Nossa Senhora teria, supostamente, aparecido a uma “vidente” em dois momentos históricos distintos: primeiro em 1947 e depois em 1966.
Pierina Gilli, a suposta vidente, nasceu na cidade de Montichiari (Bréscia), aos 03 de agosto de 1911, filha de Pancrazio Gilli e Rosa Bartoli, um humilde casal de camponeses, uma família marcada pela pobreza. O pai morreu em 1918, consumido pelo cativeiro sofrido durante a Primeira Grande Guerra. A mãe se casou novamente para proteger seus filhos. Depois de ser assistente das crianças em uma creche municipal de Montichiari, e tendo recusado uma oferta de casamento, Pierina teve que desistir do sonho de entrar no convento das “Ancilas da Caridade”[1], por problemas de saúde, e foi trabalhar como empregada doméstica do Padre Giuseppe Brochini; depois, trabalhou como enfermeira no Hospital Civil de Desenzano del Garda.[2]
A jovem mantinha um diário onde anotava as experiências “místicas”: em particular as supostas visões e mensagens. Pelo diário, sabemos que os “encontros” com Maria Rosa Mística foram precedidos e preparados por outro “encontro”, com a fundadora das Ancilas, a então Beata Maria Crucificada Di Rosa.
Em 14 de abril de 1944, foi acolhida pelas Ancilas da Caridade, como postulante. Sete meses depois contraiu meningite e beirou a morte. Foi quando lhe teria aparecido a Beata Maria Crucificada Di Rosa, anunciando que ela se curaria, mas viria a ter outras provações.
Em 02 de novembro de 1946, Pierina, sempre segundo o diário dela, teve uma oclusão intestinal; e vinte dias depois, entre os dias 23 e 24 de novembro, a Beata Maria Crucificada lhe teria aparecido novamente, junto com a Virgem Maria, vestida de roxo, com um véu branco. A Virgem tinha os braços abertos, e em seu peito teria três espadas transpassando o coração.
Em 12 de março de 1947, após um colapso do coração resultante de cólicas renais, teria visto novamente a Beata Maria Crucificada, curando-se depois de oferecer seu sofrimento pelas pessoas consagradas.[3]
Em 1947, teriam começado as supostas aparições da Virgem como “Maria Rosa Mística”. O primeiro encontro teria ocorrido na sala do Hospital Civil de Montichiari, onde Pierina prestava seus serviços: em seu diário, a aparência de Maria é descrita como sendo a mesma do dia 02 de novembro de 1946. A Virgem teria dito: “Oração, sacrifício e penitência”. Em maio de 1947, a “mística” teria sofrido assédios diabólicos e tido uma visão do inferno.
Em 01 de julho de 1947, durante a recitação do Rosário, teria havido outra aparição da Virgem, sempre com três espadas fincadas no coração.
Em 13 de julho de 1947, teria ocorrido a primeira “grande” aparição: Maria apareceria junto com a Beata Maria Crucificada, dizendo: “Eu sou a Mãe de Jesus e a Mãe de todos vós”. Pierina alega ter visto as espadas no chão e, no peito da Virgem, teriam desabrochado, em seu lugar, três rosas: uma branca, uma vermelha e uma de ouro (não amarela!). A Virgem teria exortado a uma nova devoção: “Maria Rosa Mística”, em prol de todos os institutos religiosos e os sacerdotes. Teria, também, pedido que se homenageasse, como um dia mariano, o dia 13 de cada mês e, em particular, o dia 13 de julho, para expiar as ofensas feitas pelas almas consagradas.
Em 22 de outubro de 1947, durante uma reunião de oração, a imagem da Beata Maria Crucificada teria tomado vida e, do crucifixo em suas mãos, teriam caído gotas de sangue, que Pierina teria secado com o purificador do altar (SIC!!!).
As aparições subsequentes ocorreriam na Catedral de Montichiari:
Na primeira, em 16 de novembro de 1947, a Virgem teria pedido a Pierina para marcar com a língua uma cruz sobre quatro ladrilhos do pavimento; sobre essa cruz, a Virgem teria pousado, convidando-a à oração e à penitência, em reparação às ofensas dos homens a Deus.
Na aparição de 22 de novembro de 1947, a Virgem teria anunciado sua próxima visita ao meio-dia de 08 de dezembro de 1947, dia da Imaculada Concepção, para pedir a instituição da Hora da Graça.
Em 07 de dezembro de 1947, a Virgem teria aparecido novamente, acompanhada, desta vez, por Francisco e Jacinta, os dois pastorzinhos de Fátima, explicando que eles lhe fariam companhia em toda a sua tribulação. “Eles também sofreram, embora mais novos de ti”.
