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segunda-feira, 9 de julho de 2007

In memoriam (2007)

RECORDANDO MEU PAI




Esvai-se o tempo e mais e mais me lembro do que,
para olvidar, luto com afinco,
de um vinte e nove sinistro de novembro,
- mil novecentos e oitenta e nove!
Não consigo esquecer por um momento,
daquele dia que bem longe vai...
em que um vento de morte e de tormento,
para bem longe transportou meu pai!

Assim é a vida: um báratro profundo,
onde o homem se afoga e,
quase louco, se perde nas mentiras deste mundo,
que tanto nos promete e dá tão pouco!
E neste mundo assim, de falso brilho,
guardo a lembrança que de mim não sai:
- de um homem bom que me chamou de filho e,
enternecido, eu o chamei de Pai!



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Falar de meu pai é um desafio, porque é uma figura viva ainda em mim, uma ferida aberta... e dói. Sinto sua falta tremendamente porque há tantas perguntas que ficaram sem resposta, há outras tantas que surgem todos os dias... Ele, sim, saberia o que fazer! Quando eu tenho que tomar uma decisão... quando é inadiável dar uma resposta, achar uma solução... Ele saberia!

Nosso amor sempre foi intenso e forte. Ninguém nunca nos separaria... Só a inexorável morte. Mas... por pouco tempo. Eu sei. Temos muitas conversas para por em dia, muitos pores de sol para passar juntos, muitas ideias ainda a debater... Muito carinho para dar e... aceitar. E como sempre foi tão difícil fazê-lo!, porque ninguém te ensina a ser pai, a ser filho, a ser amigo... Felizmente, há ocasiões em que as palavras são absolutamente desnecessárias, basta um gesto, um olhar... E nós tivemos muitos momentos assim! Quantos olhares trocamos cheios de argumentos, sentimentos, indagações, respostas... Quantos segredos guardamos, protegendo-os dos outros, do mundo, de quem não entenderia...

Quanta sabedoria em suas palavras, quanta justiça em suas decisões, quanta segurança em suas ações, quanta firmeza em suas atitudes... Hoje sou mãe e gostaria de crer que talvez - DIGO TALVEZ - ele nem fosse tão sábio, tão justo, tão seguro, tão firme... Talvez ele também tivesse medo, às vezes... Talvez ele também tenha sentido nos ombros o esmagador PESO da responsabilidade de ter uma família... contas a pagar, decisões a tomar, atitudes a mostrar... Como se quisesse nos fazer sentir seguros e protegidos do mundo... mas dentro... dentro talvez... ele tremesse... nesta solidão imensa do nosso interior profundo em que não cabe ninguém; ninguém nos socorre, ninguém nos ouve... E ninguém percebe, à superfície, o que se passa nesse mundo só nosso.

Mas eu creio que ele não fosse assim tão frágil. "Essa" é a minha descrição; desta figura triste que "escrivinha" essas linhas sem rumo. Ele não, ele era um homem seguro! Não tenho a menor sombra de uma dúvida. Já o vi abatido por uma doença, por uma situação crítica em determinado momento... Mas nunca perdeu o "rumo". A dor era só dele. Eu a percebia por essa afinidade que nos aproximava tanto, e tanto nos afastava. Eu tenho a convicção profunda de que nem mesmo minha mãe percebia... Alheia como sempre foi ao mundo ao seu redor, pensando única e exclusivamente em suas pequenas e insignificantes preocupações... Não tinha noção da grandeza desse homem, de sua generosidade, de sua devoção para com ela; ela, a quem ele venerava com todo o seu coração. De sua dedicação extremada à família, de seu desapego ao que passa, de sua noção de valores e de medidas, do que é eterno e verdadeiro. De sua simplicidade altiva, de sua alma franciscana (*) e cigana (**). Um cidadão do mundo. Um viajante, um pioneiro. Um coração aventureiro e destemido. Capaz de grandes ações, de grandes sacrifícios, de abnegação... sem holofotes e glórias terrenas... "Não saiba sua mão esquerda o que sua direita faz...", ele nos dizia! Mas eu sabia... desconfiava... fuçava até descobrir... e calava. Afinal, eu era a sua guardiã fiel; em mim, ele depositava uma confiança que nem sei se algum dia mereci. Ele sabia que eu saberia.

E sei que contava comigo quando ele se fosse... Ma eu não soube corresponder a seus desejos, a suas expectativas. Creio que mereça sua decepção, porque não soube manter unido o bem mais precioso que ele possuía... A diáspora aconteceu, e eu nada pude fazer. Como Cassandra.

Eu sei que onde ele está sabe a verdade e sabe tudo que aconteceu. E acredito que quando a gente morre a venda cai, os olhos se abrem, e a Verdade se faz. Por isso, quanto a isso, nada temo! Ele sabe quem sou, quem fui... e quanto o amei. Que aqueles silêncios diziam tanto. Que aquelas discussões eram fumaça que o vento leva... Que a dedicação era recíproca. O que fiz e porque fiz.

Mesmo assim, este é um dos espinhos mais profundos que meu coração carrega. A felicidade lhe era devida já aqui; assim como a velhice serena, rodeada de netos e bisnetos... deliciando-se dos frutos do que plantou... contemplando o horizonte que conquistou... Não teve tempo.

Este é o espinho que mais sangra.

Beijos e... boa noite. 

Giulia d'Amore di Ugento 







(*) Meu pai era Terciário Franciscano. Eu soube tarde demais. 
(**) Cigano porque ele brincava que, quando bebê, foi trocado por ciganos, e por isso ele tinha uma alma de viajante, de explorador, de cidadão do mundo. Ele nos dizia que não devemos nos acomodar, mas que devemos sempre estar prontos para ir em frente, que o mundo nos pertence e que todo lugar é nossa casa. Valorizar as raízes, sim; recusar desafios, nunca! Sempre os primeiros e os melhores, em tudo. Sempre sim à vida!

(desconheço o autor do poema e tomei a liberdade de mudar a data - está em vermelho - pela data em que meu pai faleceu - quem souber o autor... me informe). 

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