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quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Um exemplo histórico de prudência e de discernimento - São Vianney e as missas juramentadas!

Um argumento sólido para não se frequentar as Missas de padres “juramentados”, retirado do site da Neo-FSSPX em São Paulo.


Para reflexão dos que amam a Missa de sempre. 

[Esta é uma republicação. Já publicado aqui]



Um exemplo histórico de prudência e de discernimento


O Cura dArs, São João Batista Maria Vianney (1786-1859)




CAPITULO II – UM PASTORZINHO DURANTE O TERROR (1793-1794)


Os Vianney na Missa do padre juramentado – A santa indignação de Maria Vianney – João Maria e os padres fiéis – A Missa nas granjas.

Em janeiro de 1791, época em que a Constituição Civil entrou a vigorar na comarca de Lion, João Maria ainda não tinha completado cinco anos. O Pe. Jacques Rey, cura de Dardilly durante 39 anos, cometera a fraqueza de prestar o juramento cismático. Mas, a dar-se crédito às tradições locais, esclarecido pelo exemplo do coadjutor e dos colegas vizinhos, que haviam recusado o tal juramento, não tardou muito em compreender e detestar sua falta. Permaneceu ainda por algum tempo na paróquia celebrando a Missa numa casa particular, retirando-se depois para Lion. Mais tarde teve que exilar-se na Itália.

Se a saída do Pe. Rey não passou despercebida, Dardilly contudo não foi perturbada ao ponto que se poderia esperar. A igreja continuou aberta, pois veio outro sacerdote, enviado pelo novo bispo de Lion, um certo Lamourette, amigo de Mirabeau[1], nomeado pela Constituição, sem mandato de Roma, em lugar do venerável Monsenhor Marbeuf. O novo cura e o novo Bispo haviam prestado o juramento; mas, como poderia suspeitar a boa gente de Dardilly que a Constituição Civil, da qual ignoravam, talvez, o próprio nome, pudesse conduzi-los ao cisma e à heresia? Nenhuma mudança aparente se havia operado, quer nas cerimônias, quer nos costumes paroquiais [como ocorreu com a missa nova pós-conciliar]. Aqueles simples de coração assistiram por algum tempo sem escrúpulos à Missa do “padre juramentado”. Do mesmo modo procedeu com toda a boa fé Mateus Vianney, a esposa e seus filhos. (A transição do culto católico ao constitucional se fez em muitas paróquias sem violência visível).


Entretanto abriram-se-lhes os olhos. Catarina, a mais velha das filhas, posto que naquela época não contasse mais de uma dúzia de anos, foi a primeira a pressentir o perigo. No púlpito, o novo pároco nem sempre tratava dos mesmos assuntos como o Pe. Rey. Os termos cidadãos, civismo, constituição, pontilhavam suas prédicas. Às vezes, descambava em ataque contra seus predecessores. “Esses”, dizia, “não são mais curas do que os meus sapatos” (Pe. Vignon, cura de Dardilly, Processo apostólico in genere, p. 368).

Cada vez mais a afluência à igreja era menos homogênea e, apesar disso, mais minguada do que outrora; pessoas mui piedosas não compareciam mais aos ofícios divinos. Onde, pois, ouviam Missa nos dias de festa? Pelo contrário, iam outros que nunca haviam frequentado o templo. Catarina sentiu certos receios e os manifestou à mãe. As coisas andavam nesse pé quando os Vianney receberam a visita de um parente que residia em Ecully.

Ah! meus amigos, que fazeis?”, perguntou-lhes ao ver que assistiam à missa do padre “juramentado”. “Os bons sacerdotes recusaram o juramento, por isso são caçados, perseguidos, obrigados a fugir. Felizmente, em Ecully, há alguns que ficaram entre nós. A estes é que vos deveis dirigir. O vosso novo cura separou-se da Igreja Católica com o seu juramento. Não é de modo algum vosso pastor, e não o podeis seguir”.

Como que fora de si por essa revelação, a mãe de João Maria não trepidou em interpelar o infeliz sacerdote e censurar-lhe a apostasia da verdadeira Igreja. Ao citar-lhe o Evangelho, onde está escrito que o ramo separado da videira será lançado ao fogo, levou-o à seguinte confissão:

- “É verdade, senhora, a videira vale mais do que o sarmento”. Maria Vianney deve ter explicado aos seus a falta daquele padre, pois conta-se que o pequeno João Maria “mostrou horror por esse pecado, começando dali por diante a esquivar-se do cura juramentado”. Desde então, a igreja paroquial, relicário de tão suaves recordações, onde os pais se haviam casado e os filhos recebido o batismo, deixou de ser para a família Vianney lugar predileto de oração. Não tardou muito a ser fechada.


