Especialmente para Ana Carolina.
11. Disse também: Um homem tinha dois filhos.12. O mais moço disse a seu pai: Meu pai, dá-me a parte da herança que me toca. O pai então repartiu entre eles os haveres.13. Poucos dias depois, ajuntando tudo o que lhe pertencia, partiu o filho mais moço para um país muito distante, e lá dissipou a sua fortuna, vivendo dissolutamente.14. Depois de ter esbanjado tudo, sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar penúria.15. Foi pôr-se ao serviço de um dos habitantes daquela região, que o mandou para os seus campos guardar os porcos.16. Desejava ele fartar-se das vagens que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava.17. Entrou então em si e refletiu: Quantos empregados há na casa de meu pai que têm pão em abundância... e eu, aqui, estou a morrer de fome!18. Levantar-me-ei e irei a meu pai, e dir-lhe-ei: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti;19. já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados.20. Levantou-se, pois, e foi ter com seu pai. Estava ainda longe, quando seu pai o viu e, movido de compaixão, correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou.21. O filho lhe disse, então: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho.22. Mas o pai falou aos servos: Trazei-me depressa a melhor veste e vesti-lha, e ponde-lhe um anel no dedo e calçado nos pés.23. Trazei também um novilho gordo e matai-o; comamos e façamos uma festa.24. Este meu filho estava morto, e reviveu; tinha se perdido, e foi achado. E começaram a festa.25. O filho mais velho estava no campo. Ao voltar e aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.26. Chamou um servo e perguntou-lhe o que havia.27. Ele lhe explicou: Voltou teu irmão. E teu pai mandou matar um novilho gordo, porque o reencontrou são e salvo.28. Encolerizou-se ele e não queria entrar, mas seu pai saiu e insistiu com ele.29. Ele, então, respondeu ao pai: Há tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir ordem alguma tua, e nunca me deste um cabrito para festejar com os meus amigos.30. E agora, que voltou este teu filho, que gastou os teus bens com as meretrizes, logo lhe mandaste matar um novilho gordo!31. Explicou-lhe o pai: Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu.32. Convinha, porém, fazermos festa, pois este teu irmão estava morto, e reviveu; tinha se perdido, e foi achado.(São Lucas, 15, 11-32)
Bom, não são poucos os que contestam esta parábola, aparentemente tão injusta e incompreensível ao humano coração.
Para entendê-la, devemos ir ao largo de nosso mundinho egoísta e sobretudo encontrar nosso lugar nesta história.
Em primeiro lugar, cabe aqui perguntar-mos: quem é o filho pródigo? quem é o filho mais velho? Quem é o pai? Onde acontecem os fatos?
- O "filho pródigo" somos todo nós.
- O "filho mais velho" é o outro. É aquele que faz a vontade de Deus, mas anota tudo na ponta do lápis.
- O "pai" é Deus, nosso Senhor.
- Os fatos acontecem aqui, em nosso dia-a-dia, quando tomamos decisões que nos afastam da casa do pai e nos levam para o mundo; é dentro, também, de nossa consciência e nosso intelecto.
E, ainda, precisamos refletir sobre: a partida, a vida pecaminosa, a consciência do pecado, a decisão do retorno, o retorno, a acolhida, a celebração, a explicação.
A partida:
O filho exige do pai o que seria um dia seu quinhão. Surpreendentemente, o pai dá. Mesmo sabendo em seu coração que o jovem filho, ainda inexperiente e cheio da arrogância própria da juventude que ainda não viveu o mundo, não saberia como administrar tão rico tesouro. Em sua generosidade e amor, o pai se arrisca e oferece ao filho a liberdade de decidir por si próprio, de "curtir" a vida, sem responsabilidades, sem preocupações.
A vida pecaminosa:
E o filho "parte" sem olhar para traz, sem culpa e sem remorso de deixar o velho pai.
E o mundo nunca lhe pareceu tão belo e tão acessível. Afinal, não lhe faltava dinheiro para comprar amizades, amores, divertimento... Finalmente, livre das obrigações da casa paterna, o filho mais novo ganha o mundo. É amado, é rodeado de gente, é em festa. Bebe da alegria descompromissada até a última gota. É! Até a última gota.
