Em 28 de maio último, Francisco deu uma entrevista à jornalista Valentina Alazraki, da emissora mexicana Televisa. Abaixo, alguns trechos publicados pelo site italiano Radio Spada. Vamos lá.
PERGUNTA — Talvez haja um outro tema que atrai a atenção e que creio seria bom explicar. É o seu relacionar-se com as pessoas que vivem situações que costumavam ser chamadas de “irregulares”, digamos assim. Vou lhe dar um exemplo. Quando o senhor recebeu em Santa Marta um transexual espanhol com seu companheiro, é claro que aquelas pessoas saíram de Santa Marta dizendo que o senhor os abraçou, os abençoou, que lhes disse que Deus as ama. Em seguida, uma mulher argentina divorciada telefonou para o senhor[1] e depois relatou: “O Papa me disse que eu posso comungar”. É claro, os fiéis, em um caso e no outro, vão até os sacerdotes e dizem: “o Papa me disse que está tudo bem e que posso comungar”. E os sacerdotes põem as mãos na cabeça e dizem: “E agora, o que eu faço?”, porque a doutrina não mudou. Então, como o senhor lida com essa situação?
RESPOSTA — Às vezes as pessoas, por causa do entusiasmo de serem recebidas, dizem mais do que o Papa disse, não nos esqueçamos.
PERGUNTA — É um risco que o senhor corre...
RESPOSTA — Claro, um risco. Mas todos são filhos de Deus, todos somos filhos de Deus. E eu não posso descartar ninguém. Se eu tenho que tomar cuidado com aqueles que jogam sujo, com quem me arma uma armadilha, sim, tenho que tomar cuidado. Mas descartar, não. Nem posso dizer a uma pessoa que sua conduta está em sintonia com o que a Igreja quer, não posso fazer isso. Mas devo dizer-lhe a verdade: “Você é filho de Deus, e Deus o ama; agora, resolva-se com Deus”. Eu não tenho o direito de dizer a ninguém que não é filho de Deus, porque não seria a verdade. E não posso dizer a ninguém que Deus não o ama, porque Deus ama a todos, amou até mesmo Judas. Claro, estes são casos limítrofes. O que eu disse àquela senhora, não me lembro bem, mas seguramente devo ter lhe dito: “Veja, em Amoris laetitia há o que você deve fazer. Fale com um sacerdote, e com ele procure...”.
PERGUNTA — Um caminho...
R. – Um caminho, abro um caminho. Mas presto muita atenção em não dizer “você pode fazer ou não a comunhão” a doze mil quilômetros de distância, seria um ato de irresponsabilidade. E, também, seria cair na casuística: posso ou não posso, algo que não aceito. É um processo de integração na Igreja. Se todos nós pensássemos que as pessoas que estão em “situações irregulares”... Não o façamos, não gosto disso.
PERGUNTA — Sim, é uma palavra que o senhor detesta, e eu também, mas para nos entendermos...
RESPOSTA — Se nos convencêssemos que são filhos de Deus, a coisa mudaria bastante. Me fizeram uma pergunta durante o voo — depois fiquei bravo, fiquei bravo porque um jornal a noticiou — sobre a integração familiar de pessoas com orientação homossexual. Eu disse: as pessoas homossexuais têm o direito de estar na família, as pessoas com orientação homossexual têm o direito de estar na família, e os pais têm o direito[2] de reconhecer aquele filho como homossexual, aquela filha como homossexual[3], não se pode expulsar ninguém da família nem tornar a sua vida impossível. Outra coisa que eu disse é: quando se vê algum sinal nos filhos que estão crescendo, é preciso mandá-los... eu deveria ter dito a um “profissional” e, em vez disso, me escapou “psiquiatra”[4]. Título desse jornal: “O Papa manda os homossexuais ao psiquiatra”. Não é verdade![5] Me fizeram novamente a mesma pergunta e repeti: são filhos de Deus, têm o direito a uma família, e basta. E expliquei: eu errei em usar aquela palavra, mas queria dizer isso. Quando notarem algo de estranho (no que eu digo), não, não de estranho, algo fora do comum, não tomem essa palavrinha para anular o contexto. O que ele diz é: tem direito a uma família. E isso não significa aprovar os atos homossexuais, longe disso.
PERGUNTA — Sabe que isso acontece, que o senhor muitas vezes se afasta do contexto, é também um vício da imprensa. Quando o senhor disse em sua primeira viagem aquela famosíssima frase: “quem sou eu para julgar”[6], o senhor antes havia dito: “já sabemos o que diz o catecismo”. O que acontece é que essa primeira parte não é lembrada, só lembram do “quem sou eu para julgar”. Então, isso também gerou muitas expectativas na comunidade homossexual mundial, porque pensaram que o senhor avançaria no tema.