* * *


Robespierre decapitando o Rei Luis XVI
Chegaram, porém, os dias da sangrenta perseguição. Todo o sacerdote que não prestasse “juramento” se expunha a ser encarcerado e executado, sem recurso possível, dentro de 24 horas. Quem os denunciasse receberia cem libras de recompensa. Quem, ao contrário, lhes desse agasalho, seria deportado. Assim rezavam as leis de 24 de abril, 17 de setembro e 20 de outubro de 1793.

Apesar dessas ameaças terríveis, os sacerdotes fiéis andavam escondidos pelos arredores de Dardilly, e a casa dos Vianney ocultou a todos, um após outro. Em algumas ocasiões, celebraram nela a Santa Missa. Foi um milagre o dono da casa não ter caído na suspeita de alguns jacobinos[2], pagando com a cabeça a sua santa audácia.

Mas foi mesmo em Lion ou nos seus arrabaldes que os confessores da fé receberam, com mais frequência, generoso abrigo.

Mensageiros de confiança, enviados de Ecully, passavam em certos dias pelas casas das famílias católicas e lhes indicavam o esconderijo, onde à noite seguinte haveriam de ser celebrados os divinos mistérios. Os Vianney partiam, sem ruído, e marchavam, muitas vezes, por longo tempo na escuridão da noite. João Maria, todo feliz por ir àquela festa[3], valentemente meneava as perninhas. Os irmãos murmuravam de vez em quando, achando a distância demasiada, mas a mãe lhes dizia: “Imitem a João Maria que nunca se cansa”.

Chegados ao lugar combinado, eram introduzidos num paiol ou quarto retirado, quase às escuras. Ao pé de pobre mesa, rezava um desconhecido cujo semblante fatigado esboçava suave sorriso. Depois dos cumprimentos, no canto mais escuro, detrás duma cortina, em voz baixa, o bom padre aconselhava, tranquilizava e absolvia as consciências. Não raro jovens noivos pediam que lhes abençoasse o matrimônio. Enfim, chegava a hora da Missa, a Missa tão desejada por grandes e pequenos. O padre dispunha sobre a mesa a pedra d’ara[4] que trouxera consigo, o missal, o cálice e numerosas hóstias, pois não seria só ele a comungar naquela noite. Revestia-se com paramentos amarrotados e desbotados. Depois, envolto por silêncio profundo, começava as preces litúrgicas, Introibo ad altare Dei. Que unção na voz, que recolhimento e que comoção a da assistência! Frequentemente, misturavam-se às palavras santas os contínuos soluços do celebrante. Dir-se-ia uma Missa nas catacumbas antes da prisão e do martírio. Como se comovia naqueles momentos inesquecíveis a alma do pequeno Vianney! De joelhos, entre a mãe e as irmãs, orava como um anjo e chorava por ouvir chorar. Além disso, com que atenção escutava, sem compreender tudo, os graves ensinamentos daquele proscrito que arriscava a vida por amor às almas. Não teria sido naquelas reuniões noturnas que ouvira, pela primeira vez, o chamado ao Sacerdócio?


* * * 

Mártires da Revolução:
as Carmelitas de Compeigne 
aqui e aqui
1793. O Terror. Em Lion corria o sangue. Na Praça dos Terrores, a guilhotina não descansava. O procônsul Chalier[5] havia inscrito 20 mil lioneses nas suas listas de proscrição. Uma revolta popular, chefiada por De Précy[6], fez subir ao cadafalso o próprio proscritor. Os católicos se limitavam a esperar, quando um exército da Convenção, sob o comando de Couthon e Dubois-Crance, pôs sítio à cidade. De 8 de agosto a 9 de outubro, De Précy resistiu valentemente e não se rendeu a não ser pela fome. O pequeno de 7 anos não se podia dar conta exata de tais acontecimentos. Do campo da casa paterna, ouvia-se muito bem o ruído do combate. Dubois-Crance estava acampado nos arredores de Limonet, alguns quilômetros ao norte de Dardilly, e os soldados da Revolução passavam de contínuo pelo povoado. Mas os ruídos da guerra inquietavam menos ao piedoso menino do que o obstinado silêncio dos sinos.

A igreja continuava fechada. Pelos caminhos não havia mais do que os pedestais dos cruzeiros: de Lion vieram homens para derrubar as cruzes (Fouché, por decreto de 8 de novembro de 1793, ordenou que fossem destruídos todos os sinais religiosos que se encontrassem nas estradas, nas praças e nos edifícios de Lion). Em casa era necessário esconder cuidadosamente os crucifixos e as imagens religiosas. Somente nos verdadeiros fiéis, o santuário dos corações permanecia inviolado. João Maria não se desfez da sua pequena imagem da Virgem; guardou-a com mais precaução do que nunca, levando-a ao campo num bolsinho do casaco. (…)


CAPITULO III – A ESCOLA, A PRIMEIRA CONFISSÃO, A PRIMEIRA COMUNHÃO (1794- 1799)

As lições do cidadão Dumas – Um aluno exemplar – Os padres missionários: Groboz e Balley – A primeira confissão de João Maria Vianney – Em Ecully, na granja de “Point-du-Jour” – A primeira comunhão de um santinho.

