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sexta-feira, 19 de maio de 2023

A “Corredentora” nos anos 1900 até o Papa Pio XI



A “Corredentora” nos anos 1900 até o Papa Pio XI



De Padre Paolo M. Siano.

À luz dos meus dois artigos anteriores (ver aqui e aqui), observo que, entre o ano 1600 e o 1700, o título “Corredemptrix” (“Corredentora”) aparece em tratados teológicos, especialmente de jesuítas de língua espanhola, e em textos de pregação. No século XIX, este belíssimo título mariano é sustentado em obras teológicas, em escritos de leigos católicos, em homilias e escritos episcopais, até entrar, na época do Papa Leão XIII, no acervo de documentos oficiais da Igreja: as “Acta Sanctæ Sedis[1] (1865-1908) e “Acta Apostolicæ Sedis[2] (1909-…).

Antes de entrarmos no século XX, indico outros dois textos do século XIX a favor do título de “Corredentora”.

No livro “The Foot of the Cross: or The Sorrows of Mary” (Londres, 1858), Pe. Frederick William Faber (1814-1863), sacerdote católico oratoriano, ex-pároco anglicano, afirma que Maria merece o título de “ Co-Redemptress” (p. 453) por sua colaboração na Encarnação do Verbo (Maternidade Divina) e, portanto, na Paixão do Filho (pp. 453-454). E que santos e doutores chamaram Maria: “Co-Redemptress of the world” (p. 447).

Em 1870, editado pela “Sacra Rituum Congregatione E.mo et R.mo Domino Cardinali Constantino Patrizi (Episcopo Portuen. Et S. Rufinæ, S.R.C. Præfecto etc.) Relatore”, é publicado o texto “Urbis et Orbis Concessionis Tituli Doctoris et extensionis eiusdem tituli ad Universam Ecclesiam neque non Officii et Missæ sub Ritu Dupl. de Comm., Doctorum Pontificum in honorem Sancti Alphonsi Mariæ de Ligorio Fundatoris Congregationis SS. Redemptoris ac olim Episcopi S. Agathæ Gothorum” (Romæ, 1870, Ex Typographia S. Congreg. De Propaganda Fide socio equite Petro Marietti Administro).

Em defesa do “Doutoramento” de Santo Afonso, o advogado Ilario Alibrandi — 1823-1894, ilustre jurista que, professor de direito na universidade “La Sapienza”, gozava de toda a confiança do Papa Pio IX —, a propósito da Mariologia afonsiana, afirma que Maria pode ser chamada justamente de Corredentora: “Unde Maria, hoc sensu rectissime nuncupatur Corredemptrix hominum” (p. 80). Em seguida, Alibrandi cita o próprio Ligório: “Assim, a divina Mãe… com razão foi chamada… Reparadora do gênero humano… Redentora dos escravos, Lenitivo de nossas misérias” (p. 80).

Agora, entraremos no início do século XX. 

No seu “Tractatus de Beatissima Virgine Maria Matre Dei” (Lethielleux, Paris, 1901), o Pe. Alessio Maria Lépicier (Professor de Teologia no Pontifício Colégio Urbano de Propaganda Fide, e Procurador-Geral da Ordem dos Servos de Maria) aborda no Art. III: “De officio Corredemptricis” (pp. 386-399). Maria é Corredentora porque deu o seu consentimento à Encarnação do Verbo e cooperou na Sua Paixão (“compassio”) para a nossa salvação. Maria pode ser chamada “excellentiori modo quam alios sanctos et iustos”, “cum Christo redemptorem seu nostram Corredemptricem” (p. 397). Maria é “Corredemptrix” (p. 466), “hominum corredemptrix” (p. 475). Este livro de Pe. Lépicier, aprovado pelo Prior Geral da Ordem dos Servos de Maria, contém as cartas de aprovação do Papa Leão XIII e do Cardeal Mariano Rampolla Del Tíndaro.

Vejamos algumas intervenções nas “Atas do Congresso Mariano Mundial celebrado em Roma no ano de 1904” (Tipografia degli Artigianelli S. Giuseppe, Roma, 1905), compiladas por Dom Giacomo Maria Radini Tedeschi (Bispo de Bergamo - Secretário da Comissão Cardinalícia) e por Pe. Pellegrino Maria Stagni (Prior Geral da Ordem dos Servos de Maria – Secretário Geral do Congresso).

