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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Notas sobre o livro “Luz do Mundo”



Nota 1: da Congregação para a Doutrina da Fé sobre o livro “Luz do Mundo”


Depois da polêmica pelas interpretações de alguns setores da imprensa sobre um extrato do livro-entrevista do Papa Bento XVI “Luz do Mundo”, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou ontem, terça-feira uma Nota na qual afirma que o Santo Padre não mudou a doutrina da Igreja sobre o preservativo.

Na nota publicada com o título “Sobre a banalização da sexualidade. A propósito de algumas leituras de Luz do mundo”, a Congregação para a Doutrina da Fé denuncia que as palavras do Papa sofreram “diversas interpretações não corretas, que geraram confusão sobre a posição da Igreja Católica quanto a algumas questões de moral sexual”.

Não raro, – destaca a nota – o pensamento do Papa foi instrumentalizado para fins e interesses alheios ao sentido das suas palavras, que aparece evidente se forem lidos inteiramente os capítulos onde se alude à sexualidade humana. O interesse do Santo Padre é claro: reencontrar a grandeza do projeto de Deus sobre a sexualidade, evitando a banalização da mesma, hoje generalizada.

Algumas interpretações apresentaram as palavras do Papa como afirmações em contraste com a tradição moral da Igreja; hipótese esta, que alguns viram como uma mudança positiva, e outros receberam com preocupação, como se se tratasse de uma ruptura com a doutrina sobre a contracepção e com a ação eclesial na luta contra o HIV-AIDS. Na realidade, as palavras do Papa, que aludem de modo particular a um comportamento gravemente desordenado como é a prostituição (cf. “Luce del mondo”, 1.ª reimpressão, Novembro de 2010, p. 170-171), não constituem uma alteração da doutrina moral nem da praxis pastoral da Igreja.

Como resulta da leitura da página em questão, – continua a nota da a Congregação para a Doutrina da Fé – o Santo Padre não fala da moral conjugal, nem sequer da norma moral sobre a contracepção. Esta norma, tradicional na Igreja, foi retomada em termos bem precisos por Paulo VI no n.º 14 da Encíclica Humanae vitae, quando escreveu que “se exclui qualquer ação que, quer em previsão do ato conjugal, quer durante a sua realização, quer no desenrolar das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação”. A ideia de que se possa deduzir das palavras de Bento XVI que seja lícito, em alguns casos, recorrer ao uso do preservativo para evitar uma gravidez não desejada é totalmente arbitrária e não corresponde às suas palavras nem ao seu pensamento.

Pelo contrário, – afirma a Congregação para a Doutrina da Fé – a este respeito, o Papa propõe caminhos que se podem, humana e eticamente, percorrer e em favor dos quais os pastores são chamados a fazer “mais e melhor” (“Luce del mondo”, p. 206), ou seja, os caminhos que respeitam integralmente o vínculo indivisível dos dois significados – união e procriação – inerentes a cada ato conjugal, por meio do eventual recurso aos métodos de regulação natural da fecundidade tendo em vista uma procriação responsável.

Passando à página em questão, nela o Santo Padre refere-se ao caso completamente diverso da prostituição, comportamento que a moral cristã desde sempre considerou gravemente imoral (cf. Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, n.º 27; Catecismo da Igreja Católica, n.º 2355). A recomendação de toda a tradição cristã – e não só dela – relativa à prostituição pode resumir-se nas palavras de São Paulo: “Fugi da imoralidade” (1 Cor 6, 18). Por isso a prostituição deve ser combatida, e as entidades assistenciais da Igreja, da sociedade civil e do Estado devem trabalhar por libertar as pessoas envolvidas.

A este respeito, é preciso assinalar que a situação que se criou por causa da atual difusão do vírus HIV-AIDS, em muitas áreas do mundo tornou o problema da prostituição ainda mais dramático. Quem sabe que está infectado pelo HIV e, por conseguinte, pode transmitir a infecção, para além do pecado grave contra o sexto mandamento, comete também um pecado contra o quinto, porque conscientemente põe em sério risco a vida de outra pessoa, com repercussões ainda na saúde pública.

A propósito, o Santo Padre afirma claramente que os preservativos não constituem “a solução autêntica e moral” do problema do HIV-AIDS e afirma também que “se concentrar só no preservativo significa banalizar a sexualidade”, porque não se quer enfrentar o desregramento humano que está na base da transmissão da pandemia. Além disso, é inegável que quem recorre ao preservativo para diminuir o risco na vida de outra pessoa pretende reduzir o mal inerente ao seu agir errado. Neste sentido, o Santo Padre assinala que o recurso ao preservativo, “com a intenção de diminuir o perigo de contágio, pode, entretanto, representar um primeiro passo na estrada que leva a uma sexualidade vivida diversamente, uma sexualidade mais humana”. Trata-se de uma observação totalmente compatível com a outra afirmação do Papa: “Este não é o modo verdadeiro e próprio de enfrentar o mal do HIV”.

