Vida de São Gaspar Del Bufalo
A nobre família romana Del Bufalo, é alegrada, em 6 de janeiro de 1786, com o nascimento de um filho que é batizado — em honra da solenidade da Epifania — com o nome de Gaspar Baltasar Melquior. Dedicado desde criança à oração e à penitência, Gaspar frequentou o Colégio Romano[1], então confiado ao clero secular, após a extinção da Companhia de Jesus. Contudo, desde que o pai, um nobre decaído, se tornara cozinheiro no Palácio Altieri[2], em frente à Igreja do Jesus[3], Gaspar aprendeu a conhecer e a venerar São Francisco Xavier, a quem atribui uma cura milagrosa obtida na juventude e que virá a ser o padroeiro da Congregação que irá fundar.
Entre os “barozzari”
Em 1798, Gaspar veste a batina e passa a tratar da assistência espiritual e material dos necessitados de Roma. Destaca-se, em particular, pelo empenho no trabalho de catequese, que organiza no oratório da Igreja de Nossa Senhora do Pranto[4], onde se dedica de modo particular a explicar a doutrina aos “barozzari”, os carreteiros que vinham do campo para trazer o feno para o Campo Vaccino[5], como era chamado na época o Foro Romano[6]. Encarrega-se também de preparar um grupo de jovens para ensinar catequese e os envia para atuarem junto aos pobres, fazendo renascer a “Obra de Santa Galla”[7].
Em 31 de julho de 1808, finalmente é ordenado sacerdote e intensifica seu apostolado entre os mais pobres, transformando, entre tantas ações, a igrejinha de Santa Maria in Vincis[8], perto da Rocha Tarpeia[9], em um oratório, um próspero centro de piedade.
“Não devo, não posso, não quero”
No tempo de Gaspar, Roma e os Estados Pontifícios haviam sido ocupados por tropas napoleônicas. Na noite de 5 para 6 de julho de 1809, a situação piorou, e o Papa Pio VII foi preso e deportado. Napoleão obrigou os bispos e párocos da Urbe a assinarem um juramento de lealdade ao novo regime. A 13 de Junho de 1810, o juramento também é foi imposto, mas ele se recusa, pronunciando, à imitação do Pontífice, as célebres palavras: “Não devo, não posso, não quero”[10]. Elel é imediatamente preso e levado para o exílio. Cumprirá sua pena nas prisões de Piacenza, Bolonha, Ímola, Lugo (perto de Ravenna) e Florença, durante quatro anos. Retornará a Roma apenas em 1814.
S. Gaspar, um “terremoto espiritual”
Em 15 de agosto de 1815, Gaspar funda uma nova congregação chamada dos Missionários do Preciosíssimo Sangue, em cujas fileiras se inscreveram grandes nomes, entre os quais Giovanni Mastai Ferretti, o futuro Pio IX. Esta devoção é a da qual se sente mais próximo, intimamente ligada à devoção do Sagrado Coração de Jesus, e torna-se seu mais ardoroso apóstolo. Só o sangue derramado por Cristo para a redenção dos homens, de fato, é instrumento para a conversão dos pecadores. Pio VII percebe seu zelo e confia à sua congregação a tarefa de reevangelizar[11] e restaurar a fé nos territórios dos Estados Pontifícios. Na prática, pede que ele vá onde ninguém quer ir e lide com pessoas com quem ninguém quer lidar.
O “martelo dos sectários”
São principalmente duas as pragas que afligem Roma e que Gaspar e seus missionários têm que enfrentar: a maçonaria e o “brigantaggio”[12].
Contra as sociedades secretas, consideradas forjas de um perigoso secularismo ateu, suas habilidades como pregador alcançam picos impensados e atingem resultados inesperados: ele consegue levar de volta ao reto caminho lojas inteiras, e a trazer à tona um problema oculto, tanto que ganha o epíteto de “martelo dos sectários”.
Não menos eficaz é o seu trabalho junto às brigadas de criminosos: em missão na estrada entre Roma e Nápoles, armado apenas de um crucifixo e da misericórdia evangélica, Gaspar lhes fala, explica o sacrifício de sangue que Jesus fez pela salvação de toda a Humanidade, e, assim, aos poucos, consegue o que ninguém havia conseguido: tornar a cidade mais segura.
A morte e canonização do “Anjo de Paz”[13]
Em 1834, graças à colaboração de Maria De Mattias, que conhecera aos 17 anos, e fez emergir a sua vocação, Gaspar fundou o ramo feminino da congregação: as Irmãs Adoradoras do Preciosíssimo Sangue de Cristo, que hoje têm missões em todo o mundo, especialmente na Índia e na Tanzânia.