Em sua “Saudação”, o Comendador Filippo Tolli (leigo, Presidente de honra do Círculo da Imaculada) chama Maria: “Imaculada Corredentora do gênero humano” (p. 67). Conclui com uma oração espontânea em versos, onde diz, entre outras coisas: “e Tu, Corredentora, / Por todos rogai: a uma tua palavra / nascerá o Sol de uma idade feliz” (p. 67). 



No relatório “A Igreja grega aos pés de Maria Imaculada”, Padre Arsenio Pellegrini, Abade de Grottaferrata, fala de: “Maria corredentora do mundo aos pés da Cruz, vítima ela mesma imaculada com Aquele que nunca conheceu pecado” (p. 80); Maria é “corredentora do gênero humano” (p. 81).

No relatório “Vínculos entre a devoção de São Domingos a Maria Santíssima e a fundação da Ordem dos Pregadores”, Pe. Giacinto M. Cormier OP, Mestre Geral dos Pregadores, afirma que os hereges Albigenses combatiam “Jesus Redentor” e “por uma lógica infernal, também Maria Corredentora” (p. 111).

Pe. Alessio Lepicier escreveu um relatório em latim sobre “A Imaculada Mãe de Deus, Corredentora do gênero humano” (“Immaculata Deipara generis humani Corredemptrix”).

Pe. Lepicier fala de Maria: “illam, utpote plene sanctam, generis humani dignissimam Corredemptricem existere” (p. 149). Também o sacerdote que celebra a Santa Missa e continua a obra da Redenção pode ser chamado de “corredemptor” (p. 149). Maria é “Corredemptrix, etiam sacerdotum Regina et Patrona” (p. 149). Ela merece o título “dignissime” de “Corredemptrix” (p. 150). Ela é “nostri generis Corredemptrix, et sacerdotum, Christi cooperatorum, Regina” (p. 151), “generis humani Corredemptrix” (p. 151), “gloriosa Corredemptrix” (p. 151).

No relatório “A Imaculada Conceição e a civilização[3] ”, o Prof. Giuseppe Toniolo, da Universidade de Pisa, e membro da Opera dos Congressos, menciona a “corredentora Maria” (p. 186).

O Cardeal Domenico Ferrata, membro da Comissão Cardinalícia para as celebrações do 50° aniversário da proclamação do Dogma da Imaculada Conceição, e Presidente do Comitê da Exposição, em seu discurso chama Maria: “Corredentora da humanidade” (p. 468).

Vejamos alguns artigos da revista mensal “La Verna” dos Frades Menores.

Na edição de 8 de dezembro de 1904 (Revista ilustrada histórico-social franciscana dedicada a Santo Antônio de Pádua, ano II, n. 7), no artigo “A glória da Ordem Franciscana no triunfo da Imaculada”, Pe. Anselmo Sansoni OFM chama Maria: “Aquela que é a segunda Eva, a Corredentora dos homens, a Rainha de todos os eleitos” (p. 399).

No mesmo “La Verna” n. 7/1904, no artigo “A Imaculada Conceição e a Oratória Cristã”, o Pe. Bernardino Sderci OFM chama a Jesus de “o Redentor” e Maria de “Corredentora” (p. 411), “a nova Eva, mais pura, maior, mais bela que a antiga, porque sempre intacta” (p. 411).

No “La Verna” n. 8, de 13 de janeiro de 1905, no artigo “Super montes aromatum”, um certo Testis fala de Maria como Aquela que foi “preservada em vista da missão divina de Corredentora” (p. 479).

Em 1905, em Siena, a Tipografia Pontifícia S. Bernardino imprimiu o livro “A Virgem-Mãe nas obras e no pensamento de Dante Alighieri”, de Mons. Giacomo Poletto, a quem, entre 1881 e 1883, o Papa Leão XIII havia confiado a cátedra de Teologia Dantesca, a primeira na Itália. Mons. Poletto chama Maria: “corredentora” (pp. 56, 64, 198, 250, 377, 493), “corredentora do humano gênero” (pp. 170, 185), “corredentora dos homens” (p. 190), “corredentora do mundo” (p. 190, nota 13 da p. 189), “corredentora do gênero humano” (p. 366).

