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quarta-feira, 2 de abril de 2014

Meditaçõe do Pe. Bernardes sobre as Dores da Virgem Maria ao pé da Cruz - Exemplos

Da cruel espada de angústia que transpassou o coração da Virgem ao pé da Cruz e em sua solidão



MAGNA EST VELUT MARE CONTRITIO TUA.
(Lm 2, 13)

A espaçosa e profunda vastidão do mar Oceano, quem a pode medir ou avaliar, ainda que em partes o navegasse ou visse superficialmente? Assim também a grandeza e acerbidade das penas e angústias que atormentaram o piedosíssimo coração da Virgem Santíssima na Sagrada Paixão e Morte de seu Bendito Filho e nosso Salvador JESUS Cristo, são maiores que toda a explicação e conceito que deste objeto podem formar pessoas ainda muito espirituais e ilustradas. Não deve todavia ser isto causa para deixarmos de meditar e ponderar estas penas, desse curto e diminuto modo que alcançamos: assim porque a dignidade da matéria merece ao menos este ínfimo grão do nosso agradecimento, como pelo muito que a Deus e à Virgem é agradável, e a nós proveitosa esta devota memória. E porque o saber qualquer fiel sentir alguma parte destas penas é especial graça de Deus: implorando esta primeiro com humildes e fervorosos desejos, podemos ir discorrendo pelos seguintes princípios.


Exemplos


O seguinte caso é digno de toda fé e memória. Referiu S. Brígida nas suas Revelações; e pelo fruto que pode fazer o porei quase pelas suas mesmas palavras.

Um Senhor grande quanto ao mundo, que de longo tempo estava sem confessar, caíra enfermo gravemente. E tendo a Esposa (fala a Santa de si mesma) compaixão desta alma, orava por ela. Então apareceu Cristo à Esposa, lhe falou e disse: Dize ao teu Confessor que visite este enfermo, e ouça a sua confissão. Avisado o Confessor, entrou a fazer o seu ofício, e respondeu o enfermo que não necessitava de confissão, porque se tinha confessado muitas vezes, e isto testificou afirmadamente. No seguinte dia, tornou o Senhor a mandar dizer ao Confessor que fosse repetir a mesma diligência. Obedeceu ele, mas trouxe a mesma resposta que primeiro: Que não necessitava de confissão, porque já se confessara muitas vezes. No terceiro dia, apareceu outra vez Cristo à Esposa, e lhe revelou o que havia de dizer o seu ministro àquele enfermo. A cuja presença entrando, lhe falou assim: Cristo, filho de Deus vivo, e Dominador que é de todos os espíritos infernais, te manda este recado: Tu tens em ti sete demônios; um está assentado no teu coração, e o ata para que te não compunges dos pecados. O segundo está assentado nos olhos, para que não vejas o que mais importa à tua alma. O terceiro está assentado na tua boca, para que não fales o que toca à honra de Deus. O quarto está assentado nas tuas partes inferiores, por isto amaste toda a torpeza. O quinto está nas tuas mãos e pés; por isso não fazias caso de roubar e matar os homens. O sexto está nas tuas partes interiores: por isso é dado à gula e à embriaguez. O sétimo está na tua alma, e onde Deus devia ter o seu lugar, aí está agora assentado o diabo inimigo seu. Por tanto, arrepende-te depressa, que ainda Deus terá misericórdia contigo. Isto disse o Confessor e o enfermo lhe respondeu com lágrimas: Como me podereis alentar com a esperança do perdão, estando eu enredado com maldades tantas, e tão públicas? Respondeu o Confessor: Experiências tenho, e assim vo-lo juro, que ainda que vossos pecados foram muito maiores, pela contrição e confissão deles alcançareis salvação. Então o enfermo mais compungido, disse outra vez chorando. Desesperado estava da salvação de minha alma, porque tenho feito homenagem dela ao demônio, o qual me apareceu e falou muitas vezes; por isso, sendo eu já de sessenta anos, nunca em minha vida me confessei, nem recebi o Corpo de Cristo, e fingia negócios para me escusar disso quando os outros fiéis comungavam. Porém, eu vos confesso, Padre, que nunca em minha vida senti compunção tanta, nem me lembra haver tido tantas lágrimas como agora tenho. Confessou-se, pois, aquele pecador quatro vezes naquele dia, e no seguinte, havendo-se confessado outra vez, recebeu também a Comunhão sagrada. No sexto dia partiu desta vida. E o Senhor, falando disso com a Esposa, disse: Este homem serviu àquele ladrão de que primeiro te mostrei estar em grande perigo. O demônio, a quem tinha feito homenagem, fugiu de sua alma por amor da contrição que teve de seus pecados, e agora está no Purgatório. Mas perguntarás: Como mereceu o ter esta contrição um homem envolvido em tantas maldades? Respondo-te que isto fez a minha grande caridade; esperando o pecador até o último ponto que se convertera; e também o merecimento e oração de minha Mãe. Porque, ainda que este homem a não amou de coração, contudo tinha de costume compadecer-se da sua dor e angústias todas as vezes que as considerava ou ouvia nomear. Por tanto achou o atalho da sua salvação, e salvou-se.

