Dos escritos do Padre Réginald Garrigou-Lagrange (1877-1964).
Em primeiro lugar, é evidente que importa muito conhecê-lo, e não ter quaisquer ilusões sobre este ponto. E esse conhecimento nos parece ainda mais necessário pelo fato de que o nosso adversário, o inimigo de nossa alma, o conhece muito bem e o usa para pôr a discórdia em nós e ao nosso redor. Na cidadela de nossa vida interior, defendida pelas várias virtudes, o defeito dominante é como o ponto fraco não defendido nem pelas virtudes teologais nem por aquelas morais. O inimigo das almas procura precisamente, em cada um de nós, o ponto fraco, facilmente vulnerável, e o encontra ligeiramente. É, portanto, necessário que também nós o conheçamos.
Mas como discerni-lo? Nos principiantes é demasiado fácil, quando são sinceros. Mais tarde, porém, o defeito dominante torna-se menos óbvio, pois procura esconder-se camuflando-se como uma virtude; o orgulho toma, exteriormente, a veste da magnanimidade, e a pusilanimidade tenta se cobrir com o manto da humildade. É necessário, todavia, chegar a conhecer o defeito dominante, porque, se nós não o conhecemos, não podemos combatê-lo, e, se não o combatemos, não haverá em nós verdadeira vida espiritual.
A fim de pode-lo discernir, devemos primeiro pedir a Deus a luz: “Senhor, fazei-me conhecer os obstáculos que coloco, de um modo mais ou menos consciente, à obra da graça em mim. Dai-me, depois, a força de eliminá-los, e se eu for negligente ao fazê-lo, dignai-Vos de eliminá-los Vós mesmo, mesmo que eu deva sofrer por isso”.
Depois de haver assim pedido com grande sinceridade esta luz, devemos nos examinar seriamente. E como? Perguntando a nós mesmos: ao que tendem as minhas preocupações mais ordinárias pela manhã logo ao acordar, ou quando me encontro só? Onde se fixam espontaneamente os meus pensamentos e os meus desejos? Aqui devemos nos lembrar que o defeito dominante, que comanda facilmente todas as nossas paixões, assume toda a aparência de uma virtude, e se não fosse combatido poderia conduzir à impenitência. Judas alcançou esta com a avareza, vício que não soube nem quis dominar; ela o conduziu como um impetuoso vento que arremessa um navio contra os escolhos.
Para descobrir o defeito dominante, devemos também nos perguntar: “Qual é geralmente a causa ou a fonte da minha tristeza e da minha alegria? Qual é o motivo geral das minhas ações, a origem ordinária dos meus pecados, sobretudo quando não se trata de culpa acidental, mas de uma sequência de pecados, ou de um estado de resistência à graça, especialmente quando este estado dura vários dias e nos leva a omitir os nossos exercícios de piedade?”. Então, devemos sinceramente procurar o motivo pelo qual a alma se recusa a voltar para o bem.
Devemos nos dizer ainda: “O que pensa disso o meu diretor [espiritual]? Qual é, segundo ele, meu defeito dominante? Ele é certamente melhor juiz do que eu”. De fato, ninguém é bom juiz em causa própria, e aqui o amor próprio nos engana.
Bem, muitas vezes o nosso diretor descobriu esse defeito antes de nós, e talvez já tentou algumas vezes falar a respeito. Nós, porém, temos, talvez, procurado nos escusar?
E aqui a escusa é pronta, porque o defeito dominante excita facilmente todas as nossas paixões, as comanda como se lhes fosse o dono, e estas lhe obedecem instantaneamente. Desse modo, o amor próprio ferido excita, prontamente, a ironia, a cólera, a impaciência.
Além disso, quando o defeito dominante se enraíza em nós, tem uma repugnância particular em deixar-se desmascarar e combater, porque quer reinar em nós. E isso chega, às vezes, a tal ponto que se o próximo nos acusa de tal defeito nós lhe respondemos: “Posso ter mil defeitos, mas este realmente eu não o tenho”.
