedirmos o perdão de nossas faltas, como Ele próprio o prometeu: "Eles se humilharam, não os deitarei a perder" 10.
Mas, para emendar-se, é preciso temer o castigo.Caso contrário, não nos resolveremos jamais a mudar de vida.É verdade que Deus proteje os que esperam na Sua misericórdia - "Ele é o escudo de todos os que n'Ele se refugiam" 11 -, mas esses são aqueles que esperam e que ao mesmo tempo temem a Sua justiça.Porque a esperança sem temor degenera em presunção e temeridade: "Confiam no Senhor os que temem o Senhor; Ele é o seu amparo e o seu escudo" 12.
Assim fala o Senhor nas Escrituras do rigor de Seu Juízo, do Inferno e do grande número de pessoas que nele cai: "Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, e depois disto nada mais podem fazer ...temei Aquele que, depois de matar, tem poder de lançar no inferno" 13. "Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição e numerosos são os que por aí entram" 14.
E por que Ele fala assim?Para que o temor nos afaste dos vícios, das paixões e das ocasiões de pecado.E assim possamos esperar a salvação, a qual não é dada senão aos inocentes ou aos penitentes que esperam e temem.
Ó, que força tem o temor do Inferno para refrear nossos pecados!Deus criou o Inferno com essa finalidade.Ele nos redimiu com Sua morte para nos ver salvos e nos impôs o preceito de esperar a salvação.E por isso nos dá ânimo dizendo que todos os que esperam n'Ele não se perderão: "Não, nenhum daqueles que esperam em Vós será confundido" 15.Para isso Ele quer e nos ordena que temamos a condenação eterna.
Os hereges ensinam que todos os justificados devem considerar-se infalivelmente como justos e predestinados.Mas eles foram judiciosamente condenados pelo Concílio de Trento 16, porque uma tal segurança é tão nociva para a salvação quanto é útil o temor."É a Ele que é preciso respeitar, a Ele que se deve temer" 17.O santo temor de Deus torna o homem santo.Por isso Davi pedia a Deus a graça do temor, para que o temor destruísse nele os afetos carnais: "O respeito que tenho por Vós me faz estremecer" 18.
Devemos portanto temer pelas nossas culpas, mas esse temor não deve abater-nos, mas dar-nos ainda mais confiança na divina misericórdia, como fazia o mesmo profeta dizendo ao Senhor: "Por amor de vosso nome, Senhor, perdoai meu pecado, por maior que seja" 19.Como assim?Diz ele, perdoai-me porque meu pecado é grande?Sim, porque a divina misericórdia resplandece mais onde maior é a miséria; e quem mais tem pecado, mais honra dá à misericórdia confiando em Deus, que promete salvar aqueles que n'Ele esperam: "E os salva, porque se refugiam n'Ele" 20.
Por isso diz o livro do Eclesiastes que o temor de Deus não traz pena, mas alegria e gáudio: "O temor do Senhor alegra o coração.Ele nos dá alegria, regozijo e longa vida" 21.Porque o próprio temor leva a adquirir uma firme esperança em Deus, que torna a alma feliz: "Aquele que teme o Senhor não tremerá.De nada terá medo, pois o próprio Senhor é sua esperança.Feliz a alma do que teme o Senhor" 22.Sim, bem-aventurada, porque o temor afasta o homem do pecado: "O temor do Senhor expulsa o pecado" 23.E dá ao mesmo tempo um grande desejo de observar os mandamentos: "Feliz o homem que teme o Senhor, e põe o seu prazer em observar os Seus mandamentos" 24.
É preciso persuadir-se que castigar não é conforme o modo de ser de Deus.Porque Ele é bondade infinita por sua própria natureza - Deus cuius natura bonitas, diz São Leão -, não tem outro desejo que fazer-nos bem e ver-nos contentes.Quando castiga, Ele se vê obrigado a fazê-lo para dar lugar à Sua justiça, mas não para comprazer uma inclinação.Isaías diz que castigar é uma obra alheia ao coração de Deus: "Porque o Senhor se levantará...e fremirá...para concluir Sua obra, Sua obra singular, para executar Seu trabalho, Seu trabalho inaudito" 25.E por isso diz o Senhor que por vezes Ele quase finge que vai enviar-nos um castigo: "Nutro o desígnio de lançar-vos uma desgraça" 26.Mas, por que faz assim?Eis porque: "voltai todos, portanto, do mau caminho" 27.O faz para nos ver emendados e assim libertados da pena merecida.
Escreve o Apóstolo que Deus "tem misericórdia de quem quer, e endurece a quem quer" 28.A respeito dessa passagem, diz São Bernardo que Deus, quando a Si, quer salvar-nos, mas nós é que o obrigamos a nos condenar 29.Ele se chama Pai das misericórdias, não das vinganças.De onde se segue que a razão para usar de piedade a tira de Si mesmo, mas para vingar-se a tira de nós.
E quem poderá jamais compreender quão grande seja a misericórdia divina? Diz Davi que Deus, mesmo quando está irado contra nós, tem compaixão de nós: "Estai irado e restabelecei-nos" 30.Ó ira misericordiosa, exclama o Abade Beronconsio, que se apressa em socorrer-nos e ameaça para perdoar-nos."Impusestes duras provas ao Vosso povo, fizestes-nos sorver um vinho atordoante" 31.