Notem-se, no referido caso, os seguintes pontos. Primeiro, como nele se vêem confirmadas e praticadas, contra a herética pravidade, as verdades ortodoxas da eficácia do Sacramento da Penitência ministrado pelo Sacerdote; da real presença do Corpo de Cristo na Eucaristia; do Purgatório para expiar as almas que deste mundo partiram com reato de penas; e da intercessão e oração dos Santos na Igreja Triunfante, pelos que ainda habitam na Militante.

Segundo, como o Salvador do mundo nos ensina para converter os pecadores, a levá-los por bem com amor, rogando-os, e instando-lhes e alentando-os à esperança do perdão; porém, certificando-nos de que nenhuma das nossas diligências aproveitará, se a graça de Deus desamparar ao pecador (Ecli 7, 4): Considera opera Dei, quod nemo possit convertere, quem ille despexerit.
Terceiro, como Cristo nosso bem intitulou aqui a sua Mãe Santíssima, compêndio ou atalho da nossa salvação: Compendium salutis suae invenit et salvatus est: porque como de muitos exemplos se mostra, por outros caminhos se rodeia muito no negócio da salvação, ou se não logra o que por este da intercessão da Virgem se atalha e consegue. E assim pouco é que o mesmo título dessem à Virgem muitos devotos seus.

Quarto, como a Providência e Misericórdia Divina meteu a este grande pecador pelo atalho da salvação que é a devoção da Virgem, visto que o inimigo o tinha metido por outros de sua perdição, que era aborrecimento à Confissão sacramental; e a companhia, servidão e dependência de outra personagem poderosa, a quem o Senhor chama aqui ladrão, e diz que estava em grande perigo, e com efeito não escapou dele, porque sem embargo de ter avisado, se não quis emendar, como se mostra no Capítulo 23, 24 e 25 deste mesmo livro texto, e se este vassalo não morrera, dificultosamente se desenredara do laço.

Quinto, como não disse o Senhor que este pecador buscara o atalho de sua salvação, senão que o achara: Compendium salutis invenit. Porque lhe apareceu impensadamente, a modo de tesouro, em que pouco, ou nada, tinha cavado; pois só cuidava em se descuidar dos seus novíssimos, porque o seu caminho era dos que (Jó 2): Ducunt in bonis dies suos et in puncto ad inferna descendunt.