Podemos reconhecer o defeito dominante também pelas tentações que nosso inimigo suscita mais frequentemente em nós, porque ele costuma nos atacar, sobretudo por este ponto fraco da nossa alma.
Finalmente, nos momentos de verdadeiro fervor, as inspirações do Espírito Santo vêm a nos pedir sacrifícios precisamente sobre este ponto.
Se recorrermos sinceramente a estes diferentes meios de discernimento, não nos será muito difícil reconhecer esse inimigo interior que carregamos em nós e que nos torna escravos: “Quem se entrega ao pecado é escravo do pecado”, diz Jesus em São João (8,34). É como uma prisão interior que carregamos em nós, onde quer que vamos. Devemos, portanto, aspirar ardentemente à libertação.
Que graça é para nós nos encontrarmos com um santo que nos diga: “Eis o teu defeito dominante e eis também a atração principal da graça que deves seguir generosamente para chegar à união com Deus”.
É por isso que o Senhor chamou “filhos do trovão” – Boanerges – aos jovens Apóstolos Tiago e João, que queriam que descesse fogo do céu sobre uma aldeia que se recusara a recebê-los. Lemos em São Lucas (9,56): “Ele advertiu-os, dizendo: ‘Não sabeis de qual espírito sois! O Filho do homem veio, não para perder os homens, mas para salvá-los’.”
Na escola do Salvador, os dois Boanerges tornaram-se doces e mansos, tanto que São João Evangelista, no final de sua vida, só sabia dizer uma coisa: “Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros” (1Jo 3,18-23). E quando lhe perguntavam por que repetia sempre a mesma coisa, ele respondia: “É o preceito do Senhor, e se o observardes, tereis feito tudo”. João não tinha perdido nada de seu ardor, de sua sede de justiça, mas estas qualidades se haviam espiritualizado e acompanhado por uma grande doçura.
(Trecho de “As Três Idades da Vida Interior”, Vol. II, Padre Réginald Garrigou-Lagrange, Edizioni Vivere In).
Tradução: Giulia d’Amore.
Visto em: http://cordialiter.blogspot.com.br/2015/09/come-conoscere-il-nostro-difetto.html.
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COMO CONHECER NOSSO DEFEITO DOMINANTE?
Padre Réginald Garrigou-Lagrange |
Mas como discerni-lo? Nos principiantes é demasiado fácil, quando são sinceros. Mais tarde, porém, o defeito dominante torna-se menos óbvio, pois procura esconder-se camuflando-se como uma virtude; o orgulho toma, exteriormente, a veste da magnanimidade, e a pusilanimidade tenta se cobrir com o manto da humildade. É necessário, todavia, chegar a conhecer o defeito dominante, porque, se nós não o conhecemos, não podemos combatê-lo, e, se não o combatemos, não haverá em nós verdadeira vida espiritual.
A fim de pode-lo discernir, devemos primeiro pedir a Deus a luz: “Senhor, fazei-me conhecer os obstáculos que coloco, de um modo mais ou menos consciente, à obra da graça em mim. Dai-me, depois, a força de eliminá-los, e se eu for negligente ao fazê-lo, dignai-Vos de eliminá-los Vós mesmo, mesmo que eu deva sofrer por isso”.
Depois de haver assim pedido com grande sinceridade esta luz, devemos nos examinar seriamente. E como? Perguntando a nós mesmos: ao que tendem as minhas preocupações mais ordinárias pela manhã logo ao acordar, ou quando me encontro só? Onde se fixam espontaneamente os meus pensamentos e os meus desejos? Aqui devemos nos lembrar que o defeito dominante, que comanda facilmente todas as nossas paixões, assume toda a aparência de uma virtude, e se não fosse combatido poderia conduzir à impenitência. Judas alcançou esta com a avareza, vício que não soube nem quis dominar; ela o conduziu como um impetuoso vento que arremessa um navio contra os escolhos.