A consciência do pecado:
O dinheiro acaba, acabam as festas, os amigos somem. Mesmo assim, ele não volta para a casa paterna. "Não preciso de ajuda", diz ele em seu amargo e amargurado coração. "Posso me virar sozinho".
Procura emprego e a única oportunidade que encontra é cuidar de porcos. Não que trabalhar - e trabalhar em qualquer lugar - não seja boa coisa. Mas aqui o que fala mais alto é o orgulho, alimentado pelo pecado, que lhe cega a visão e a consciência de sua real situação. Não enxerga ainda o tudo que perdeu e o tudo que ainda possui. Submete-se à humilhação do "mundo", porque é mais fácil que reconhecer o erro. Trabalhar como servo, em serviço degradante e pesado... É mais fácil e mais leve que pedir perdão. Mas ainda não percebe nem sente a necessidade de pedir perdão porque o coração está cheio ainda de escuridão. Tinha fome, mas não lhe sobrava nem o resto dados aos porcos... A "fome" de Deus começa a rondá-lo.
Um dia, a "consciência do pecado" desperta em seu coração, após muita fome e provação.
Um dia ele olha para si, para sua deplorável vida e se enxerga em toda sua pequenez e miséria. Lembra da casa do pai, lembra da fartura, da vida tranquila, da comida farta, os empregados que o serviam... Lembra dos dias de alegria genuína e gratuita, do amor sincero de sua família e de seus verdadeiros amigos. Lembra da paz que sentia em seu coração.
A decisão do retorno:
"Levantar-me-ei e irei a meu pai, e dir-lhe-ei: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados"
Surge em seu coração a decisão do retorno. Não pela fome que agora passa, nem pela riqueza que o aguarda. Não há interesses mesquinhos em seu coração. Aprendeu a lição. Arrependeu-se sinceramente de seus atos e suas decisões. Arrependeu-se amargamente do "desperdício". Não quer mais perder tempo nem vida. Não quer mais ser humilhado e desprezado. Não quer mais viver longe do pai. É a "saudade de sua vida verdadeira" que acalentou seu coração e o leva a voltar para a casa do pai.
O retorno:
"Levantou-se, pois, e foi ter com seu pai". Levantou-se. Porque estava prostrado. Derrubado ao chão por seus pecados e pelo mundo que muito dá e tudo cobra. Ajoelhado em atitude de sincero arrependimento e propósito de emendar-se, pedir perdão e nunca mais pecar. Põe-se a caminho, sai de seu mundo egoísta e vai ao encontro do Amor. A atitude dele não é de espera, estática, passiva. Deixa tudo para traz e vai ter com seu pai. Levanta-se. Procura. Dispõe-se a fazer. Age. Acabou a servidão do pecado. Acabou a fome do mundo. Acabou o medo e a vergonha. A Esperança o leva de volta para a casa. Não a arrogância do herdeiro, mas a esperança do filho. Não pretende ouro e incenso, mas um lugar entre os servos do pai, consciente que está de ter dissipado seu quinhão da herança e que nada mais lhe pertence, nada mais pode pleitear. Não é a fome, o desespero e a ganância que o movem. Mas a Fé (no amor paterno), a Esperança (no perdão) e a Caridade (do coração).
A acolhida:
"Estava ainda longe, quando seu pai o viu e, movido de compaixão, correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou". Ah! O olhar dos pais! Enxergam longe esses seres que nos amam tanto. Sabem, sentem que estamos a caminho, de volta para casa. Pressentem em seu coração quando estamos sós e em perigo. E vêm ao nosso encontro. Não esperam sentados do alto de seu trono, para tripudiar sobre nossos erros. E correm, porque o tempo urge e não se pode esperar para receber um filho de volta em casa.
O filho, então, pede perdão. Mas que? O pai, que já o beijou e o abraçou, ordena ao servos que vistam e adornem o filho, que se celebre a volta com todas as pompas e toda a alegria. Sem demora, sem parcimônia, sem medida.
A celebração:
E a festa começa. «Há mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento» (São Lucas 15, 7). É motivo de imensa alegria o retorno de um filho que se perdeu pelas estradas do mundo. Um filho que abandonou, de livre e espontânea vontade, o pecado é motivo de júbilo.