Três anos depois, em 28 de dezembro, Gaspar morre, assistido por S. Vicente Pallotti. Foi beatificado em 1904 por S. Pio X, e canonizado em 1954 por Pio XII.
Chamado pelos devotos de Anjo da Paz, Terremoto espiritual, Vítima da caridade, Gaspar inspirou a sua ação à de S. Francisco Xavier. É lembrado também como Pregador dos “brigantes”, ou seja, dos malfeitores, que converteu a Cristo com seus retumbantes sermões.
Santo taumaturgo
Lhe são atribuídos muitos milagres. Os dois necessários para a beatificação: a cura de um doente terminal de tuberculose que, ao pedir a sua intercessão, engoliu uma relíquia que lhe foi entregue pelo seu pároco, e foi curado. E a cura de uma doente que sofrera com uma peritonite aguda e purulenta e havia sido desenganada pelos médicos; ela conta que durante a noite lhe aparecera o Santo garantindo-lhe que se curaria, e, de fato, pela manhã estava curada. Os dois milagres necessários para a canonização: a cura de um jovem que contraíra broncopneumonia e meningite e estava no fim de sua vida. Um dia, ouvindo que passava uma procissão na frente de sua casa, pediu a intercessão do Santo e adormeceu; na manhã seguinte estava curado. Daí se vê a importância que têm as procissões, que vai muito além de um desfile-testemunho explícito de nossa Fé. E a cura de uma mulher com um tumor abdominal que não podia ser operado porque em estado muito avançado. Ela refere que durante a noite lhe apareceu o Santo e na manhã seguinte estava curada. Viva S. Gaspar Del Bufalo!!!
Oração ao Sangue de Jesus, de São Gaspar del Bufalo
Ó Sangue precioso do meu Senhor, que eu te bendiga eternamente.
Ó amor do meu Senhor, que se tornou chagado!
Quão longe estamos da conformidade à vossa vida.
Ó Sangue de Jesus Cristo, bálsamo de nossas almas, fonte de misericórdia, fazei que minha língua, empurpurada de sangue na cotidiana celebração da Missa, Vos abençoe agora e sempre.
Ó Senhor, quem não Vos e amará?
Quem não arderá de afeição por Vós?
As vossas Chagas, o vosso Sangue, os espinhos, a Cruz, em particular o Divino Sangue, derramado até à última gota, com que voz eloquente clama ao meu pobre coração!
Já que agonizaste e morreste por mim, para me salvar, eu darei, se necessário, até a minha vida para que chegue à posse bendita do Céu.
Ó Jesus, fostes feito redenção para nós.
Do vosso Lado aberto, arca de salvação, fornalha de caridade, saiu sangue e água, sinal dos sacramentos e da ternura do vosso amor, ó Cristo, que nos amaste e nos lavaste no vosso Sangue!
Notas:
1 Criado (1551) por S. Inácio de Loyola para cobrir todo o arco escolar, da escola infantil à universidade, para suprir a carência de escolas e melhor formar o clero, o Colégio foi alçado a universidade por Paulo IV (1556). Contando mais de dois mil alunos, Gregório XIII manda construir (1581), a sede do Arquiginásio Gregoriano (escolas infantis e médias) e a Universidade Gregoriana, com as cátedras de História Eclesiástica, Liturgia e Eloquência. Com a supressão dos Jesuítas (1773), a estrutura passa (1774) ao Pontifício Seminário Romano Maior, volta à Companhia (1824) e, de novo, ao clero secular (1848). Pio IX torna-o Pontifícia Universidade Gregoriana do Colégio Romano (1874) e Pontifícia Universidade Gregoriana (1873). Com a secularização da Universidade La Sapienza, absorve o curso de Direito Canônico. Pio IX lhe associa (1928) o Pontifício Instituto Bíblico e o Pontifício Instituto Oriental, dando vida ao Consorcium Gregorianum. Expulsas de sua sede, se dividem: (a) a universidade vai para a Praça da Pilotta, e são criadas (1932) as faculdades de Missiologia (Teologia das Missões) e História da Igreja e (1951) Ciências Sociais; e (b) as escolas médias e infantis vão para o Instituto Massimo e, depois, para o Complexo EUR. Entre os mestres, o Card. Roberto Belarmino, reitor à época do debate que culminou condenando a teoria copernicana. Foi palco dos debates (1611) entre Galileu e o celebre Pregador Pe. Paulo Segneri. (Cf. “Do Pequeno Número dos Eleitos”. S. Leonardo de Porto Maurício. Ed. Missões Cristo Rei, 2022.)
2 Palácio da família romana dos Altieri, que deu diversos filhos à Igreja, inclusive dois cardeais e um Papa, Clemente X.