Para descobrir o defeito dominante, devemos também nos perguntar: “Qual é geralmente a causa ou a fonte da minha tristeza e da minha alegria? Qual é o motivo geral das minhas ações, a origem ordinária dos meus pecados, sobretudo quando não se trata de culpa acidental, mas de uma sequência de pecados, ou de um estado de resistência à graça, especialmente quando este estado dura vários dias e nos leva a omitir os nossos exercícios de piedade?”. Então, devemos sinceramente procurar o motivo pelo qual a alma se recusa a voltar para o bem.
Devemos nos dizer ainda: “O que pensa disso o meu diretor [espiritual]? Qual é, segundo ele, meu defeito dominante? Ele é certamente melhor juiz do que eu”. De fato, ninguém é bom juiz em causa própria, e aqui o amor próprio nos engana.
Bem, muitas vezes o nosso diretor descobriu esse defeito antes de nós, e talvez já tentou algumas vezes falar a respeito. Nós, porém, temos, talvez, procurado nos escusar?
E aqui a escusa é pronta, porque o defeito dominante excita facilmente todas as nossas paixões, as comanda como se lhes fosse o dono, e estas lhe obedecem instantaneamente. Desse modo, o amor próprio ferido excita, prontamente, a ironia, a cólera, a impaciência.
Além disso, quando o defeito dominante se enraíza em nós, tem uma repugnância particular em deixar-se desmascarar e combater, porque quer reinar em nós. E isso chega, às vezes, a tal ponto que se o próximo nos acusa de tal defeito nós lhe respondemos: “Posso ter mil defeitos, mas este realmente eu não o tenho”.
Podemos reconhecer o defeito dominante também pelas tentações que nosso inimigo suscita mais frequentemente em nós, porque ele costuma nos atacar, sobretudo por este ponto fraco da nossa alma.
Finalmente, nos momentos de verdadeiro fervor, as inspirações do Espírito Santo vêm a nos pedir sacrifícios precisamente sobre este ponto.
Se recorrermos sinceramente a estes diferentes meios de discernimento, não nos será muito difícil reconhecer esse inimigo interior que carregamos em nós e que nos torna escravos: “Quem se entrega ao pecado é escravo do pecado”, diz Jesus em São João (8,34). É como uma prisão interior que carregamos em nós, onde quer que vamos. Devemos, portanto, aspirar ardentemente à libertação.
Que graça é para nós nos encontrarmos com um santo que nos diga: “Eis o teu defeito dominante e eis também a atração principal da graça que deves seguir generosamente para chegar à união com Deus”.
É por isso que o Senhor chamou “filhos do trovão” – Boanerges – aos jovens Apóstolos Tiago e João, que queriam que descesse fogo do céu sobre uma aldeia que se recusara a recebê-los. Lemos em São Lucas (9,56): “Ele advertiu-os, dizendo: ‘Não sabeis de qual espírito sois! O Filho do homem veio, não para perder os homens, mas para salvá-los’.”
Na escola do Salvador, os dois Boanerges tornaram-se doces e mansos, tanto que São João Evangelista, no final de sua vida, só sabia dizer uma coisa: “Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros” (1Jo 3,18-23). E quando lhe perguntavam por que repetia sempre a mesma coisa, ele respondia: “É o preceito do Senhor, e se o observardes, tereis feito tudo”. João não tinha perdido nada de seu ardor, de sua sede de justiça, mas estas qualidades se haviam espiritualizado e acompanhado por uma grande doçura.
(Trecho de “As Três Idades da Vida Interior”, Vol. II, Padre Réginald Garrigou-Lagrange, Edizioni Vivere In).
Tradução: Giulia d’Amore.
Visto em: http://cordialiter.blogspot.com.br/2015/09/come-conoscere-il-nostro-difetto.html.
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