Na Cidade de Cefena (que é na Romandiola, na Itália) houve dois Clérigos grandemente amigos, porque ambos eram de costumes estragados, e escrito está que Omnis homo simili sui sociabitur: Todo o homem tomará por sócio o que é seu semelhante. Um deles, por nome Bartolomeu, entre tantos espinhos de seus vícios, está só flor brotava e conservava, que era rezar cada dia a N. Senhora o hino Stabat Mater dolorosa, feito em maviosa recordação das angústias que o coração da Virgem padeceu ao pé da Cruz. Desta devoção zombava, e dizia chistes o seu companheiro, parecendo-lhe inútil para escapar do inferno que tão merecido tinha com medida de más obras sobre o cogulo. Um dia, pois, estando o dito Bartolomeu rezando o seu hino, subitamente foi arrebatado em espírito a um tanque ou lago do inferno, onde viu o seu amigo todo mergulhado em horrendo fogo de enxofre. Deram-lhe a provar também daqueles tormentos, e neles estava ringindo os dentes e afogando-se em agonias infernais. Quando eis que lhe aparece a Beatíssima Virgem, e dando-lhe a mão, o livrou fora, e lhe disse: Tu muito bem sabes que por teus pecados mereces ficar nestes ardores eternos. Por tanto, se desejas escapar deles, logo te apresenta a meu divino Filho, e pede-lhe perdão e misericórdia. O pobre Clérigo, vendo-se em tão extremo e formidável perigo, e que se lhe davam segundo trato naquele mar de fogo, não surgia acima eternamente: dito está se se pagaria bem àquela amarra que a Senhora lhe lançava. Buscou a presença do tremendo Juiz Cristo JESUS, e clamou misericórdia, mas o Senhor o lançou de si com ira e desprezo. E não perdendo o réu a confiança, tornou a instar por espaço de penitência, e o Senhor o sacodiu de si, só com a vista de seus olhos indignados. E neste lance o miserável já quase dava por rematada a sentença definitiva de sua condenação. Porém, a Mãe de misericórdia tanto pediu e rogou a seu amado Filho que ele se aplacou, e admitiu embargos e concedeu perdão, debaixo do pacto que o pecador desse volta à sua vida antiga e fizesse frutos dignos de penitência. Neste ponto tornou em si do rapto; e fazendo juízo reflexo sobre o que vira, lhe veio a nova de que o seu amigo era impensadamente morto de um arcabuzaço. Ó meu Deus (disse então consigo todo estremecido) não foi logo esta minha visão sonho vão, ou imaginação vaga, senão aviso do Céu, piedade da Virgem MARIA. Pois alto, já eu sei onde está meu companheiro, e onde eu estaria também, pois íamos pelo mesmo caminho, senão fora a Mãe de misericórdia. Agora quero cumprir o que prometi, ou ela fez que eu prometesse. Disso resolveu-se, deixou o século entrando na Religião dos Franciscanos Observantes, da qual por mais assegurar-se com penitência, passou para a dos Capuchinhos, onde lembrado de que Circumdederunt me dolores mortis, et pericula inferni invenerunt me, viveu e morreu santamente.

Pe. Manuel Bernardes


CONTINUA...

Meditação I - dia 05/03/2014
Meditação II - dia 12/03/2014
Meditação III - dia 19/03/2014
Meditação IV - dia 26/03/2014
Exemplos - dia  02/04/2014

Fonte: http://www.permanencia.org.br/drupal/node/1286

Obras do Pe. Bernardes no Estante Virtual: aqui e aqui. Clique na tag Pe. Manuel Bernardes, depois do texto, e veja o que mais o Pale Ideas publicou deste piedoso Sacerdote.

Padre Manuel Bernardes (1644-1710) professou em 1674 na Congregação do Oratório de S. Filipe de Néri. Escreveu diversos tratados de espiritualidade e vários guias morais, como Exercícios Espirituais (1686), Luz e Calor (1696) e Pão Partido em Pequeninos (1696); dois volumes de Sermões e Práticas (1711) e a Nova Floresta ou Silva de Vários Apotegmas em cinco volumes publicados entre 1706 e 1728. Esta última obra é uma coleção de «ditos bons e sentenciosos de varões ilustres» que apresenta por ordem alfabética o comentário a um pecado ou virtude. O autor não chegou a ir além da letra J e da virtude «Justiça», pois falecera entretanto.

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