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quarta-feira, 5 de março de 2014

Meditaçõe do Pe. Bernardes sobre as Dores da Virgem Maria ao pé da Cruz - I

Da cruel espada de angústia que transpassou o coração da Virgem ao pé da Cruz e em sua solidão



MAGNA EST VELUT MARE CONTRITIO TUA.
(Lm 2, 13)

A espaçosa e profunda vastidão do mar Oceano, quem a pode medir ou avaliar, ainda que em partes o navegasse ou visse superficialmente? Assim também a grandeza e acerbidade das penas e angústias que atormentaram o piedosíssimo coração da Virgem Santíssima na Sagrada Paixão e Morte de seu Bendito Filho e nosso Salvador JESUS Cristo, são maiores que toda a explicação e conceito que deste objeto podem formar pessoas ainda muito espirituais e ilustradas. Não deve todavia ser isto causa para deixarmos de meditar e ponderar estas penas, desse curto e diminuto modo que alcançamos: assim porque a dignidade da matéria merece ao menos este ínfimo grão do nosso agradecimento, como pelo muito que a Deus e à Virgem é agradável, e a nós proveitosa esta devota memória. E porque o saber qualquer fiel sentir alguma parte destas penas é especial graça de Deus: implorando esta primeiro com humildes e fervorosos desejos, podemos ir discorrendo pelos seguintes princípios.

Meditação I

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E seja o primeiro considerar algumas graves sentenças que os Santos disseram nesta matéria, para que, se a luz não chega a nossos olhos direta, chegue ao menos por reflexos. S. Agostinho e S. Bernardo, alegorizando aquilo de Isaías (Is 33, 7): Angeli pacis amare flebunt: consideram aos mesmos Anjos tomando corpos visíveis para chorarem a Sagrada Paixão e morte do Filho de Deus e, por conseguinte, a paixão e morte espiritual e mística da Mãe de Deus; pois esta com aquela estava intimamente conjunta. Ó alma minha, para e pondera: é possível que os Anjos tomem semelhança de homens para chorarem, e que os homens tomemos semelhança de brutos ou de pedras para não chorarmos! De que vai isto? O javali, revolvendo-se primeiro no lodo grosso, fica impenetrável aos venábulos ou lanças dos monteiros. Estamos tão imersos nos gostos ou pesares das coisas terrenas do mundo que ficamos duros para o sentimento das espirituais e invisíveis que nos propõem a Fé e Piedade (2 Cor 2, 34): Animalis homo non percipit ea, quae sunt spiritus Dei.


O glorioso Doutor S. Boaventura diz: Quaero Matrem Dei et invenio spinas et clavos: quaero MARIAM et invenio vulnera et flagella, quia tota conversa est in ista: O que vou buscar (diz o Santo) é a Mãe de Deus, e o que acho são espinhos e cravos. O que vou buscar é a MARIA; e o que acho são feridas e açoites; e assim é, porque toda ela está convertida e transformada nestas coisas. Pondera, que assim como a figura da sagrada Humanidade de Cristo desapareceu debaixo da multidão e peso de suas penas — Quase absconditus vultus ejus, et despectus, unde nec reputavimus eum (Mt 53, 3), Ego autem sum vermis et non homo (Sl 21) — assim a figura da lastimada Mãe ficou sumida no mesmo escuro e turbulento mar da Paixão do Senhor: nem a pode nesta ocasião encontrar o afeto, senão convertida em Cruz, ou em coluna, ou em coroa de espinhos, ou em lança. Mas tu, alma, devota insiste, e bate com fé, e crê, que dentro destes tormentos persevera a Mãe de Jesus, transformada neles por compaixão amorosa.

S. Bernardino diz que tão grande foi a dor da Sacratíssima Virgem na morte de seu amado Filho que se se repartisse por todas as criaturas capazes de padecer, todas de repente morreriam: Tantus enim fuit dolor B. Virginis in morte Christi, quod si in omnes creaturas, quae pati possunt, dividerentur, omnes súbito interirent. Pondera que prodígio este de dor tão ativa, tão forte, tão poderosa, que até dividida em tantos milhares de vidas era capaz de as extinguir a todas! E peja-te, e aniquila-te, vendo o pouco ou nada que acompanhas as penas de Cristo e da Virgem, fazendo (como podias) penitência, e mortificando-te, e sofrendo as injúrias dos próximos, e adversidades das criaturas.

