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quinta-feira, 23 de março de 2023

Milagre Eucarístico de Gruaro – Itália, 1294



Milagre Eucarístico de Gruaro – Itália, 1294


No ano de 1294[1], uma jovem perpétua[2] da Igreja de São Justo de Gruaro (província de Veneza, região de Vêneto) estava lavando o Corporal, uma das toalhas do altar, em um tanque construído à beira do Versiola, um riacho afluente do rio Lemene. De repente, o linho da toalha tingiu-se de vermelho. Observando com mais atenção, a jovem notou que o “líquido” saía de uma Partícula consagrada que ficara presa entre as pregas da toalha. Assustada com o que estava acontecendo, a jovem foi correndo avisar o pároco, que organizou uma procissão para levar o Corporal e a Partícula até à Igreja de São Justo. Depois, informou ao Bispo de Concórdia (cidade da região metropolitana de Veneza), Monsenhor Giacomo d'Ottonello da Cividale (1293-1317), que apurou os fatos e autenticou o milagre. 

Uma vez que os fatos foram constatados, o Bispo pediu para ficar com a toalha do milagre em sua Catedral em Concórdia, mas o pároco fazia questão de mantê-la em sua igreja em Gruaro. Aos dois juntou-se um terceiro "contendor": a poderosa família dos Condes de Valvasone, cidade vizinha, na província de Pordenone, região de Friuli-Venezia Giulia, os quais eram os patronos jurídicos da igreja de Gruaro, bem como a de Valvasone e de outras.

Não houve acordo. Tendo apelado à Santa Sé, os Condes ganharam a questão em 1330: a Relíquia do Milagre poderia ser guardada em Valvasone com a condição de que se construísse uma igreja dedicada aos Santíssimo Corpo de Cristo. No primeiro anos de 1400, a Sagrada Toalha é levada a Valvasone, na antiga Igreja da Santa Virgem e São João. Em 1413, é encomendado um tabernáculo “del Reliquia del Corpus Divini", como resulta das notas conservada no Arquivo Paroquial. 

A nova igreja foi construída entre 1454 e 1483, em uma praça arranjada com a demolição de casas antigas, no centro da vila medieval de Valvasone. Em 28 de março de 1454, o Papa Nicolau V, determina, através de um Restrito, o documento mais fidedigno e antigo que descreve o Milagre, a construção "aliam novam ac longe maiorem et pulcriorem Ecclesiam sub vocabolo Corporis Christi" (= uma nova e muito maior e bela Igreja dedicada ao Corpo de Cristo), para conservar essa venerada Relíquia Sanguinis miraculosi Corporis Domini nostri Jesu Christ (= do Sangue milagroso do Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo).  

Catedral do Santíssimo Corpo de Cristo em Valvasone.

 
Em 1967, a paróquia de Gruaro foi em peregrinação a Valvasone guiada pelo pároco, Padre Giuseppe Cicuto, para a Festa da Sagrada Toalha, com grande número de fiéis e também o Prefeito Armando Furlanis e toda a Câmara Municipal. Neste dia memorável, vem assinado o ato de "geminação" no Município de Valvasone. É o dia da "reconciliação" entre as duas comunidades

Em 3 de junho de 1461, o Bispo de Concordia institui, a pedidos, a Confraria do Santíssimo Corpo de Cristo, e, por volta de 1479, a Relíquia é transferida para a nova Igreja do Santíssimo Corpo de Cristo. Um Estatuto emanado pelos Condes de Valvasone prescreve aos padres locais de celebrar uma Missa semanal no altar "prope reliquiam Corporis Christi" (= próximo à Relíquia do Corpo de Cristo). 

Em 1537, Giovanni Antonio De Sacchis, dito "Il Pordenone", pinta cenas eucarísticas (Sacrifício de Isaque, Oferta de Melchisedeque, Colheita do Maná) nas portinholas do órgão e, nos anos seguintes, seu discípulo, Pompon Amalteo as completa e também executa os painéis do Coro (Bodas de Canaã, Expulsão dos vendilhões do Templo, Cura do aleijado, Multiplicação dos Pães, Almoço na casa de fariseu Simão).
 



Em 1584, no inventário apresentado ao Visitador Apostólico Cesare de Nores, consta também "uma pequena âncora de cobre dourado na qual está colocada uma relíquia de uma partícula consagrada sangrenta...". 

Em 1688, um afresco de artista desconhecido reproduz na fachada da "Torricella" (= pequena torre) a cena do transporte da Sagrada Toalha de Gruaro para Valvasone.

Em 3 de fevereiro de 1748, a Sagrada Congregação dos Ritos (sob Papa Bento XIV) concede ao então numeroso clero de Valvasone de recitar, todas as quintas-feiras, o Ofício Divino de Corpus Domini e de celebrar a Santa Missa do Santíssimo Sacramento

Em 1769, os Condes de Valvasone doaram à Igreja de São Justo de Gruaro um altar realizado por Giovanni Battini, com abundância de símbolos eucarísticos, em memória do milagre.

Em 1783, Monsenhor Giuseppe Maria Bressa, em sua visita pastoral, ordena "que a Relíquia da Partícula Milagrosa seja guardada em separado das outras Relíquias e colocada na custódia dentro do Tabernáculo"...

Em 1894, Monsenhor Pietro Zamburlini faz uma documentada exposição do Milagre no Congresso Eucarístico Nacional de Turim. Um Congresso Eucarístico Diocesano é celebrado em Valvasone e, nessa ocasião, é feito um reconhecimento oficial da insigne Relíquia.

Em 9 de novembro de 1901, Monsenhor Francesco Isola, durante a visita pastoral, "quis examinar diligentemente a Relíquia da Sagrada Toalha, e, abrindo-se o Santo Linho, que se conserva em toda a sua integridade e que apresenta todas as características da antiguidade, constatou evidentemente algumas manchas escuras, quase circulares em vários pontos dela...". 