Nos “Acta Sanctæ Sedis”, Vol. XLI, 1908, no “Decretum” de 13 de maio de 1908, da Sagrada Congregação dos Ritos, que eleva a rito duplo de 2ª classe para toda a Igreja a festa das Sete Dores de Maria do terceiro domingo de setembro, Maria é chamada: “humani generis Conredemptricem” (p. 409). 



Em 1908, a Marietti Editore (Turim) publicou o livro de Padre Gaetano Finco (1843-1909) “A Corredentora ou o Mês de Setembro dedicado à Rainha dos Mártires. Para uso dos pregadores”. O autor dedica ao Papa Pio X este livro “sobre as dores da Corredentora do mundo” (p. III). Maria é “a Corredentora da Humanidade” (p. 8), “a Corredentora do Gênero Humano” (p. 17), “verdadeira Corredentora” (p. 24), “(Ela) tem todo o direito de ser chamada nossa Corredentora” (p. 26).

Nos “Acta Apostolicæ Sedis” de 1913 (Ano V, Vol. V, Romæ, Typis Poliglottis Vaticanis), a “Suprema Congregatio S. Officii (Sectio de indulgentiis)”, sob assinatura do Cardeal Rampolla, promulga um “Decretum” com o qual o Papa Pio X, em 26 de junho de 1913, concede à invocação dos nomes “Laudetur Iesus et Maria – Hodie et semper” a mesma indulgência concedida à invocação do Nome de Jesus sozinho. Nesse “Decretum”, Nossa Senhora é chamada de Corredentora: “corredemptricis nostræ, beatæ Mariæ” (p. 364).

Nos “Acta Apostolicæ Sedis” de 1914 (Vol. VI), a “Suprema S. Congregatio S. Officii (Sectio de indulgentiis)”, sob assinatura do Card. Domenico Ferrata (Secretarius), promulga um “Decretum” de 22 de janeiro de 1914, com o qual o Papa Pio X concede a indulgência de 100 dias a quem recitar a “Oração de reparação à Bem-Aventurada Virgem Maria”. Nessa oração, Nossa Senhora é chamada: “corredentora do gênero humano” (p. 108).

O Cardeal Alfredo Ildefonso Schuster OSB (1880-1954), Arcebispo de Milão de 1929 a 1954, Cardeal desde 1929, na obra “Liber Sacramentorum. Notas históricas e litúrgicas sobre o Missal Romano”, chama Maria: “Corredentora do Gênero Humano” (Marietti, Editore - Tipografo Pontificio, vol. VII, Turim-Roma, 1930, p. 89, pp. 90-91). Ela, “aos pés da Cruz do Filho, nos regenera para Deus e se torna, assim, a Mãe dos homens” (vol. VII, p. 93).

Maria é a rainha do mundo porque é corredentora do gênero humano junto com Jesus e para Jesus [...]” (vol. VIII, 1932, p. 79). “A Adão e Eva, pecadores e fonte da nossa original culpa na Terra, Deus contrapôs Cristo e Maria, o Redentor e a Corredentora do gênero humano” (ivi, p. 182).

Maria é “a Mãe de Deus e dos homens, corredentora do gênero humano” (vol. IX, 1932, p. 21).

O primeiro Papa a usar diretamente o título de Corredentora foi Pio XI.

A um grupo de peregrinos de Vicenza, em 30 de novembro de 1933, o Papa afirma em um discurso (“Ecco di nuovo”): “O Redentor não podia, pela necessidade das coisas, não associar a sua Mãe à sua obra, e por isso nós a invocamos com o título de Corredentora. Ela deu-nos o Salvador, O educou na obra da Redenção até chegar à Cruz, partilhando com Ele as dores da agonia e da morte em que Jesus consumava a Redenção de todos os homens. E, justamente debaixo da Cruz, nos últimos momentos de sua vida, o Redentor A proclamava mãe nossa e mãe universal” (citado em “Insegnamenti Pontifica” — 7. Maria SS., 2ª edição atualizada, Edizioni Paoline, Roma, 1964, p. 242; cf. L’Osservatore Romano, 1° de dezembro de 1933, p. 1).