3 Igreja-mãe dos Jesuítas, foi construída por S. Inácio de Loyola entre 1568 e 1580. Seu nome completo é Igreja do Santíssimo Nome de Jesus.
4 Construída entre 1608 e 1735, a igreja era dedicada, anteriormente, a “São Salvador dos Cacabariis” (referência à região, na qual viviam fabricantes de panelas e vasilhames de cobre); mudou de nome após um milagre ocorrido em 1546: houve uma contenda entre dois homens; um deles derrubou o outro ao chão e, com uma espada, o ameaçou. O que estava caído pediu e obteve clemência, mas, traiçoeiramente, tomou a espada e matou o desafeto. Nossa Senhora, pintada em um afresco bem diante da cena terrível, chorou ao ver um ato de amor transformado em ato de vilania e ódio. A efigie logo se transformou em objeto de culto e foi levada para o interior da igreja. Em 1604, a igreja foi demolida para ser construída uma nova e maior.
5 Em italiano, o “Campo do Gado”, a região do Foro Romano entre os séculos XVI e XVIII, onde se realizava o comércio do gado.
6 Localizado no centro de Roma, o Foro é uma praça retangular, circundada pelas ruínas de diversas importantes construções públicas. Era o centro da vida pública de Roma desde os primórdios.
7 A “Obra de Santa Galla” foi um benemérito hospício (locais que acolhiam os necessitados) romano dedicado às mais deferentes obras de assistência caritativa, da qual S. Gaspar se tornou, por um período, o diretor, a partir de 1806. Antes dele, outro gigante da caridade havia sido chamado a tal missão: S. João Batista de Rossi, cuja vida é uma boa sugestão de leitura.
8 Santa Maria in Vincis, conhecida também como Santa Maria de Guinizo e Santa Maria in Monte Caprino, era uma igreja de guilda (cooperativas profissionais: dos fabricantes de alguma coisa, dos comerciantes de determinado produto ou em geral etc.) de Roma que ficava localizada encosta do monte Capitolino. Era dedicada à Virgem Maria. Esta igreja, de história obscura e origem antiga, restaurada em diversas épocas, foi demolida em 1929 para permitir a abertura da Via del Teatro di Marcello. A primeira menção a esta igreja ocorreu em uma bula do antipapa Anacleto II (r. 1130-1138) e novamente em uma outra bula do papa Inocêncio IV, em 1252, o que indica que ela provavelmente foi construída no século XI.
9 Na Roma Antiga, era o local de execuções onde os traidores eram lançados para a morte, simbolizando sua expulsão da Urbe. O nome vem de uma vestal filha de um comandante romano que se deixou corromper com ouro pelo rei dos Sabinos, que descobriu assim uma forma de entrar em Roma para tomá-la. Foi o próprio rei quem a jogo da rocha ; é o preço que os traidores pagam. Há outras versões lendárias mais romantizadas em que a traição se deu por amor. A rocha foi usada depois para executar comumente os traidores de Roma.
10 Pio VII havia usado o plural majestatis por seu o Papa: “Non debemus, non possumus, non volumus”. Também Pio IX usou a fórmula na chamada Questão Romana, a controvérsia sobre o papel de Roma, capital do Reino e sede do Papado.
11 A tarefa de evangelizar novamente territórios que já haviam conhecido a Verdade e que, graças à atuação de hereges, liberais ou ateus, perderam o reto caminho. Infelizmente, revivemos estes tempos em que é preciso – e é mais difícil – catequizar novamente os batizados.
12 Brigantaggio é um termo italiano que se refere a um fenômeno de natureza criminal, fruto da atividade de quadrilhas de criminosos que infestavam áreas rurais ou estradas para roubo e homicídio. Entre os crimes particularmente violentos perpetrados por esses bandidos destacam-se o roubo, o homicídio, a escravatura, o estupro, bem como diversas formas de ameaças e perseguições. Embora o fenômeno tenha origens remotas e diga respeito a diferentes períodos históricos e territórios, na historiografia italiana esse termo geralmente se refere às gangues armadas atuantes na primeira década após a proclamação do Reino da Itália. O termo “brigante” geralmente descreve um criminoso. Frequentemente são definidos como “brigante”, em sentido pejorativo, combatentes e desordeiros em situações sociais e políticas particulares. A origem da palavra ainda não está clara e existem várias hipóteses sobre sua etimologia. Entre elas, no sentido de particípio presente, sua expressão original é “compor uma brigada”, ou seja, um grupo de várias pessoas que se reúne para cometer crimes violentos. Pode-se dizer que são "quadrilhas".
13 A verdadeira paz se promove com a Verdade.
Tradução: Giulia d’Amore para o blog Pale Ideas.
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