RESPOSTA — Sim, fiz declarações como esta da família para avançar no tema. A doutrina é a mesma[7], a dos divorciados foi readaptada [sic], seguindo, no entanto, a linha do Amoris laetitia, no capítulo oitavo, que é recuperar a doutrina de Santo Tomás[8], não a casuística.
PERGUNTA – É esse o problema que às vezes se cria.
RESPOSTA — E é estranho, me disseram que foi uma pessoa não-crente[9] que me defendeu. Disse algo nunca antes ouvido, que a frase “ver um psiquiatra” era um lapsus linguae[10].
PERGUNTA — Papa Francisco, há uma coisa que me chama a atenção. Alguns de seus conhecidos de quando vivia na Argentina dizem que o senhor era conservador, para continuar a usar categorias, digamos, na doutrina.
RESPOSTA — Sou conservador [sic].
PERGUNTA – O senhor fez toda uma batalha acerca do casamento entre pessoas do mesmo sexo, na Argentina. E, depois, eles dizem, que veio aqui, foi eleito Papa e, agora, parece muito mais liberal do que o era na Argentina. Reconhece-se nesta descrição que fazem algumas pessoas que o conheceram antes, ou foi a graça do Espírito Santo que lhe deu algo mais? (Ri)
RESPOSTA — A graça do Espírito Santo existe, claro. Eu sempre defendi a doutrina. E é curioso, na lei sobre o casamento homossexual... É uma incongruência falar de casamento homossexual.
PERGUNTA — Então não é verdade que antes o senhor era uma coisa e agora é outra.
RESPOSTA — Não, antes eu era uma coisa e agora sou outra, é verdade.
PERGUNTA — Sim, porque agora é o Papa.
RESPOSTA — Não, porque confio no fato de que cresci um pouco, que me santifiquei [sic] um pouco mais. Muda-se na vida. Que eu tenha ampliado os critérios, pode ser; que, vendo os problemas mundiais, tive mais consciência de certas coisas do que tinha antes. Não. Creio que nesse sentido houve mudanças, sim. Mas, conservador... Sou ambas as coisas.
PERGUNTA – Seria ambas as coisas, então?
RESPOSTA — E sim. Na Argentina, andava pelas “villas”; em uma “villa”, por exemplo, pararia meu coração. E, depois, me preocupava também que a catequese fosse séria. Não sei, um pouco... uma mistura.
PERGUNTA — É muito difícil enquadrar pessoas em categorias.
RESPOSTA — É verdade[11].
[...]
PERGUNTA — Tem-se a impressão de que existe um paradoxo entre o senhor, que, de toda forma, goza de grande popularidade — as pessoas gostam muito de ser tão próximo, gostam de sua humanidade, o fato de que seja uma pessoa tão espontânea — e uma Igreja que vive uma crise. Portanto, pareceria haver uma contradição[12] entre uma Igreja em crise e um Papa que goza de popularidade. Como se vive tudo isso?
RESPOSTA — Bem, até o Papa atravessa crises[13]. Falemos sobre uma dessas. Eu também. E também a Igreja vive momentos de popularidade[14]. Creio que a Igreja esteja mudando, o demonstram as tentativas de reforma que estamos fazendo, que estão sendo feitas, que não são mérito meu[15]. Isso foi pedido por todos os cardeais ao Papa que estava prestes a ser eleito. Ou seja, aquele que estava lá, que estava prestes a se tornar Papa, ouviu tudo. E, no meu caso, não faço nada além do que colocar em movimento o que eles me pediram, isto é, estar ciente dessas crises da Igreja. Mas as crises também são de “crescimento”; para mim, é uma “crise de crescimento”, onde é preciso ajustar certas coisas, promover outras e avançar nesse aspecto. Isto não o vejo como contraposição, porque há pessoas mais populares do que eu na Igreja[16], e pastores populares muito amados pelo povo. E eu vi isso na minha pátria e em outros lugares. Até aqui na Itália. O exemplo é o novo bispo de Lucca, [Paolo] Giulietti: “Entrarei caminhando na minha diocese”. Um pouco semidesportivo, claro, as pessoas viram “este novo pastor não vem em uma limusine, já todo bem vestido”. E o povo foi se reunindo ao seu redor, e havia cerca de 2300 jovens com ele. Chegando à catedral, antes de entrar, ele veste a casula, veste-se de bispo e entra com o seu povo. É fantástico! Esta não é uma Igreja em crise, é uma Igreja em crescimento![17] E é apenas o último exemplo noticiado nos jornais. E há tantos... Quando vemos esses homens e estas mulheres sepultados em países distantes que consomem suas vidas lá... A freirinha dos três mil partos que encontrei na República Centro-Africana[18]... Isso é a força. O que está em crise são as “modalidades que formam a Igreja”, que devem cair[19]. Precisamos estar cientes disso. O Estado da Cidade do Vaticano como forma de governo, a Cúria, o que ela é, é a última Corte europeia de uma monarquia absoluta. A última. As outras já são monarquias constitucionais[20]. A Corte deve ser diluída. Aqui, ainda existem estruturas de Corte, que são aquilo que deve cair.