A explicação:
Bom, nem tudo são flores. O filho mais velho, que estava trabalhando nos campos - um trabalho dobrado porque está sozinho fazendo o trabalho de dois - volta para casa no fim do dia e, ao ouvir tanta festa e alegria, pergunta e descobre o motivo: o irmão "vagabundo" volta para casa depois de dissipar o patrimônio que exigira em vida! Quanta audácia! Que absurdo! "Eu aqui dando o melhor de mim, trabalhando exaustivamente, obedecendo cegamente... e nunca houve festa para mim! Nunca foi reconhecido meu esforço e dedicação!"
Quanta injustiça para olhos curtos e coração amargurado. Como compreender tamanho despautério?
E o pai amoroso e solicito explica. O filho mais velho já está a salvo. Protegido pelo amor paterno, usufrui já de todos os seus bens. Mas o filho pródigo (que desperdiça seus bens), não. Ele estava morto, perdido. Voltou à vida, foi achado!
Tais palavras devem ser de alento para nós. Mais pródigos que perfeitos. Mais perdidos que à sombra do pai. Mais mortos que vivos.
Nesta parábola, não devemos nos preocupar com o filho mais velho.
Sim, também nós, como o pai, não devemos nos preocupar com ele, porque não somos ele!
Nós somos o filho mais novo, sucumbindo à paixão do mundo, desperdiçando nossos "talentos" com o que não convém, passando fome e frio na escuridão do mundo. É esse filho que deve inspirar nosso coração e servir de exemplo. É a esse filho que o pai olha com compaixão e socorre. É para esse filho que o pai faz festa: Hei! Voltamos, estamos a salvo! Alegre-se, irmão. Estamos em casa!
Não é bom saber que há sempre um lugar para nós quando resolvermos voltar? Não é bom sabermos que há perdão e festa? Alegria e amor a nos esperar?
Não há injustiça aqui. Até porque a volta não é interessada, movida a ganância. O arrependimento deve ser sincero e eficaz. O propósito de não mais pecar deve mover nossos pés até a casa do pai.
Um olhar sobre o filho mais velho:
Como deve ter sido difícil para ele ver o irmão partir levando o que um dia seria sua herança, estando vivo o pai. Um irmão mais novo que deve ter sido muito mimado, talvez.
Quanto ressentimento enxergamos em seu pobre coração; ele que fez tudo certo, que nunca deu motivo de preocupação para o pai; que nunca teve reconhecidos seus méritos e seu trabalho. Era no irmão mais novo que seu pai pensava todos os dias, era para ele que o pai rezava à noite antes de dormir.
Vem-me à mente outra dupla de irmãos: Caim e Abel. Não que o trabalho, a dedicação e o esforço do irmão mais velho devessem ser obrigatoriamente comparados às ofertas de Caim. Mas vejo naquele a mesma indagação deste. A mesma reação diante das atitudes do "pai".
Mas porque precisamos sempre olhar para o prato alheio? O nosso não está suficientemente bom e cheio? Está sim, mas nunca nos basta. Não nos bastam a presença constante e os cuidados do pai, exigimos sempre e sempre o que o pai dá para nosso irmão. Porque o que recebemos nunca é o bastante, nunca é o melhor.
O irmão mais velho sempre esteve ao lado do pai. Em sendo assim, o pai também esteve sempre ao seu lado. Dia após dia, o pai o amparou e o alimentou e o protegeu do mundo. Amanheceu com ele, adormeceu com ele. Sentou-se à mesa com ele. Conversou com ele; até o repreendeu talvez. Mas isso não bastou... Ele queria todos os seus pensamentos e preocupações. Ele queria o quinhão de amor que ainda pertencia ao irmão mais novo e que este não levou todo consigo quando foi embora. Mesmo porque o amor paterno é inesgotável. Quanto mais é dado tanto mais é gerado.
"Explicou-lhe o pai: Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu". Como não pode bastar tamanha riqueza? O que mais precisa exigir o filho mais velho?
"...tu estás sempre comigo..." que bela declaração de fidelidade e lealdade.
E, apesar da indignação do filho mais velho - e um certo desrespeito para com o pai -, este não o repreende, mas "explica". Porque entende o coração amargurado e, como bom pai, se alegra por um e explica ao outro. Amor, amor, amor.
Voltando ao filho pródigo, como se dá a volta para casa em nossas vidas de cristãos? Se dá pela confissão e comunhão.
Eia, então! Alegre-se e ponha-se a caminho. Há uma festa a lhe esperar.
Giulia d'Amore di Ugento
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