Em 23 de março de 1934, diante de dois grupos de peregrinos espanhóis, Pio XI nota com prazer que eles vieram a Roma para celebrar: “não só o XIX centenário da divina Redenção, mas também o XIX centenário de Maria, o Centenário da sua Corredenção, da sua Maternidade universal” (cf. L’Osservatore Romano, 25 de março de 1934, p. 1).

Ainda nesse discurso, Pio XI diz aos jovens peregrinos que devem: “seguir o pensamento e o desejo de Maria Santíssima, que é nossa Mãe e nossa Corredentora” (p. 1) e “esforçar-se para ser, eles também, corredentores e apóstolos, segundo o espírito da Ação Católica, que é precisamente a colaboração dos leigos no apostolado hierárquico da Igreja” (p. 1).

Finalmente, no dia 28 de abril de 1935, no encerramento do Jubileu da Redenção, na radiomensagem aos peregrinos de Lourdes, Pio XI eleva uma oração à Virgem, onde diz, entre outras coisas: “[...] Ó Mãe de piedade e de misericórdia, que assististes o vosso dulcíssimo Filho enquanto realizava, na hora da Cruz, a Redenção do gênero humano, sendo Corredentora e partícipe de suas dores; [...]” (cf. Maria SS., Edizioni Paoline, obra citada, p. 246; cf. L’Osservatore Romano, 29-30 de abril de 1935, p. 1).

Em 1937, o título “Corredentora” é usado pelo Cardeal Eugenio Pacelli em um discurso publicado no L’Osservatore Romano de 8 de dezembro de 1937, pp. 3-4 (cf. Giuseppe Roschini, “Maria Santissima nella storia della salvezza”, vol. II, Isola del Liri, 1969, p. 126).

Em 27 de fevereiro de 1939, no interregno entre Pio XI (falecido em 10 de fevereiro de 1939) e Pio XII (eleito em 2 de março de 1939), a editora Vita e Pensiero de Milão conclui a impressão do livro “Maria Mediatrice di tutte le grazie” do Pe. Leonardo Maria Bello OFM, Ministro Geral dos Frades Menores. No capítulo “Maria Medianeira como Corredentora” (págs. 21-29), Pe. Bello afirma que Nossa Senhora: “é também merecidamente proclamada Medianeira universal porque, como Corredentora (3), pela redundância dos méritos de Cristo, verdadeiramente adquiriu todas e cada uma das graças que fluem em todo o corpo místico de Cristo: radical e remotamente por sua colaboração na Encarnação do Verbo; formal e proximamente por sua estreitíssima união com a obra inteira de Cristo Salvador” (L. Bello, “Maria Mediatrice di tutte le grazie”, Vida e Pensamento, Milão, 1939, p. 21). 


P. Bello especifica: “O termo ‘Corredentora’ utilizado nos atos dos Sumos Pontífices já era comumente usado pelos franciscanos desde o século XVII” (p. 21, nota 3).

Maria ofereceu-se “com o seu Filho como Corredentora de todos” (p. 25). Mais adiante, Pe. Bello escreve também: “Porque, assim, a Virgem Dolorosa ofereceu a Deus, para a salvação do gênero humano, a Paixão de Cristo e as inefáveis dores do seu próprio coração, as quais, unidos às de Cristo, eram satisfatórias e possuíam valor de preço redentor, Ela é merecidamente chamada a Corredentora de todos” (p. 28). 



Pe. Bello conclui o capítulo assim: “De tudo o que foi exposto, resulta claro que a Bem-Aventurada Virgem Maria, com o ofício de Corredentora, pagou devidamente o preço de nossa salvação, como piedosissimamente pensa o Seráfico Doutor, e que Ela, pelo mérito ao menos de sua dignidade, mereceu positivamente todas as graças. Com razão, portanto, a Igreja chama Maria de Medianeira universal” (p. 29). 
 

Tradução e notas: Giulia d'Amore


Notas:
1. Similar ao Diário Oficial, é um periódico que torna públicos os documentos pontifícios ou das Sagradas Congregações.
2. Idem ao anterior. 
3. Aqui, no sentido de “tornar civilizado”, ou seja, a contribuição da Imaculada Conceição para tornar mais civilizado o mundo.       

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