Mais recentemente, em 1972, por ocasião do Congresso Eucarístico Nacional de Udine, Monsenhor Abramo Freschi indica a igreja de Valvasone como santuário para as peregrinações preparatórias. e, em 1983, para o Ano Santo da Redenção, o Bispo escolhe também a paróquia de Valvasone entre as quatro igrejas jubilares da Diocese, de 1º de maio a 12 de junho, em conjunto com o Congresso Eucarístico Nacional de Milão. 

Em 1994, as paróquias de Valvasone e Gruaro, celebram o sétimo centenário do milagre e é construído um capitel próximo à margem do riacho Versiola, no local indicado pela tradição como onde ocorreu o Milagre. A Sagrada Toalha, levada a Gruaro por uma semana, é solenemente acolhida pelos fiéis. Em nome das duas freguesias, um acervo documental é editado pelo prof. Franco Colosso.


Capitel em memória do Milagre

 
Outro relato do evento prodigioso como se conhece hoje é fruto da reconstrução feita pelo notário de Valvasone, Marcoantônio Nicoletti, que colecionava as memórias e os documentos da igreja e do castelo de Valvasone, e a inseriu em seu “Ecclesiastica monumenta Castri et terrae Valvasoni ex antiquis et recentioribus authenticis regestis excerpta[4], por volta de 1765. Eis o texto:

“(...) No ano, porém, de 1294, tendo ocorrido o prodígio em Gruaro, que ao retirar uma toalha de altar dessa igreja de S. Justo, e dada a certa mulher para lavar, na mesma toalha havia restado (por descuido do sacerdote) uma partícula de Hóstia consagrada; se apercebeu a lavadeira ao lavá-la que, daqueles ázimos sagrados lá negligenciados, saíam gotas de vivo sangue: cheia de santo temor, correu para avisar o sacerdote, o qual, em procissão com o povo, que havia sido avisado, foi resgatar aquele sagrado tesouro e o levou consigo na igreja de S. Justo. Tendo tomado conhecimento do prodígio que Deus Senhor se comprazerá de operar, talvez para corrigir algum descrente, Mons. Giacomo d'Ottonello (...) atual Bispo de Concórdia, pensou de fazer transportar aquele sacrossanto penhor para a própria Catedral (de Concórdia), mas a ele se opuseram os nobres Senhores de Cuccagna e de Valvasone, que tinham poder de jurisdição sobre aquela igreja e eram donos daquele local onde o grande evento correra, entendendo que melhor seria transferir as relíquias para o seu local de residência. Nasceu um litígio entre eles, que os tribunais apostólicos de Roma se pronunciaram a favor dos Condes de Valvasone, com a condição, porém, de que eles construíssem um templo sagrado em honra do Santíssimo Corpo de Cristo para lá guarda-las, onde maior culto e venerações receberiam. As transportaram, assim, para a terra de Valvasone com aquele decoro e decência que foi possível. Então, mais de cem anos depois, construíram a igreja, ora arquipresbiteral do Santíssimo Corpo de Cristo, onde, em um rico vaso de prata, é venerada aquela Sagrada Toalha embebida no Sangue milagroso de Jesus Cristo Nosso Senhor (...) expondo-se e levando-se em procissão todos os anos no domingo entre a oitava da solenidade da Santíssimo Corpo de Cristo e o dia da dedicação da igreja, que cai no segundo domingo de setembro”. 

O primeiro verdadeiro historiador a escrever sobre o milagre foi, de fato, Monsenhor Ernesto Degani, que o publica no volume “La diocese di Concordia”. 

A Relíquia continua na Catedral de Valvasone, conservada dentro de um cilindro de cristal, em um precioso relicário de prata feito em Veneza pelo ourives Antônio Galligari. No último reconhecimento realizado em 1894, a Toalha conservava as manchas originais, mas a Partícula havia se reduzido a um pó farinhento. 

Em Gruaro, se guarda apenas o lavadouro onde ocorreu o Milagre, e, agora, o capitel edificado no local onde ocorreu o milagre, à beira do riacho Versiola.  


Festa da Sagrada Toalha, que conta com a participação dos sacerdotes e da comunidade de Valvasone, se celebra na 5ª Quinta-feira da Quaresma, ao final da jornada de adoração do Santíssimo Sacramento. 

No domingo sucessivo à Festa de Corpus Christi[5], o milagre é lembrado e festejado em Valvasone: a relíquia sai em procissão com o Santíssimo Sacramento. 


NOTAS 
1. Segundo alguns historiadores, seria um século depois, em 1392. A primeira notícia certa a respeito da existência do milagre é de 5 de janeiro de 1440, trata-se do ato de cessão da Relíquia, que atesta que naquele ano a Relíquia já se encontrava na igreja de Valvasone. Não se sabe ao certo o ano da construção da nova igreja e da trasladação da Relíquia, mas certamente foi antes de 1479. 
2. Perpétuas eram chamadas as mulheres que ajudavam na igreja. 
3. Cf. Colussi, “Il Miracolo”, 49.
4. O manuscrito é conservado no Arquivo Paroquial de Valvasone
5. A Festa de Corpus Christi ou Corpus Domini foi decretada oficialmente em 1264, por causa do célebre Milagre Eucarístico de Bolsena, em 1263.

FONTES:
MARIN, Eugenio. “La Sacra Tovaglia di Valvasone in un documento de 1440". Cf. “Valvason”, de P.C. Begotti e P. Pastres, Udine, Società filologica friulana, 2013.


Tradução Giulia d’Amore para o blog Pale Ideas. 


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