A FIRMEZA DOUTRINAL DE PADRE PIO
Publicado na revista
IESUS CHRISTUS, N. 64
1999.
São Pio de Pietrelcina |
Este último ano de um século cada vez mais decadente viu, no mês de maio, a beatificação1 do Padre Pio, esse santo religioso que Deus enviou como um sinal para os nossos tempos. De fato, enquanto se quer nos fazer crer em uma nova Igreja 'carismática', não se encontram mais autênticos 'santos milagrosos' como aqueles que marcaram a história da Igreja desde o Pentecostes. Padre Pio parece terminar essa radiante procissão e de uma magnífica maneira: como o único sacerdote que trazia os estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Muito tem sido escrito sobre Padre Pio – aparentemente, mais de 600 obras – e se tem insistido muito sobre o que tinha de extraordinário na sua vida: não só os seus inúmeros carismas (penetração de consciências, curas, ressurreições, bi-locações, êxtases, aromas, profecias etc.), mas também os incríveis sofrimentos que suportou desde sua mais tenra infância, as perseguições sofridas por parte de alguns homens de Igreja e até de confrades na religião. Tudo isso, sem esquecermos de suas duas principais obras de caridade: a fundação da 'Casa do Sofrimento' e dos 'Grupos de oração'.
Assim, é-nos apresentado o Padre Pio como um santo mais admirável que imitável, e – no final das contas – as lições mais interessantes desta vida correm o risco de nos escapar, junto com as aplicações práticas que poderiam transformar a nossa existência. Então, vamos tentar – mesmo que de forma imperfeita – destacar algumas, esperando saber tirar proveito delas, e pedindo que o Padre, lá do alto, nos assista fortemente, como prometeu a todos os que quisessem ser seus 'filhos espirituais'.
Grazio e Maria Forgione os pais |
O ponto de partida de uma vida totalmente sacrificada por Deus e pelas almas foi uma família piedosa e numerosa, onde a abnegação de cada um suavizava e transfigurava a áspera vida diária. Isto confirma aquela justa sentença de Mons. de Ségur, que dizia: "É nas famílias com ausência de espírito de sacrifício onde as vocações estão em risco de se perderem". Batizado no dia seguinte a seu nascimento – pelo que dará graças a Deus durante toda a sua vida – Padre Pio recebeu o nome de Francisco, prelúdio de sua vocação franciscana que se revelaria por ocasião da visita de um frade capuchinho, que ia mendigar o alimento para seu convento. Sua vocação não se decidiria sem esforço: "Sentia duas forças que se enfrentavam em mim, rasgando-me o coração: o mundo me queria para ele, e Deus me chamava para uma nova vida. Meu Deus! Como descrever o meu martírio? A simples lembrança da luta que se travava em mim me gela o sangue nas veias...".
O jovem Padre Pio |
Entrou no noviciado quando ainda não havia alcançado os dezesseis anos. Em cima da porta da clausura, para acolhê-lo, estava um sinal: "Ou a penitência, ou o inferno". A regra consistia de muitas orações, bastante trabalho e pouca leitura, limitando-se esta ao estudo da Regra e das Constituições.
O Irmão Pio logo veio a se destacar pela abundância de lágrimas que derramava durante a oração da manhã, a qual era consagrada pelos Capuchinhos à meditação sobre a Paixão, o que o obrigava a estender um pano diante de si, sobre o chão do Santuário. Tal como aconteceu com São Francisco, foi antes de tudo por essa amorosa e compassiva contemplação de Jesus crucificado que Padre Pio teve a graça de receber mais tarde os dolorosos estigmas em seu corpo. No entanto, como confiaria a seu diretor espiritual, frei Agostino, "as lutas espirituais, em comparação com as que sofro na minha carne, são muito superiores".
Os Estigmas |
Parece que Deus espera que os justos expiem mais especialmente em si mesmos, por meio da tentação, os pecados públicos de seus contemporâneos. Na época em que a psicanálise que tudo desculpa ia ganhando mais e mais terreno, o Padre Pio – como a pequena Teresinha – teve que sofrer uma terrível crise de escrúpulos "quase insuportável" que o atormentou por três longos anos. Depois da tempestade, vem a noite. Noite da alma que durou várias décadas, cravejada com raras claridades: "vivo uma noite perpétua (...) tudo me perturba, e não sei se ajo bem ou mal. Não é um escrúpulo, eu sei: a incerteza de não saber se agrado ou não ao Senhor é o que me esmaga. E isso, em tudo e em todo lugar: no altar, no confessionário... em todo lugar".
Suas máximas devem ser meditadas pela perspectiva destas provas místicas: "O amor é mais bonito no temor, porque é assim que somos fortalecidos". Ou "Quanto mais se ama a Deus, menos se sente".