Alguns interpretaram as palavras de Bento XVI, recorrendo à teoria do chamado “mal menor”. Todavia esta teoria é susceptível de interpretações desorientadoras de matriz proporcionalista (cf. João Paulo II, Encíclica Veritatis splendor, nn.os 75-77). Toda a ação que pelo seu objeto seja um mal, ainda que um mal menor, não pode ser licitamente desejada. O Santo Padre não disse que a prostituição valendo-se do preservativo pode ser licitamente escolhida como mal menor, como alguém sustentou. A Igreja ensina que a prostituição é imoral e deve ser combatida. Se alguém, apesar disso, pratica a prostituição mas, porque se encontra também infectado pelo HIV, esforça-se por diminuir o perigo de contágio inclusive mediante o recurso ao preservativo, isto pode constituir um primeiro passo no respeito pela vida dos outros, embora a malícia da prostituição permaneça em toda a sua gravidade. Estas ponderações estão na linha de quanto a tradição teológico-moral da Igreja defendeu mesmo no passado.

Na conclusão a nota afirma: na luta contra o HIV-AIDS, os membros e as instituições da Igreja Católica saibam que é preciso acompanhar as pessoas, curando os doentes e formando a todos para que possam viver a abstinência antes do matrimônio e a fidelidade dentro do pacto conjugal. A este respeito, é preciso também denunciar os comportamentos que banalizam a sexualidade, porque – como diz o Papa – são eles precisamente que representam a perigosa razão pela qual muitas pessoas deixaram de ver na sexualidade a expressão do seu amor. “Por isso, também a luta contra a banalização da sexualidade é parte do grande esforço a fazer para que a sexualidade seja avaliada positivamente e possa exercer o seu efeito positivo sobre o ser humano na sua totalidade” (“Luce del mondo”, p. 170).

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Nota 2: da FSSPX sobre as declarações de Bento XVI acerca do uso do preservativo

29-11-2010 


Em um livro-entrevista intitulado Luz do mundo, publicado em alemão e em italiano em 23 de novembro de 2010, Bento XVI admite, pela primeira vez, o uso do preservativo “em certos casos”, “para diminuir o risco de contágio” do vírus da AIDS. Estas afirmações errôneas precisam ser esclarecidas e corrigidas porque os seus efeitos desastrosos – que uma campanha midiática não deixou de explorar – causaram escândalo e indignação entre os fiéis.


1. O que Bento XVI disse

À pergunta “A Igreja católica não é fundamentalmente contra a utilização de preservativos?”, o Papa, conforme a versão original em alemão, responde: “Em certos casos, quando a intenção é de diminuir o risco de contágio, isso pode até mesmo ser um primeiro passo na direção de uma sexualidade mais humana, vivida de outra maneira”.

Para ilustrar as suas palavras, o Papa dá um único exemplo, o de um “homem prostituto”. Ele considera que, neste caso particular, isso pode representar “um primeiro passo para uma moralização, um primeiro ato de responsabilidade que permite voltar a tomar consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer”.

Trata-se, então, do caso de uma pessoa que, cometendo um ato contrário à natureza e por fins por fines corrompidos, teria a preocupação, ademais, de não contaminar mortalmente seu cliente.


2. O que Bento XVI quis dizer, segundo o seu porta-voz

As declarações do Papa foram recebidas pelos meios de comunicação e pelos movimentos ativistas em favor da contracepção como uma “revolução”, um “giro”, ou pelo menos uma “brecha” no constante ensinamento moral da Igreja sobre o uso dos meios contraceptivos. Por isso, o porta-voz do Vaticano, Padre Federico Lombardi, publicou uma nota explicativa em 21 de novembro onde se lê: “Bento XVI considera uma situação excepcional na qual o exercício da sexualidade representa um verdadeiro risco à vida de outrem. Nesse caso, o Papa não justifica moralmente o exercício desordenado da sexualidade, mas considera que o uso do preservativo a fim de diminuir o risco de contágio é ‘um primeiro ato de responsabilidade’, ‘um primeiro passo no caminho de uma sexualidade mais humana’, em lugar de não utilizá-lo, pondo em risco a vida da outra pessoa”.

Convém notar aqui, para ser exatos, que o Papa fala não só de um “primeiro ato de responsabilidade”, mas também de um “primeiro passo para uma moralização”. Nesse mesmo sentido, o Cardeal Georges Cottier, que foi teólogo da Casa Pontifícia sob João Paulo II e no começo do pontificado de Bento XVI, em uma entrevista à agência Apcom em 31 de janeiro de 2005 afirmou que “em situações particulares, e penso nos meios onde circula a droga ou onde há uma grande promiscuidade humana e muita miséria, como ocorre em algumas zonas da África e da Ásia, o uso do preservativo pode ser considerado legítimo”.

A legitimidade do uso do preservativo como um passo, em alguns casos, para uma moralização: eis o problema colocado pelas declarações do Papa em Luz do mundo.


3. O que Bento XVI não disse e que seus predecessores sempre disseram

“Nenhuma ‘indicação’ ou necessidade pode transformar uma ação intrinsecamente imoral em um ato moral e lícito” (Pio XII, Alocução às parteiras, 29 de outubro de 1951).