Vamos nos situar no tempo. É preciso lembrar que a supérstite dos pastorzinhos, Lúcia, se tornou freira e continuou tendo encontros, embora bastante esporádicos, com a Santíssima Mãe de Deus, e esses encontros foram registrados por ela, e são reconhecidos pela Igreja. Vejam que NUNCA a Irmã Lúcia disse que Nossa Senhora aparecera a esta “vidente” Pierina. Isso é, no mínimo, estranho, uma vez que Ela não teria motivos para esconder de Lúcia essas aparições, e que, ao contrário, dariam credibilidade à “vidente” Pierina... Não é? Fica o questionamento.
Em 08 de dezembro de 1947, a suposta Virgem teria reaparecido a Pierina, conforme havia anunciado, dizendo: “Eu sou a Conceição Imaculada — Nossa Senhora afirmara isso em Lourdes, à jovem Bernadete Soubirous, em 25 de março de 1858, para confirmar o Dogma definido por Pio IX, através da Bula Ineffabilis Deus, em 08 de dezembro de 1854. Qual a necessidade da Virgem se repeti-lo, se Ela nunca se repete nas aparições reconhecidas pela Igreja? —, sou Maria de Graça, Mãe do Divino Filho Jesus Cristo. Para minha vinda a Montichiari, gostaria de ser chamada de ‘Rosa Mística’…”. A Virgem também teria manifestado o desejo de ver instituída a Hora da Graça Universal, a ser celebrada todo dia 8 de dezembro, para obter graças e conversões; e teria pedido que se fizesse um portãozinho para custodiar os quatro ladrilhos já mencionados, e uma Imagem, que deveria retratá-la como “Rosa Mística”. Em seguida, Pierina teria visto, no peito da Virgem, sob uma luz fulgurante, o Seu Coração Imaculado; ao mesmo tempo, teriam ocorrido curas milagrosas na catedral: uma criança paralítica e uma mulher muda.[4]
Em 1948, Pierina foi interrogada pelas autoridades eclesiásticas, retirando-se, depois, em convento franciscano de Bréscia, sob a orientação espiritual do padre Giustino Carpin, mas sem ingressar na ordem. As supostas aparições foram poucas por um longo tempo, mas se intensificaram novamente em 1966. Segundo o testemunho de uma carismática[5] de Bréscia, Franca Dal Ri Cornado (1924-1993), que mais tarde que se tornaria amiga de Pierina, as aparições teriam sido retomadas como um sinal pedido pelo padre Giustino, diretor espiritual das duas, para verificar as locuções interiores que Franca teria recebido desde 1958. P. Giustino instou Franca a pedir, sem entrar em detalhes, uma graça ao Senhor, e a graça era precisamente que sua outra filha espiritual, Pierina, voltasse a encontrar a Virgem, a qual teria prometido voltar sem dizer quando.
E a Virgem teria reaparecido a Pierina em 17 de abril de 1966, um Domingo in Albis, junto a uma fonte de água localizada em Fontanelle, uma vila próxima a Montichiari, onde hoje existe o Santuário do Rosa Mística, dizendo: “O Meu divino Filho Jesus é todo amor. Ele me enviou para tornar essa fonte milagrosa. Como um sinal de penitência e purificação, dê um beijo neste degrau, depois desça alguns degraus, pare, e dê outro beijo e desça. Pela terceira vez, beije o degrau, e, neste último local, se coloque um crucifixo. Os doentes e todos os meus filhos, antes de tomar ou beber água, peçam perdão ao meu Filho divino... Agora sua missão será aqui, entre os doentes e necessitados”.
Na segunda aparição, em 13 de maio de 1966, aniversário da aparição da Virgem em Fátima, Maria teria comunicado a Pierina que a fonte deveria ser chamada a “Fonte da Graça”, convidando a humanidade à oração, ao sacrifício e à penitência para se salvar da ruína (inferno).
A terceira aparição ocorreria em 09 de junho de 1966, solenidade de “Corpus Domini”: a Virgem teria expressado o desejo de que uma parte do trigo dos campos circunstantes fosse transformada em “Pão Eucarístico”, a ser levado a Fátima no dia 13 de outubro. Também teria expressado o desejo de que o povo de Montichiari se consagrasse ao Seu Coração Imaculado.
Na quarta e última aparição de Fontanelle, em 06 de agosto de 1966, festa da Transfiguração de Jesus, a Virgem teria pedido a instituição da “União Mundial da Comunhão Reparadora”, a ser realizada em 13 de outubro. Além disso, teria recordado a sua função de mediadora entre seu Filho e a humanidade, acrescentando: “Eu escolhi este lugar de Montichiari porque, nos meus filhos que trabalham com a terra (agricultores), ainda há humildade, como se fosse uma pobre Belém”.