Santa Teresa do Menino Jesus se opôs ao presunçoso racionalismo de seu tempo por meio de sua espiritualidade inocente (Pequeno Caminho da Infância Espiritual), mas também através da expiação das terríveis tentações contra a Fé. Seu clamor: "Quero crer!", é bem conhecido. Padre Pio também experimentou violentas e prolongadas tentações contra a Fé, como o atestam as suas cartas ao Frei Agostino: "As blasfêmias me atravessam o espírito sem cessar, e, mais ainda, falsas ideias, ideias de infidelidade e de falta de Fé. Sinto a alma traspassada a cada momento da minha vida, sufoca-me... Minha Fé é todo um esforço de minha pobre vontade contra toda persuasão humana. Em suma, a minha Fé é o fruto de esforços contínuos que faço sobre mim mesmo. E tudo isso, Padre, não são poucas vezes ao dia, mas é algo continuo... Padre, quão difícil é crer!".
Jovem, já com os Estigmas |
Que preciosas lições devem ser para nós, por exemplo, ser surpreendido e encontrar-se tentado a tal ponto.
Como Padre Pio suportou estas terríveis provações? Pondo em prática o que havia aprendido durante o seu noviciado: a perseverança na oração, a mortificação dos sentidos, uma firme fidelidade às obrigações de seu estado e, finalmente, uma perfeita obediência ao sacerdote encarregado de sua alma. Esta experiência, duramente adquirida, permitiu-lhe muito rapidamente atrair a si almas desejosas de perfeição e de ser exigente com elas.
A seus dirigidos ditava, desde o início, uma regra de cinco pontos: a confissão semanal, comunhão e leitura espiritual diárias, exame de consciência todas as noites, a oração mental duas vezes ao dia. Em relação ao Rosário, dizia que era muito necessário, e além disso, falava frequentemente: "A confissão é o banho da alma. Tem que fazê-la uma vez por semana, pelo menos! Se em um quarto bem limpo e vazio entramos depois de uma semana, veremos que nele há poeira, e necessita ser limpo novamente!".
A imagem diante da qual Padre Pio rezava quando recebeu os estigmas |
Àqueles que se declaravam indignos de comungar, o Padre Pio respondia: "Isso é muito certo, não somos dignos de tal dom. No entanto, aproximar-se do Santíssimo em estado de pecado mortal é uma coisa, e ser indigno dEle é algo completamente diferente. Todos nós somos indignos, mas é Ele quem nos convida. É Ele quem o quer. Humilhemo-nos e recebamo-lo com um coração contrito e cheio de amor".
Para outro que lhe dizia que o exame de consciência lhe parecia inútil, pois em cada uma de suas ações sua consciência lhe mostrava claramente se o que fazia era bom ou mau, ele objetava: "Muito bem dito, mas todo comerciante experiente deste mundo não se limita a controlar durante o dia se perdeu ou ganhou após cada venda. À noite faz um balanço de todo o dia para estabelecer o que deve ser feito no dia seguinte. Disto se segue que é indispensável fazer cada noite um rigoroso exame de consciência, breve, mas lúcido" (...) "O dano que produz nas almas a falta de leituras virtuosas me faz tremer de horror... Que força espiritual tem a leitura para levar a mudar o caminho, e para fazer entrar no caminho da perfeição até as pessoas mundanas!"
Quando Padre Pio foi condenado a não exercer qualquer ministério, ocupou o seu tempo livre, não lendo o jornal – "o evangelho do diabo" –, mas muitos livros de doutrina, história e espiritualidade. O que não o impediu de dizer: "Procuramos Deus nos livros, mas O encontramos através da oração".
Seus conselhos para a oração eram muito simples: "Se não consegue meditar bem, não deixe por isso de fazer seu dever. Se as distrações são muitas, não desanime, faça a meditação pacientemente e ainda assim será proveitosa. Determinem a duração da meditação, e não se levante até termina-la, mesmo que deva ser crucificado... Porque se inquieta tanto por não saber meditar corretamente? A meditação é um meio para alcançar Deus, não é um fim em si mesma. A meditação ajuda no amor de Deus e do próximo. Ame a Deus com toda a sua alegria e sem reservas, ame ao próximo como a si mesmo e terá realizado a metade de sua meditação".
Padre Pio e os fieis
clique para ampliar
|
O mesmo se pode dizer em relação ao Santo Sacrifício da Missa: deve consistir mais em atos (contrição, fé, amor) do que em reflexões ou considerações intelectuais. A quem lhe perguntava se era necessário seguir a Missa com o missal, o Padre Pio respondia que o missal era necessário apenas ao sacerdote. Para ele, a melhor maneira de assistir ao Santo Sacrifício era unir-se à Virgem Dolorosa, aos pés da Cruz, na contemplação e no amor. Somente no Paraíso – assegurava – compreendermos todos os benefícios que recebemos por assistir à Santa Missa.