“Nenhuma razão, ainda que seja gravíssima, pode tornar conforme à natureza e honesto aquilo que intrinsecamente é contra a natureza” (Pio XI, Encíclica Casti Connubii).

Ora, a utilização de preservativos é contrária à natureza, uma vez que desvia o ato humano do seu fim natural. Portanto, sua utilização é sempre imoral.

À pergunta clara do jornalista “A Igreja católica não é fundamentalmente contra a utilização de preservativos?”, o Papa responde apelando a uma situação excepcional e não menciona que a Igreja sempre se opôs fundamentalmente à utilização de preservativos.

Que o uso do preservativo é uma ação intrinsecamente má e matéria de pecado mortal, é um ponto constante no ensinamento tradicional da Igreja, por exemplo, em Pio XI e em Pio XII, e mesmo no pensamento de Bento XVI, que responde ao jornalista que o interroga: “Obviamente a Igreja não considera que o preservativo seja uma solução real nem moral”; no entanto, o Papa admite “em certos casos”. Contudo, isto é inaceitável em termos da fé: “Nenhuma razão – ensina Pio XI em Casti Connubii (II, 2) –, sem dúvida, ainda que seja gravíssima, pode tornar conforme à natureza e honesto aquilo que intrinsecamente é contra a natureza”. Pio XII recorda em sua Alocução às parteiras de 29 de outubro de 1951: “Nenhuma ‘indicação’ ou necessidade pode transformar uma ação intrinsecamente imoral em um ato moral e lícito”. É o que São Paulo afirmava: “Não havemos de fazer o mal para que venham bens” (Rom. 3, 8).

Bento XVI parece abordar o caso deste prostituto segundo os princípios da “moral de gradualidade”, que permite que se cometam certos delitos menos graves em vistas a trazer progressivamente os autores de delitos extremos à inocuidade. É evidente que estes delitos menores não são bons; mas o fato de que se inscrevam no caminho para a virtude os tornaria lícitos. Ora, esta idéia é um grave erro porque um mal, por menor que seja, continua sendo um mal, independentemente do sinal de melhoria que indiquem. “Na verdade –afirma Paulo VI em Humanae vitae (nº 14)––, se é lícito algumas vezes tolerar o mal menor para evitar um mal maior, ou para promover um bem superior, nunca é lícito, nem sequer por razões gravíssimas, fazer o mal para que daí provenha o bem (cf. Rom. 3, 8 ), isto é, ter como objeto um ato positivo da vontade aquilo que é intrinsecamente desordenado e, portanto, indigno da pessoa humana, mesmo se for praticado com intenção de salvaguardar ou promover bens individuais, familiares ou sociais”.

Tolerar um mal menor não equivale a convertê-lo em “legítimo”, nem a inscrevê-lo em um processo de “moralização”. Em Humanae vitae (nº 14) se recorda que “é um erro, por conseguinte, pensar que um ato conjugal, tornado voluntariamente infecundo, e por isso intrinsecamente desonesto, possa ser coonestado pelo conjunto de uma vida conjugal fecunda”. No mesmo sentido, é preciso dizer que é um erro sugerir a idéia de que o preservativo, que em si mesmo é desonesta, possa ser coonestada pelo esperado encaminhamento esperado à virtude do prostituto que o utiliza.

À diferença de um tratamento que implicaria a passagem de um pecado “mais grave” a um pecado “menos grave”, o ensinamento do Evangelho, longe de dizer “Vai e peque menos”, afirma claramente “Vai e não peques mais” (Jo. 8, 11).


4. O que os católicos precisam escutar da boca do Papa

Não há dúvida de que um livro-entrevista não pode ser considerado um ato de magistério, com mais forte razão quando se desvia do que foi ensinado de maneira definitiva e invariável. Tampouco resta essa dúvida aos médicos e farmacêuticos, que valentemente se recusam a prescrever ou a vender preservativos e anticoncepcionais por fidelidade à fé e à moral católicas, e em geral, todas as famílias numerosas que aderem à Tradição têm necessidade de escutar que o ensinamento perene da Igreja não muda com o correr do tempo. Todos eles esperam que se recorde firmemente que a natureza humana, e a lei natural inscrita nela, é universal.

No livro Luz do mundo se encontra uma passagem que relativiza o ensinamento de Humanae vitae. Nele se designa os que seguem fielmente como “minorias profundamente convencidas”, que oferecem aos demais “um modelo fascinante a praticar”, como se a encíclica de Paulo VI estabelecesse um ideal praticamente impossível de alcançar, do qual já se tinha convencido a imensa maioria dos bispos, para justificar a colocação dessa doutrina debaixo do alqueire – isto é, precisamente ali onde Cristo nos proíbe colocar a “luz do mundo” (Mt. 5, 14).

Essa exigência evangélica estaria destinada, por desgraça, a tornar-se uma exceção que confirma a regra do mundo hedonista em que vivemos? Um mundo ao qual o católico não deve se conformar (cf. Rom. 12, 2), mas ao que deve transformar como “o fermento na massa” (cf. Mt. 13, 33) e ao qual deve dar o gosto da Sabedoria divina como “o sal da terra” (Mt. 5, 13).


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