Pierina levou, a partir daí, uma vida muito retirada, e as aparições e mensagens teriam supostamente continuado. Na última alegada aparição, em 24 de março de 1983, Maria teria expressado o desejo de ver realizado, no local, um santuário com cinco cúpulas, e teria pedido para que fosse criada uma medalha de acordo com suas instruções. Em relação a Montichiari e Fontanelle, conversões e supostas curas milagrosas teriam continuado, acompanhadas por outros sinais sobrenaturais, como as maravilhas solares[6], como em Fátima. A necessidade de atrelar essas “aparições” a fatos históricos comprovados e reconhecidos pela Igreja é comum nas falsas vidências. Nas verdadeiras, isso nunca ocorreu.
AS AVALIAÇÕES DE DOM GIACINTO TREDICI, BISPO DA DIOCESE DE BRÉSCIA DE 1933 A 1964
Dom Giacinto sempre considerou NAO AUTÊNTICAS as supostas aparições marianas de Fontanelle e Montichiari. São duas as tomadas de posição mais importantes.
I. No semanário diocesano “La Voce del popolo”, de 04 de dezembro de 1948 publicou: “Após uma cuidadosa investigação realizada por sua ordem, S. E. Mons. Bispo acredita poder afirmar que a narração dos acontecimentos que teriam ocorrido em Montichiari nos últimos meses (...) deve ser considerada de NENHUM VALOR. Os fatos antecedentes, a que se refere o periódico ‘Famiglia Cristiana’ de 24 de outubro [1948], ainda estão sendo examinados. O Bispo ainda não pensa em se pronunciar. Portanto, de acordo com as normas dos cânones sagrados, NÃO DEVEM SER DIVULGADAS NOVAS DEVOÇÕES QUE SE REFIRAM A ELAS. Os sacerdotes, especialmente, devem obedecer a essas normas”[7].
II. Em uma carta a Mons. Giovanni Battista Bosio (eleito Arcebispo de Chieti-Vasto por Pio XII), de 14 de novembro de 1951, escreveu: “O sujeito [Pierina Gilli] e o ambiente CARECEM DE VALOR do ponto de vista das declarações feitas. Um ambiente SUPERAQUECIDO[8] e, devo dizer, TENDENCIOSO [...]. Assim sendo, eu, no domingo 4 de dezembro, em Montichiari, por ocasião da Visita Pastoral, disse publicamente, na igreja, que, tendo examinado bem as coisas, NÃO ENCONTREI MOTIVOS SUFICIENTES PARA TER POR PROVADAS E SOBRENATURAIS as revelações e aparições que alegam ter ocorrido, e que, por isso, PROIBIA qualquer manifestação de culto público que se referisse a elas”[9].
A POSIÇÃO DA IGREJA
Após o episcopado de Dom Giacinto Tredici, subsistem os seguintes pronunciamentos da Diocese de Bréscia:
I. 1975. “Mons. Bispo renova o firme convite aos fiéis e sacerdotes para que, na ACEITAÇÃO OBSEQUIOSA das decisões anteriores, saibam encontrar, em OUTROS santuários e lugares reconhecidos pela Igreja, a melhor forma de expressar a devoção devida e necessária à Mãe de Deus, segundo os conteúdos mais autênticos da fé e espiritualidade católicas”. (Comunicado de Mons. Luigi Morstabilini, de 25 de novembro de 1975).
II. 1984. “O Bispo de Bréscia, confortado pelo creditado parecer da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, comunica que:
a) as chamadas aparições de Nossa Senhora da Rosa Mística em Montichiari NÃO APRESENTAM MOTIVOS DE CREDIBILIDADE;
b) o culto a Nossa Senhora da Rosa Mística, portanto, NÃO É APROVADO e NÃO PODE SER PRATICADO OU INCENTIVADO;
c) quem insistir em favorecê-lo, distribuindo publicações ou organizando peregrinações, não ajuda, mas PERTURBA A FÉ DOS FIÉIS, INDUZINDO-OS A AGIR CONTRARIAMENTE ÀS DISPOSIÇÕES DA IGREJA”. (Declaração de Mons. Bruno Foresti, de 15 de outubro de 1984).
III. 1984. “O Bispo de Bréscia, tendo em conta os vários pedidos que são continuamente enviados a este respeito, tanto da Itália como do exterior, REAFIRMA o que já foi disposto por ele e por seu antecessor.” (Declaração de Mons. Bruno Foresti, de 19 de fevereiro de 1997).
IV. 2008. “Em modo particular aos indivíduos e grupos que até agora se dedicaram, mais ou menos diretamente, a promover o culto mariano na localidade de Fontanelle É EXPLICITAMENTE PEDIDO que respeitem todas as indicações do Diretório, que NÃO DIFUNDAM mensagens ou publicações, e NÃO PROMOVAM ATOS DE CULTO, NEM CRIEM ESTRUTURAS que possam, mesmo que indiretamente, induzir os fiéis a reputar que o juízo da Igreja sobre as chamadas aparições ou outros fenômenos extraordinários tenha sido mudado em sentido positivo.” (Juntado ao Decreto nº 229/08 de Mons. Luciano Monari, de 19.03.2008, no ponto 2).