Deus se faz ver com a mão já armada de flagelos, mas o faz para ver arrependidos e compungindos pelas ofensas que Lhe estamos fazendo: "Mas aos que Vos temem destes um estandarte, a fim de que das flechas escapassem" 32.Faz ver-se com o arco já esticado, pronto para atirar a seta, mas não a lança, porque quer que nós, atemorizados, nos emendemos e assim sejamos livres do castigo, "para que Vossos amigos fiquem livres" 33.
Eu quero atemorizá-los, diz Deus, para que movidos por um tal temor se levantem do mau cheiro de seus pecados e reotrnem a Mim: "Vinde, voltemos ao senhor: Ele feriu-nos, Ele nos curará" 34.Sim, o Senhor, embora nos veja tão ingratos e merecedores do castigo, anela entretanto por nos livrar dele, porque, mesmo que ingratos, apesar de tudo Ele nos ama e nos quer bem.
"Dai-nos auxílio contra o inimigo" 35, assim pedia Davi, e assim devemos rezar também nós: Senhor, fazei que este flagelo que agora nos atribula nos faça abrir os olhos e abandonar o pecado.Porque se não acabarmos finalmente com o pecado, ele nos jogará na eterna danação, que é aquele castigo que não tem fim.
O que devemos fazer, caros ouvintes?Não vedes que Deus está irado?Ele não pode, não pode mais nos suportar: "Deus está irado".Não vedes que dia a da crescem os castigos de Deus?Crescem os pecados, diz São João Crisóstomo, e na mesma medida, com toda razão, crescem também as punições.
Deus está irado, mas, apesar de estar irado, hoje Ele me ordena aquilo que ordenou ao profeta Zacarias: "Dize a (este povo): Eis o que diz o Senhor dos exércitos: Voltai a mim...e eu voltarei a vós" 36.Pecadores, diz Deus, vós me destes as costas e por isso me obrigastes a vos privar de minha graça.Não me obrigueis a vos expulsar inteiramente de meu rosto e a vos punir com o Inferno, sem mais possibilidade de perdão.Acabai com isso, deixai o pecado e convertei-vos a Mim, e Eu prometo perdoar-vos todas as ofensas que me tendes feito e de abraçar-vos de novo como filhos: "Voltai a mim...e eu voltarei a vós".
Dizei-me, por que quereis vos perder? (Vede com quanta piedade vos fala o Senhor). "Por que havereis de morrer, israelistas?".Por que quereis vos jogar a vós mesmos para arder naquela fornalha de fogo? "Convertei-vos e vivereis!" 38.Retornai a Mim, que estou com os braços abertos para vos perdoar.
Disso não duvideis, meus pecadores, continua dizendo o Senhor."Aprendei a fazer o bem...pois bem, justifiquemos-nos, diz o Senhor.Se vossos pecados forem escarlates, tornar-se-ão brancos como a neve!" 39.Diz Deus: Eia! mudai de vida e vinde a Mim!E se Eu não vos perdoar, argüi-me, como se Me argüissem de ser infiel e mentiroso.Pelo contrário, Eu não serei infiel, e farei que vossas consciências manchadas se tornem, pela minha graça, brancas como a neve.
Não, Eu não vos castigarei se vos emendardes, diz ademais o Senhor, "não darie curso ao ardor de minha cólera...porque sou Deus e não um homem" 40.Quer dizer, os homens não se esquecem nunca das injúrias, mas Ele, quando vê um pecador arrependido, esquece todas as ofensas que Lhe fez: "não lhe será tomada em conta qualquer das faltas cometidas" 41.
Voltemos logo a Deus, mas rápido!Já basta o quanto O temos ofendido; não provoquemos ainda mais a Sua ira.Eis que Ele nos chama e está pronto a nos perdoar, se nós nos arrependermos do mal feito e Lhe prometermos mudar de vida.
[Aqui se faz o povo recitar o ATO DE CONTRIÇÃO E BOM PROPÓSITO, recorrendo finalmente a Maria santíssima para pedir o perdão e a perseverança].
1- Jr XXIX, 11
2- Sb XI, 23
3- Sb XI, 26
4- II PD III, 9
5- Jn III, 4
6- Jn III, 10
7- Jn IV, 1-2
8- Jn IV, 10-11
9- Jr XXVI, 3
10- II Cr XII, 7
11- Sl XVII, 31
12- Sal CXIII, 19
13- Lc XII, 4-5
14- Mt VII, 13
15- Sl XXV, 3
16- Sess 6, can 14 et 15
17- Is VIII, 13
18- Sal CXIX, 120
19- Sal 24,11
20- Sal XXXVI, 40
21- Eclo I, 12
22- Eclo XXXIV, 16-17
23- Eclo I, 27
24- Sal CXI, 1
25- Is XXVIII, 21
26- Ego fingo contra vos malum (Jr XVIII, 11)
27- Jr XVIII, 11.
28- Rm IX,18
29- Sed quod misereatur, proprium illi est; nam quod condemnet, nos eum cogimus (Ser. 5.n3)
30- Deus irarus es et misertus es nobis (Sl 59,3)
31- Sl LIX,5
32- Sl LIX,6
33- Sl LIX,7
34- Os VI,1
35- Sl LIX,13
36- Zc I,3
37- Ez XVIII, 31
38- Ez XVIII,32
39- Discite benefacere, et venite et arguire me, dicit Dominus, si fuerint peccata vestra ut coccinum, quasi nix dealbabuntur (Is I, 17-18).
40- Os XI, 9
41- Ez XVIII, 22
Fontes: Volta Para Casa e Thesauro Precum
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