Padre Pio, que era tão afável e agradável nas relações humanas, podia tornar-se duro e inflexível quando a honra de Deus estava em jogo, especialmente na igreja: "O murmúrio dos fiéis era interrompido pelo Padre, que fulminava com o olhar a qualquer um que não observasse uma atitude de oração... Se alguém permanecia de pé, mesmo que fosse apenas por falta de lugar, o convidava peremptoriamente a ajoelhar-se para participar dignamente do Santo Sacrifício da Missa".
Até mesmo o acólito mais distraído ouvia suas censura: "Menino, se você quer ir para o inferno, não precisa de minha permissão".
Ele também havia declarado guerra sem tréguas às modas do pós-guerra: "O Padre Pio, sentado em seu confessionário aberto, vigia o tempo todo para que as mulheres e jovens que iam se confessar com ele não usassem vestidos curtos (exigia que as saias escondessem os joelhos). Muitas vezes havia lágrimas: esperar tanto tempo para confessar e ser excluída por causa de uma saia muito curta!... Então, algumas boas almas se adiantavam para oferecer ajuda: em um canto se descostura uma bainha, ou se empresta um casaco. Então, o Padre, às vezes, aceita admitir as humilhada à confissão".
A seu diretor espiritual que um dia o repreendeu por essa sua conduta por vezes tão severa, ele respondeu: "Poderia obedecer-lhe, mas todas as vezes é Jesus quem me diz como devo tratar essas pessoas".
Tratava-se, portanto, de uma severidade inspirada de cima, unicamente para a honra de Deus e a salvação das almas: "Uma mulher que satisfaz sua vaidade em seus vestidos não poderá jamais revestir-se da vida de Jesus Cristo e perde todo o adorno da alma a partir do momento em que este ídolo entra em seu coração".
E que não lhe censurassem uma falta de caridade: "Rogo-lhe que não me reproves em nome da caridade, porque a maior caridade é aquela que liberta as almas das garras de Satanás, com o fim de ganha-las para Cristo".
Modelo de respeito e submissão aos seus superiores eclesiásticos e religiosos, especialmente quando foi perseguido, Padre Pio não poderia permanecer em silêncio diante dos desvios nefastos que estavam ocorrendo na Igreja. Antes mesmo do fim do Concílio, em fevereiro de 1965, alguém lhe informou que em breve deveria celebrar a Missa de acordo com um novo rito, ad experimentum, não mais em latim, elaborado por uma Comissão Conciliar Litúrgica para responder às aspirações do homem moderno. Antes mesmo de ter o texto diante de seus olhos, ele escreveu imediatamente a Paulo VI para pedir-lhe dispensa deste experimento litúrgico e para poder continuar celebrando unicamente a Missa de São Pio V. Diante do Cardeal Bacci, o enviado do Papa que havia se deslocado pessoalmente para levar esta autorização, Padre Pio deixou escapar uma queixa: "Por compaixão, encerrem rapidamente o Concílio".
Foi diante deste crucifixo, no coro superior da pequena igreja, que o Pe. Pio associou-se à paixão de N. Senhor, recebendo os Estigmas |
No mesmo ano, no meio da euforia conciliar que prometia uma nova primavera para a Igreja e o mundo, o Padre confidenciava a um de seus filhos espirituais: "Rezemos nesta época de trevas. Façamos penitência pelos eleitos".
E o fez especialmente por aquele que é nosso pastor aqui na Terra: "Toda a sua vida foi uma imolação pelo Papa reinante, cuja fotografia estava entre as pequenas imagens que decoravam sua cela".
Há outras cenas muito significativas da vida de Padre Pio, por exemplo suas reações ao aggiornamento das ordens religiosas a partir do Vaticano II. As palavras que seguem fazem parte de um livro que contém um Imprimatur: "Em 1966, o Superior Geral (dos Franciscanos) veio de Roma antes de um Capítulo extraordinário sobre as Constituições, com o objetivo de pedir a Padre Pio suas orações e bênçãos. Reuniu-se com o Padre no claustro. 'Padre, vim para encomendar que em suas orações, lembres o Capítulo especial para as novas Constituições...'. Quando ouviu 'Capítulo especial' e 'novas Constituições', Padre Pio, com um violento gesto, disse em voz alta: 'Tudo isso não é senão bobagens e ruínas' — 'Mas Padre, afinal de contas, devemos considerar as gerações mais jovens... os jovens evoluíram a sua própria maneira... existem novas exigências...' — 'O que falta é a mente e o coração. Isto é tudo: inteligência e amor'. Então, dirigindo-se à sua cela, deu meia volta e se foi, apontando com um dedo e dizendo: 'Não devemos desfigurar-nos a nós mesmos, não devemos desfigurar-nos a nós mesmos! No dia do Juízo do Senhor, São Francisco não nos reconhecerá como seus filhos!".