PERGUNTA — Com sua reforma, se tem a sensação que já estamos para...
RESPOSTA — Não é minha reforma...
PERGUNTA — Sim, mas o senhor a presidiu...
RESPOSTA — Mas a pediram os cardeais[21]. Essa é a realidade.
PERGUNTA – O senhor teve que levá-la adiante...
RESPOSTA — Sim, a levamos adiante como pudemos. É uma reforma que estamos levando adiante, buscando “dividir os acordos” [sic]. As pessoas têm vontade de reformar. Por exemplo, o palácio de Castel Gandolfo, que nos vem de um imperador romano, restaurado no Renascimento, hoje não é mais um palácio pontifício: hoje é um museu, é todo um museu. E, assim, o próximo Papa[22], se ele quiser passar o verão lá, e tem o direito, há dois palácios, poderá ir em qualquer um desses. É bem cuidado. Mas este é um museu. Muda-se... A Corte se transferia toda para Castel Gandolfo porque são hábitos, costumes antigos, que podem ser reformados. O Papa deve sair de férias, obviamente! Bem, João Paulo II ia esquiar. Bento XVI costumava caminhar nas montanhas... O Papa é uma pessoa, uma pessoa humana. Mas o esquema da Corte deve desaparecer. E isto foi pedido por todos os cardeais; bom, a maioria deles, graças a Deus.
[...]
PERGUNTA — Ainda não falamos dos grandes temas do diálogo inter-religioso e da geopolítica, que claramente são uma parte muito importante do seu pontificado. E no último ano creio tenha estado particularmente evidente a sua aproximação ao mundo do Islã, com momentos muito importantes: a primeira viagem de um Papa aos Emirados, a assinatura do documento sobre a “fraternidade humana”. Qual é a sua estratégia em relação ao Islã, o tem como uma prioridade neste momento?
RESPOSTA — Penso que sim. Quando vou aos bairros aqui em Roma, nas paróquias alguns me dizem: “Sou muçulmano, sou muçulmana”, mas as mulheres com o véu[23] vêm, de qualquer maneira, me cumprimentar. Ou seja, o Islã entrou novamente na Europa, somos realistas. O Islã é uma realidade que não podemos ignorar[24]. Em alguns países africanos, os islâmicos e os cristãos vivem como amigos, são muito amigos. Um bispo nos disse que, durante o Jubileu, na catedral havia sempre uma longa fila de pessoas, desde a manhã até a noite. Alguns iam se confessar [sic], outros ficavam rezando [sic]. A maioria parava diante do altar da Virgem. Eram todos islâmicos! Um dia o bispo disse: “Mas vocês são muçulmanos, o que vocês vêm fazer aqui?”. “Queremos obter o jubileu nós também”[25]. Iam ao altar da Virgem. Creio que somos irmãos [sic], viemos todos de Abraão[sic], e neste ponto sigo as linhas do Concílio: estender a mão aos judeus, aos islâmicos, estender a mão o máximo possível. Claro que o Islã é ferido gravemente por grupos extremistas, intransigentes, fundamentalistas. Também nós cristãos temos grupos fundamentalistas[26], pequenos grupos fundamentalistas, que não são guerrilheiros, obviamente. Mas existem. Devemos ajudá-los[27] estando próximos deles, para que mostrem o melhor que têm, que certamente não é a guerrilha.
A imagem Ecce Homo, de Quentin Massys, é para representar Francisco como Pilatos e a "sua" verdade. A Verdade é Cristo, é imutável e não pode conter erros.
NOTAS:
1. Na verdade, foi o contrário: www.catolicismoromano.com.br/papa-francisco-telefona-para-mulher-divorciada-na-argentina.
2. Aqui, ele queria dizer “dever”, porque pais católicos não querem nem têm esse “direito”, nem podem ser obrigados, e por maior razão por um papa.
3. Linguagem moderna, que PRECISA individuar os sexos, porque seria um “desrespeito” às mulheres englobá-las no masculino...
4. E que profissional trataria desse problema? Um jardineiro?... Curioso que, aqui, ele reconhece que é um problema, que não é normal, mas depois...
5. É verdade, sim, ele disse isso mesmo.