S. Germão afirma que a Virgem nesta ocasião, depois de chorar copiosa e amargamente, até chegou a derramar lágrimas vivas de sangue. Pondera como se verificou aqui a profecia de Joel, de que o Sol se converteria em trevas, e a Lua em sangue: Sol convertetur in tenebras, et Luna in sanguinem: pois a Cristo na cruz cobriam as sombras e horrores da morte: e à Virgem ao pé da Cruz, cobriam lágrimas de sangue. E se o Profeta disse aquilo pelo horrível dia em que Deus há de julgar o mundo: muito mais horrível foi este em que o mundo julgou ao mesmo Deus. Compadece-te aqui daquele columbino e inocentíssimo coração que se está vertendo pelos olhos todo ensanguentado; e pede-lhe afetuosamente te alcance lágrimas de verdadeiro amor de Deus e de contrição de teus pecados, que foram a causa de tantas penas; para que naquele horrível dia mereças lograr os frutos do sangue de Cristo.
Arnoldo Carnotense diz: Omnino tunc erat uma Christi et MARIAE voluntas; unumque holocaustum pariter offerebat Deo; haec in sanguine cordis, hic in sanguine carnis: Uma só era totalmente a vontade de Cristo e de MARIA; e um holocausto ofereciam a Deus uniformemente: Cristo com o sangue de sua carne, MARIA com o sangue de seu coração. Pondera como concorda bem com isto que a mesma Virgem Santíssima disse, falando com S. Brígida: Sicut Adam et Eva vendiderunt mundum pro uno pomo, ita Filius meus et ego redemimus mundum quase uno corde: Assim como Adão e Eva venderam o mundo por um pomo; assim meu Filho e eu resgatamos o mundo quase com um coração. 

Ó Virgem piadosíssima, amorosíssima e desconsoladíssima! Com que inteira vontade e com que fiel rendimento oferecesses ao Altíssimo este precioso holocausto! Como se ajuntaram perfeitamente as duas metades deste místico pomo com que foi reparado, cravando-se a vossa metade nas mesmas pontas das setas com que a de JESUS estava traspassada! E em quanta obrigação vos está o mundo, por haverdes sido a tanto custo corredentora sua! Bendito seja Deus, que tanto vos comunico de sua imensa caridade. Ó seja eu por intercessão vossa, e dignação sua, admitido à participação destas penas suas e vossas; que só por serem vossas, e suas, só por serem penas de JESUS e de MARIA, penas do Filho de Deus e da Mãe de Deus, merecem todo o meu desejo e suspiro; e em si tem o prêmio de si mesmas. Ditoso de mim, se quando JESUS é afrontado e perseguido, eu também fora digno de padecer por JESUS perseguições e afrontas! Ditoso de mim, se quando a inocente pomba MARIA é sacrificada, e no candor de suas penas se vêem as salpicas do sangue de suas lágrimas, eu também pudesse ajuntar alguma coisa a este sacrifício, e acompanhar estas lágrimas. Esta fora, sem mais outra glória, a glória de minha alma; padecer, sentir e arder meu pobre coração na doce companhia destes dois corações de JESUS e de MARIA.
Pe. Manuel Bernardes


CONTINUA...

Meditação I - dia 05/03/2014
Meditação II - dia 12/03/2014
Meditação III - dia 19/03/2014
Meditação IV - dia 26/03/2014
Exemplos - dia  02/04/2014

Fonte: http://www.permanencia.org.br/drupal/node/1286

Obras do Pe. Bernardes no Estante Virtual: aqui e aqui. Clique na tag Pe. Manuel Bernardes, depois do texto, e veja o que mais o Pale Ideas publicou deste piedoso Sacerdote.

Padre Manuel Bernardes (1644-1710) professou em 1674 na Congregação do Oratório de S. Filipe de Néri. Escreveu diversos tratados de espiritualidade e vários guias morais, como Exercícios Espirituais (1686), Luz e Calor (1696) e Pão Partido em Pequeninos (1696); dois volumes de Sermões e Práticas (1711) e a Nova Floresta ou Silva de Vários Apotegmas em cinco volumes publicados entre 1706 e 1728. Esta última obra é uma coleção de «ditos bons e sentenciosos de varões ilustres» que apresenta por ordem alfabética o comentário a um pecado ou virtude. O autor não chegou a ir além da letra J e da virtude «Justiça», pois falecera entretanto.

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