Um ano depois, a mesma cena em relação ao aggiornamento dos Capuchinhos: "Um dia, alguns confrades estavam discutindo com o Padre Definidor Geral sobre os problemas da Ordem, quando o Padre Pio, tomando uma atitude assombrosa, começou a gritar, fixando o seu olhar ao longe: 'Mas o que estão fazendo em Roma. O que estão aprontando? Estão mesmo empenhados em mudar a Regra de São Francisco!'. E o Definidor lhe disse: 'Padre, essas mudanças são propostas porque os jovens não querem mais saber da tonsura, do hábito, dos pés descalços...'. 'Expulsem-nos! Expulsem-nos! Mas o quê? São eles que fazem um favor a São Francisco tomando o hábito e seguindo seu modo de vida, ou é São Francisco que lhes oferece um grande presente?'."
Os calçados que ele usava feitos sob medida por causa dos Estigmas |
Se considerarmos que Padre Pio era um verdadeiro alter Christus, que toda a sua pessoa, corpo e alma, estava, tanto quanto possível, tão perfeitamente conforme à de Jesus Cristo – sua integral rejeição ao Novus Ordo e ao aggiornamento deve ser uma lição que devemos aprender – é também notável que o Bom Deus tenha querido chamar o seu servo fiel justamente antes da imposição implacável do Novus Ordo na Igreja e na Ordem dos Capuchinhos. É também notável que Katharina Tangari, uma de suas mais privilegiadas filhas espirituais, tenha apoiado tão admiravelmente os sacerdotes de Ecône, até à sua morte, um ano após as sagrações de 1988.
A benção final da Missa que Padre Pio nunca deixou de rezar: a Missa de sempre a Missa de Pio V |
Padre Pio era ainda menos complacente com a ordem – ou melhor, com a desordem – social e política e em 1966 diria: "Confusão de ideias e reino de ladrões".
E profetizou que os comunistas tomariam o poder "de surpresa, sem disparar uma só bala... Acontecerá na calada da noite".
Isto não deve nos surpreender, já que as ordens de Nossa Senhora de Fátima não foram ouvidas. Inclusive, disse a Mons. Piccinelli que a bandeira vermelha ondejaria sobre o Vaticano, "mas que seria passageiro", e sua conclusão aqui novamente coincide com a da Rainha dos Profetas: "Mas, por fim, o meu Coração Imaculado triunfará". Como? Pela onipotência divina, certamente, mas provocada pelas duas grandes forças do homem: a oração e a penitência. É a grande lição que Nossa Senhora quis nos lembrar insistentemente no início do século XX: Deus quer salvar o mundo pela devoção ao Imaculado Coração de Maria, e não há problema, material ou espiritual, nacional ou internacional, que não possa ser resolvido por meio do Santo Rosário e dos nossos sacrifícios.
Esta, sem dúvidas, é também a última lição que Padre Pio quis que aprendêssemos com seu exemplo e, sobretudo, através de seus "grupos de oração" que estabeleceu por todo o mundo.
"Ele nunca abandonava o Rosário, inclusive tinha um debaixo de seu travesseiro. Rezava várias dezenas de Rosários por dia".
Poucas horas antes de expirar, como lhe pediam para dizer suas últimas palavras, o que se ouviu foi isto: "Amem a Santíssima Virgem e façam que a amem. Rezem sempre o Rosário!".
A próxima glorificação do Venerável Padre Pio certamente vai despertar em muitas almas a curiosidades e a admiração por ele. Aproveitamos esta oportunidade para recordarmos a todos estas lições e, é claro, para que as ponhamos em prática em nossa própria vida, no amor misericordioso dos Santíssimos Corações de Jesus e Maria.
Irmão João
(Da "Carta aos Amigos do São Francisco", do Convento de Morgon, França).
Fonte: APOSTOLADO EUCARISTICO
Tradução: Pale Ideas.
IMAGENS
279 Fotos e imagens de Padre Pio
[1] NdTª.: O processo que levou à sua canonização teve início com o nihil obstat de 29 de novembro de 1982. Em 20 de março de 1993, foi começado o processo diocesano para sua canonização. Em 21 de janeiro de 1990, o Papa João Paulo II o proclamou 'venerável'; em 2 de maio de 1999, Beato; e, em 16 de junho de 2002, na Praça de São Pedro, Santo, com o nome de São Pio de Pietrelcina. A sua festa litúrgica é celebrada dia 23 de setembro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Este blog é CATÓLICO. Ao comentar, tenha ciência de que os editores se reservam o direito de publicar ou não.
COMENTE acima. Para outros assuntos, use o formulário no menu lateral. Gratos.