6. Vamos ouvir o próprio Francisco, e ver se realmente falou do catecismo ou não. Em que contexto se deu a frase: https://youtu.be/MK7582oMmgU.
7. Não, o CVII mudou a doutrina. Francisco também, em muitos campos e em muitos temas.
8. Não é verdade. Santo Tomás de Aquino apoiava-se na doutrina católico íntegra. Certamente, hoje levantaria sua voz contra o CVII.
9. Ateu. Custa a dizer o nome?...
10. E como isso pode ser uma “defesa”?...
11. Para quem não gosta de rotular (gays, “irregulares”, divorciados, pecadores, hereges...), Francisco rotula muito facilmente quem é fiel à Doutrina Católica de sempre.
12. Não há contradição entre a crise da Igreja e o Papa que a mantém em crise.
13. Tira o foco do que importa, relativizando a crise. Da crise doutrinária e moral da Igreja passa às crises corriqueiras do homem comum, as vicissitudes da vida.
14. A Igreja adaptada ao mundo, a Igreja do CVII.
15. Esta súbita humildade não é humildade, mas prepara o terreno para os absurdos que dirá a seguir, sobre a democracia na Igreja.
16. O raciocínio lógico dele é “impressionante”. Compara alhos com bugalhos. A jornalista falou em “contradição” entre a crise da Igreja e a popularidade dele, e ele diz que não há porque não é somente ele que é popular na Igreja. Percebem os alhos com os bugalhos? Ele tira totalmente o foco da CRISE para dar foco à falsa humildade dele e propagandear a falsa humildade de outros, como desse bispo que resolveu ir a pé, ao invés de “limusine” (e porque não um veículo comum? Toda diocese tem uma limusine à disposição?) até a igreja onde se fantasiou de bispo fora dela, como se a cerimônia de vestição tradicional fosse um exagero nada cristão. De asco.
17. Bingo! Aqui está o malabarismo que Francisco faz com ideias e palavras, para apagar de vez a CRISE e falar de números, de quantidade. Uma Igreja que não ensina, mas aprende, que não fala em Dogmas, mas acolhe, que não cobra catecismo, mas dialoga... é uma Igreja feita à medida do homem moderno, à medida do mundo.
18. A freira obstetra Maria Concetta Seu, chamada de Mamã Maria, da Congregação das Filhas de São José de Genoni, as Josefinas, tem 85 anos de idade e é missionária na República Democrática do Congo há quase 60 anos, onde viveu guerras e perseguições: www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/internacional/2019/2/13/Italia-Papa-Francisco-entrega-medalha-freira-por-realizar-tres-mil-partos,ccf83a2b-4367-4080-99cb-1f6d29852f8d.html.
19. Atenção a mais uma declaração bergogliana. Essas modalidades de que fala são a forma de governo do Estado do Vaticano, uma Monarquia absoluta, que, segundo ele, precisa acabar, porque anacrônica, porque diferente das outras Monarquias – colocando a Monarquia Divina no mesmo pé de igualdade que as monarquias humanas – porque é um exagero aos olhos humanos que a veem para si, não para Deus. A Corte serve ao Papa como representante do Deus vivo na Terra. Francisco não se vê assim. Ele é mais um conselheiro “espiritual”. E tem mais, não me surpreenderia se ele mudasse o CDC para que o Papa seja eleito, no futuro, por voto direto de todos os fiéis, e quiçá de qualquer um, visto que a Comunhão foi liberada a todos. Ele, no fundo, pretende destruir a Fé Católica que ainda subsiste nas almas que ainda frequentam os templos conciliares acreditando piamente serem católicos.
20. Bingo, de novo. Teremos eleições...
21. Chega a ser pedante a insistência dele de eximir-se das responsabilidades. Obviamente, ele fala aqui da colegialidade, da democracia na Igreja, da vontade da maioria, antes da vontade de Deus.
22. Não ele, porque ele é “humilde”, “simples”, quase um miserável morador de rua. Ironia nossa.
23. O véu discriminador e opressor do Islã é respeitado por Francisco e sua entourage. Os véus católicos são banidos, vistos com ojeriza, apontados com horror.
24. Errados foram os grandes Papas, alguns Santos, que combateram até o limite do impossível, a essa praga herética, contando inclusive com o auxílio da Virgem Maria. Para Francisco, errados os Papas, errados os Príncipes Católicos e errada a Virgem Maria.
25. Pobres almas! Ao invés de lhes dar a Verdade, e, portanto, a salvação, o bispo os manteve prisioneiros dessa heresia já condenada pela Igreja. Que absolvição obtiveram? Que jubileu? Que salvação?...