O lugar de culto que, apesar da decisão da Igreja, havia sido construído em Fontanelle di Montichiari, se tornou o Santuário Diocesano Rosa Mística em 2019, sob o episcopado de mons. Pierantonio Tremolada (atual bispo), que decidiu DESOBEDECER ao juízo de Santa Romana Igreja e, como “bom” modernista, afirmou que, o fato de existir um santuário, não significava o automático reconhecimento das aparições, mas, nas melífluas palavras dele: “trata-se de uma passagem histórica que [...] poderá abrir uma fase renovada de desenvolvimento do culto e estudo do complexo fenômeno espiritual e mariano que surgiu nesses lugares ao longo dos anos”[10] (SIC!). Para os bispos anteriores, inclusive os modernistas, não havia nada de complexo nisso.
O circo pós-conciliar se deixou encantar pelos fenômenos que supostamente ocorreram, não só no passado, como depois, inclusive mundo afora: no Líbano, teriam sido encontrados ícones que exsudariam óleo perfumado, Na América Latina, imagens teriam “chorado” lágrimas e sangue. Na Índia, bispos e cardeais teriam visto uma imagem da Virgem “suar” mel. Além das inúmeras associações laicas e ao menos duas ordens religiosas autorizadas por bispos. Sem falar das conversões e curas milagrosas…[11].
Se Roma fala ou não, a causa não é tida mais por encerrada — Roma locuta causa finita — mas é escrava da liberdade do fiel de acatar ou não o que a Igreja ensina, aconselha ou ordena. “Mérito”, não só do nefasto Concílio Vaticano II e o espúrio protagonismo do leigo, mas do liberalismo que permeia a Cristandade. Então, assim como em tudo que diz respeito a salvação da alma e os perigos que a cercam, esta “aparição” e a relativa devoção também parecem ser de “livre escolha” do fiel (da paróquia ou do padre)... SIC!!! E, então, vemos blogs, sites e perfis de mídias sociais compartilhando essa falsa imagem e divulgando essa falsa devoção sem conhecer a sua origem e, pior, sem saber que foram PROIBIDAS pela Igreja!!!
Nesses assuntos tão importantes para a saúde de nossas almas, vale a mesma advertência aos motoristas: “na dúvida, não ultrapassem”: NA DÚVIDA, NÃO FAÇAM! NÃO SIGAM! NÃO COMPARTILHEM!!!
Ok, mas alguém poderia argumentar que “não sabia”. Ora! A ignorância só escusa quando não lhe damos motivo! O mínimo que devo fazer, quando me deparo com algo “novo”, é investigar antes!!! E, digamo-lo!, essa mania do “novo”, de inovar, mostra que não entendemos bem o Catecismo. Vigiai!!!
Meus caros, nossa alma custou o Sangue de um Deus bom, não devemos expô-la a risco. Ademais, e por fim, muitas vezes não damos conta nem de nossas preces diárias básicas, por que vamos atrás de outras? A Santíssima Virgem tem centenas de outros títulos reconhecidíssimos pela Igreja dos quais podemos — e devemos — lançar mão para dar-Lhe a devida e amorosa homenagem de nossos corações. Viva Maria Santíssima!!!
O católico que insiste em propagar essa falsa aparição e essa falsa devoção está DESOBEDECENDO à Igreja, é um revolucionário, e, portanto, está em pecado mortal.
Pesquisa, tradução e redação: Giulia d’Amore para Pale Ideas.
NOTAS:
1. Instituto religioso fundado pela Madre Maria Crucificada Di Rosa (nome de batismo: Paula Francesca Maria Di Rosa), em 1840, para assistir e educar a juventude e cuidar dos enfermos, sobretudo por causa da epidemia de cólera. O Papa Pio IX e o imperador Ferdinando da Áustria aprovaram o Instituto, que foi erigido canonicamente em 1851. Pio XII canonizou a fundadora em 1954.
4. Gottfried Hierzenberger e Otto Nedomansky, “Tutte le apparizioni della Madonna in 2000 anni di storia”, Piemme, 1996, pp. 312-323.
5. Já se vê que ligações tem essa vidente…
6. Gottfried Hierzenberger e Otto Nedomansky, idem, p. 322.
7. M. Lovatti, “Giacinto Tredici vescovo di Brescia in anni difficili”, Brescia, Fondazione Civiltà Bresciana, 2009, p. 229.
8. No sentido de haver uma excessiva atividade para fazer reconhecer como verdadeira a aparição.
9. M. Lovatti, idem, pp. 229-230.