26. Não podia faltar o ataque aos tradicionalistas.
27. Refere-se aos islâmicos.
FRANCISCO E A SUA IDEIA DE IGREJA
Ecce Homo Quentin Massys |
PERGUNTA — Talvez haja um outro tema que atrai a atenção e que creio seria bom explicar. É o seu relacionar-se com as pessoas que vivem situações que costumavam ser chamadas de “irregulares”, digamos assim. Vou lhe dar um exemplo. Quando o senhor recebeu em Santa Marta um transexual espanhol com seu companheiro, é claro que aquelas pessoas saíram de Santa Marta dizendo que o senhor os abraçou, os abençoou, que lhes disse que Deus as ama. Em seguida, uma mulher argentina divorciada telefonou para o senhor[1] e depois relatou: “O Papa me disse que eu posso comungar”. É claro, os fiéis, em um caso e no outro, vão até os sacerdotes e dizem: “o Papa me disse que está tudo bem e que posso comungar”. E os sacerdotes põem as mãos na cabeça e dizem: “E agora, o que eu faço?”, porque a doutrina não mudou. Então, como o senhor lida com essa situação?
RESPOSTA — Às vezes as pessoas, por causa do entusiasmo de serem recebidas, dizem mais do que o Papa disse, não nos esqueçamos.
PERGUNTA — É um risco que o senhor corre...
RESPOSTA — Claro, um risco. Mas todos são filhos de Deus, todos somos filhos de Deus. E eu não posso descartar ninguém. Se eu tenho que tomar cuidado com aqueles que jogam sujo, com quem me arma uma armadilha, sim, tenho que tomar cuidado. Mas descartar, não. Nem posso dizer a uma pessoa que sua conduta está em sintonia com o que a Igreja quer, não posso fazer isso. Mas devo dizer-lhe a verdade: “Você é filho de Deus, e Deus o ama; agora, resolva-se com Deus”. Eu não tenho o direito de dizer a ninguém que não é filho de Deus, porque não seria a verdade. E não posso dizer a ninguém que Deus não o ama, porque Deus ama a todos, amou até mesmo Judas. Claro, estes são casos limítrofes. O que eu disse àquela senhora, não me lembro bem, mas seguramente devo ter lhe dito: “Veja, em Amoris laetitia há o que você deve fazer. Fale com um sacerdote, e com ele procure...”.
PERGUNTA — Um caminho...
R. – Um caminho, abro um caminho. Mas presto muita atenção em não dizer “você pode fazer ou não a comunhão” a doze mil quilômetros de distância, seria um ato de irresponsabilidade. E, também, seria cair na casuística: posso ou não posso, algo que não aceito. É um processo de integração na Igreja. Se todos nós pensássemos que as pessoas que estão em “situações irregulares”... Não o façamos, não gosto disso.
PERGUNTA — Sim, é uma palavra que o senhor detesta, e eu também, mas para nos entendermos...
RESPOSTA — Se nos convencêssemos que são filhos de Deus, a coisa mudaria bastante. Me fizeram uma pergunta durante o voo — depois fiquei bravo, fiquei bravo porque um jornal a noticiou — sobre a integração familiar de pessoas com orientação homossexual. Eu disse: as pessoas homossexuais têm o direito de estar na família, as pessoas com orientação homossexual têm o direito de estar na família, e os pais têm o direito[2] de reconhecer aquele filho como homossexual, aquela filha como homossexual[3], não se pode expulsar ninguém da família nem tornar a sua vida impossível. Outra coisa que eu disse é: quando se vê algum sinal nos filhos que estão crescendo, é preciso mandá-los... eu deveria ter dito a um “profissional” e, em vez disso, me escapou “psiquiatra”[4]. Título desse jornal: “O Papa manda os homossexuais ao psiquiatra”. Não é verdade![5] Me fizeram novamente a mesma pergunta e repeti: são filhos de Deus, têm o direito a uma família, e basta. E expliquei: eu errei em usar aquela palavra, mas queria dizer isso. Quando notarem algo de estranho (no que eu digo), não, não de estranho, algo fora do comum, não tomem essa palavrinha para anular o contexto. O que ele diz é: tem direito a uma família. E isso não significa aprovar os atos homossexuais, longe disso.
PERGUNTA — Sabe que isso acontece, que o senhor muitas vezes se afasta do contexto, é também um vício da imprensa. Quando o senhor disse em sua primeira viagem aquela famosíssima frase: “quem sou eu para julgar”[6], o senhor antes havia dito: “já sabemos o que diz o catecismo”. O que acontece é que essa primeira parte não é lembrada, só lembram do “quem sou eu para julgar”. Então, isso também gerou muitas expectativas na comunidade homossexual mundial, porque pensaram que o senhor avançaria no tema.
RESPOSTA — Sim, fiz declarações como esta da família para avançar no tema. A doutrina é a mesma[7], a dos divorciados foi readaptada [sic], seguindo, no entanto, a linha do Amoris laetitia, no capítulo oitavo, que é recuperar a doutrina de Santo Tomás[8], não a casuística.
PERGUNTA – É esse o problema que às vezes se cria.
RESPOSTA — E é estranho, me disseram que foi uma pessoa não-crente[9] que me defendeu. Disse algo nunca antes ouvido, que a frase “ver um psiquiatra” era um lapsus linguae[10].
PERGUNTA — Papa Francisco, há uma coisa que me chama a atenção. Alguns de seus conhecidos de quando vivia na Argentina dizem que o senhor era conservador, para continuar a usar categorias, digamos, na doutrina.
RESPOSTA — Sou conservador [sic].
PERGUNTA – O senhor fez toda uma batalha acerca do casamento entre pessoas do mesmo sexo, na Argentina. E, depois, eles dizem, que veio aqui, foi eleito Papa e, agora, parece muito mais liberal do que o era na Argentina. Reconhece-se nesta descrição que fazem algumas pessoas que o conheceram antes, ou foi a graça do Espírito Santo que lhe deu algo mais? (Ri)
RESPOSTA — A graça do Espírito Santo existe, claro. Eu sempre defendi a doutrina. E é curioso, na lei sobre o casamento homossexual... É uma incongruência falar de casamento homossexual.
PERGUNTA — Então não é verdade que antes o senhor era uma coisa e agora é outra.
RESPOSTA — Não, antes eu era uma coisa e agora sou outra, é verdade.
PERGUNTA — Sim, porque agora é o Papa.
RESPOSTA — Não, porque confio no fato de que cresci um pouco, que me santifiquei [sic] um pouco mais. Muda-se na vida. Que eu tenha ampliado os critérios, pode ser; que, vendo os problemas mundiais, tive mais consciência de certas coisas do que tinha antes. Não. Creio que nesse sentido houve mudanças, sim. Mas, conservador... Sou ambas as coisas.
PERGUNTA – Seria ambas as coisas, então?
RESPOSTA — E sim. Na Argentina, andava pelas “villas”; em uma “villa”, por exemplo, pararia meu coração. E, depois, me preocupava também que a catequese fosse séria. Não sei, um pouco... uma mistura.
PERGUNTA — É muito difícil enquadrar pessoas em categorias.
RESPOSTA — É verdade[11].
[...]
PERGUNTA — Tem-se a impressão de que existe um paradoxo entre o senhor, que, de toda forma, goza de grande popularidade — as pessoas gostam muito de ser tão próximo, gostam de sua humanidade, o fato de que seja uma pessoa tão espontânea — e uma Igreja que vive uma crise. Portanto, pareceria haver uma contradição[12] entre uma Igreja em crise e um Papa que goza de popularidade. Como se vive tudo isso?
RESPOSTA — Bem, até o Papa atravessa crises[13]. Falemos sobre uma dessas. Eu também. E também a Igreja vive momentos de popularidade[14]. Creio que a Igreja esteja mudando, o demonstram as tentativas de reforma que estamos fazendo, que estão sendo feitas, que não são mérito meu[15]. Isso foi pedido por todos os cardeais ao Papa que estava prestes a ser eleito. Ou seja, aquele que estava lá, que estava prestes a se tornar Papa, ouviu tudo. E, no meu caso, não faço nada além do que colocar em movimento o que eles me pediram, isto é, estar ciente dessas crises da Igreja. Mas as crises também são de “crescimento”; para mim, é uma “crise de crescimento”, onde é preciso ajustar certas coisas, promover outras e avançar nesse aspecto. Isto não o vejo como contraposição, porque há pessoas mais populares do que eu na Igreja[16], e pastores populares muito amados pelo povo. E eu vi isso na minha pátria e em outros lugares. Até aqui na Itália. O exemplo é o novo bispo de Lucca, [Paolo] Giulietti: “Entrarei caminhando na minha diocese”. Um pouco semidesportivo, claro, as pessoas viram “este novo pastor não vem em uma limusine, já todo bem vestido”. E o povo foi se reunindo ao seu redor, e havia cerca de 2300 jovens com ele. Chegando à catedral, antes de entrar, ele veste a casula, veste-se de bispo e entra com o seu povo. É fantástico! Esta não é uma Igreja em crise, é uma Igreja em crescimento![17] E é apenas o último exemplo noticiado nos jornais. E há tantos... Quando vemos esses homens e estas mulheres sepultados em países distantes que consomem suas vidas lá... A freirinha dos três mil partos que encontrei na República Centro-Africana[18]... Isso é a força. O que está em crise são as “modalidades que formam a Igreja”, que devem cair[19]. Precisamos estar cientes disso. O Estado da Cidade do Vaticano como forma de governo, a Cúria, o que ela é, é a última Corte europeia de uma monarquia absoluta. A última. As outras já são monarquias constitucionais[20]. A Corte deve ser diluída. Aqui, ainda existem estruturas de Corte, que são aquilo que deve cair.
PERGUNTA — Com sua reforma, se tem a sensação que já estamos para...
RESPOSTA — Não é minha reforma...
PERGUNTA — Sim, mas o senhor a presidiu...
RESPOSTA — Mas a pediram os cardeais[21]. Essa é a realidade.
PERGUNTA – O senhor teve que levá-la adiante...
RESPOSTA — Sim, a levamos adiante como pudemos. É uma reforma que estamos levando adiante, buscando “dividir os acordos” [sic]. As pessoas têm vontade de reformar. Por exemplo, o palácio de Castel Gandolfo, que nos vem de um imperador romano, restaurado no Renascimento, hoje não é mais um palácio pontifício: hoje é um museu, é todo um museu. E, assim, o próximo Papa[22], se ele quiser passar o verão lá, e tem o direito, há dois palácios, poderá ir em qualquer um desses. É bem cuidado. Mas este é um museu. Muda-se... A Corte se transferia toda para Castel Gandolfo porque são hábitos, costumes antigos, que podem ser reformados. O Papa deve sair de férias, obviamente! Bem, João Paulo II ia esquiar. Bento XVI costumava caminhar nas montanhas... O Papa é uma pessoa, uma pessoa humana. Mas o esquema da Corte deve desaparecer. E isto foi pedido por todos os cardeais; bom, a maioria deles, graças a Deus.
[...]
PERGUNTA — Ainda não falamos dos grandes temas do diálogo inter-religioso e da geopolítica, que claramente são uma parte muito importante do seu pontificado. E no último ano creio tenha estado particularmente evidente a sua aproximação ao mundo do Islã, com momentos muito importantes: a primeira viagem de um Papa aos Emirados, a assinatura do documento sobre a “fraternidade humana”. Qual é a sua estratégia em relação ao Islã, o tem como uma prioridade neste momento?
RESPOSTA — Penso que sim. Quando vou aos bairros aqui em Roma, nas paróquias alguns me dizem: “Sou muçulmano, sou muçulmana”, mas as mulheres com o véu[23] vêm, de qualquer maneira, me cumprimentar. Ou seja, o Islã entrou novamente na Europa, somos realistas. O Islã é uma realidade que não podemos ignorar[24]. Em alguns países africanos, os islâmicos e os cristãos vivem como amigos, são muito amigos. Um bispo nos disse que, durante o Jubileu, na catedral havia sempre uma longa fila de pessoas, desde a manhã até a noite. Alguns iam se confessar [sic], outros ficavam rezando [sic]. A maioria parava diante do altar da Virgem. Eram todos islâmicos! Um dia o bispo disse: “Mas vocês são muçulmanos, o que vocês vêm fazer aqui?”. “Queremos obter o jubileu nós também”[25]. Iam ao altar da Virgem. Creio que somos irmãos [sic], viemos todos de Abraão[sic], e neste ponto sigo as linhas do Concílio: estender a mão aos judeus, aos islâmicos, estender a mão o máximo possível. Claro que o Islã é ferido gravemente por grupos extremistas, intransigentes, fundamentalistas. Também nós cristãos temos grupos fundamentalistas[26], pequenos grupos fundamentalistas, que não são guerrilheiros, obviamente. Mas existem. Devemos ajudá-los[27] estando próximos deles, para que mostrem o melhor que têm, que certamente não é a guerrilha.
Papa Francisco, se ser fiel à Tradição bimilenar da Igreja é ser fundamentalista, eu não tenho outra opção que ser fundamentalista. Minha guerrilha é a difusão da doutrina católica, a propagação da Verdade.
A imagem Ecce Homo, de Quentin Massys, é para representar Francisco como Pilatos e a "sua" verdade. A Verdade é Cristo, é imutável e não pode conter erros.
NOTAS:
1. Na verdade, foi o contrário: www.catolicismoromano.com.br/papa-francisco-telefona-para-mulher-divorciada-na-argentina.
2. Aqui, ele queria dizer “dever”, porque pais católicos não querem nem têm esse “direito”, nem podem ser obrigados, e por maior razão por um papa.
3. Linguagem moderna, que PRECISA individuar os sexos, porque seria um “desrespeito” às mulheres englobá-las no masculino...
4. E que profissional trataria desse problema? Um jardineiro?... Curioso que, aqui, ele reconhece que é um problema, que não é normal, mas depois...
5. É verdade, sim, ele disse isso mesmo.
6. Vamos ouvir o próprio Francisco, e ver se realmente falou do catecismo ou não. Em que contexto se deu a frase: https://youtu.be/MK7582oMmgU.
7. Não, o CVII mudou a doutrina. Francisco também, em muitos campos e em muitos temas.
8. Não é verdade. Santo Tomás de Aquino apoiava-se na doutrina católico íntegra. Certamente, hoje levantaria sua voz contra o CVII.
9. Ateu. Custa a dizer o nome?...
10. E como isso pode ser uma “defesa”?...
11. Para quem não gosta de rotular (gays, “irregulares”, divorciados, pecadores, hereges...), Francisco rotula muito facilmente quem é fiel à Doutrina Católica de sempre.
12. Não há contradição entre a crise da Igreja e o Papa que a mantém em crise.
13. Tira o foco do que importa, relativizando a crise. Da crise doutrinária e moral da Igreja passa às crises corriqueiras do homem comum, as vicissitudes da vida.
14. A Igreja adaptada ao mundo, a Igreja do CVII.
15. Esta súbita humildade não é humildade, mas prepara o terreno para os absurdos que dirá a seguir, sobre a democracia na Igreja.
16. O raciocínio lógico dele é “impressionante”. Compara alhos com bugalhos. A jornalista falou em “contradição” entre a crise da Igreja e a popularidade dele, e ele diz que não há porque não é somente ele que é popular na Igreja. Percebem os alhos com os bugalhos? Ele tira totalmente o foco da CRISE para dar foco à falsa humildade dele e propagandear a falsa humildade de outros, como desse bispo que resolveu ir a pé, ao invés de “limusine” (e porque não um veículo comum? Toda diocese tem uma limusine à disposição?) até a igreja onde se fantasiou de bispo fora dela, como se a cerimônia de vestição tradicional fosse um exagero nada cristão. De asco.
17. Bingo! Aqui está o malabarismo que Francisco faz com ideias e palavras, para apagar de vez a CRISE e falar de números, de quantidade. Uma Igreja que não ensina, mas aprende, que não fala em Dogmas, mas acolhe, que não cobra catecismo, mas dialoga... é uma Igreja feita à medida do homem moderno, à medida do mundo.
18. A freira obstetra Maria Concetta Seu, chamada de Mamã Maria, da Congregação das Filhas de São José de Genoni, as Josefinas, tem 85 anos de idade e é missionária na República Democrática do Congo há quase 60 anos, onde viveu guerras e perseguições: www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/internacional/2019/2/13/Italia-Papa-Francisco-entrega-medalha-freira-por-realizar-tres-mil-partos,ccf83a2b-4367-4080-99cb-1f6d29852f8d.html.
19. Atenção a mais uma declaração bergogliana. Essas modalidades de que fala são a forma de governo do Estado do Vaticano, uma Monarquia absoluta, que, segundo ele, precisa acabar, porque anacrônica, porque diferente das outras Monarquias – colocando a Monarquia Divina no mesmo pé de igualdade que as monarquias humanas – porque é um exagero aos olhos humanos que a veem para si, não para Deus. A Corte serve ao Papa como representante do Deus vivo na Terra. Francisco não se vê assim. Ele é mais um conselheiro “espiritual”. E tem mais, não me surpreenderia se ele mudasse o CDC para que o Papa seja eleito, no futuro, por voto direto de todos os fiéis, e quiçá de qualquer um, visto que a Comunhão foi liberada a todos. Ele, no fundo, pretende destruir a Fé Católica que ainda subsiste nas almas que ainda frequentam os templos conciliares acreditando piamente serem católicos.
20. Bingo, de novo. Teremos eleições...
21. Chega a ser pedante a insistência dele de eximir-se das responsabilidades. Obviamente, ele fala aqui da colegialidade, da democracia na Igreja, da vontade da maioria, antes da vontade de Deus.
22. Não ele, porque ele é “humilde”, “simples”, quase um miserável morador de rua. Ironia nossa.
23. O véu discriminador e opressor do Islã é respeitado por Francisco e sua entourage. Os véus católicos são banidos, vistos com ojeriza, apontados com horror.
24. Errados foram os grandes Papas, alguns Santos, que combateram até o limite do impossível, a essa praga herética, contando inclusive com o auxílio da Virgem Maria. Para Francisco, errados os Papas, errados os Príncipes Católicos e errada a Virgem Maria.
25. Pobres almas! Ao invés de lhes dar a Verdade, e, portanto, a salvação, o bispo os manteve prisioneiros dessa heresia já condenada pela Igreja. Que absolvição obtiveram? Que jubileu? Que salvação?...
26. Não podia faltar o ataque aos tradicionalistas.
27. Refere-se aos islâmicos.
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