A julgar por diversos acontecimentos de sua infância, João Maria chegou ao uso da razão muito cedo. Estava longe de ser um tardio[7]. Apesar disso, fora das coisas de religião, com a idade de 9 anos, ignorava quase todas as disciplinas profanas. A irmã mais velha, Catarina, ensinou-lhe o que sabia, conseguindo ele desse modo soletrar um livro de orações. Era, pois, chegado o tempo de frequentar a escola. Infelizmente, porém, esta não existia em Dardilly.

A lei de 19 de dezembro de 1793 (29 frimaire, ano II) dispunha que, todas as crianças de 6 a 10 anos, deveriam frequentar as escolas públicas durante três anos consecutivos, sob pena de os pais incorrerem numa multa equivalente à quarta parte de seus haveres. A instrução seria comum para todos, e para todos obrigatória[8]. Dessa maneira julgavam os revolucionários que tal lei se estenderia até à última das mais ignoradas aldeias. Sonho irrealizável, pois que a Revolução suprimiu as fontes de ensino. “O ensino é livre”, proclamava no primeiro artigo a lei de 29 do “frimário” (3° mês do calendário republicano). Mas ninguém podia ensinar a não ser que tivesse prestado o juramento e obtido o atestado de civismo. Nenhum membro das congregações religiosas, nenhum sacerdote, poderia ser escolhido como professor.

De mais a mais, havia insuficiência de professores jacobinos. A pequena escola de Dardilly, regida até 1791 por um bom cristão, foi fechada, não sendo mais reaberta. Até no domínio da instrução infantil, a queda de Robespierre[9] (27 de julho de 1794), provocou uma forte reação. A Convenção, abolindo o juramento de civismo exigido dos professores, reconheceu o direito a todo o cidadão de ensinar (17 de novembro de 1794).

Graças a essa tolerância, no começo de 1795, o “cidadão” Dumas abriu uma escola em Dardilly. Era na estação invernosa, época em que as crianças não estavam ocupadas nos serviços do campo; o novo professor, aliás um bom cristão, viu afluírem alunos em número regular. Ensinava, além de ler e escrever, contas, história e geografia. João Maria começou a distinguir-se pelo comportamento e aplicação[10]. “O senhor Dumas”, dizia Margarida, “estava muito satisfeito com o pequeno, dizendo muitas vezes aos outros: ‘Ah! se vocês se portassem como o Vianneyzinho!’.” Deveras, os progressos do pequeno deveriam ter sido muito notáveis, pois vê-lo-emos, nos serões de inverno, ler o Catecismo, ensiná-lo a Gothon, a irmã menor, ou ainda ler em voz alta a vida dos santos, escutada religiosamente pela família e pelos pobres.


* * *


Infelizmente, a igreja continuava fechada. Houve certo momento de esperança com a morte de Robespierre. A perseguição perdeu muito de sua violência. O decreto do ventoso (3 ventoso, ano III; 21 de fevereiro de 1795) ab-rogava o culto do “Ser Supremo”, inaugurado pela Convenção, e suprimia a Constituição Civil do Clero. Mas, depois destes meses (em 30 de maio), novo decreto dispunha “que ninguém poderia desempenhar o ministério de algum culto religioso (nas igrejas que ainda poderiam ser abertas) a não ser que antes disso fizesse ato de submissão às leis da República”.

O velho cura de Dardilly, Pe. Rey, não havia aparecido, nem outro sacerdote não juramentado, para tomar conta da paróquia.

A família Vianney, que não simpatizava com nenhum padre sujeito ao decreto de 30 de maio, continuava a ouvir a Missa em casas particulares.

Até o fim de 1794, os padres católicos que permaneceram na comarca de Lion não chegavam a trinta. Apesar da pena de morte, asseguravam o serviço religioso, ainda que sem ordem nem continuidade, ora aqui, ora acolá, por não lhes ser possível fixar residência. A França convertera-se em terra de missão e, mesmo, em algo pior. Não obstante, fazia-se sentir a necessidade duma ação organizada[11]. Se Monsenhor de Marbeuf achou que era seu dever emigrar, o vigário geral, Pe. Linsolas, disfarçando-se, não abandonou a cidade. No começo de 1794, dividiu a paróquia em grupos paroquiais, e, para cada grupo, designou missionários, coadjuvados por catequistas leigos. Ecully ficou sendo um centro missionário, ao qual pertencia Dardilly. Conservam-se os nomes dos confessores da fé que exerceram naquela região tão heroico ministério. Foram, em primeiro lugar, dois sacerdotes sulpicianos[12], Pe. Royer e Pe. Chaillon, antigos dirigentes do Seminário Maior; depois, um religioso, arrancado do seu convento pela tempestade revolucionária, o Pe. Carlos Balley, a quem teremos ocasião de ir conhecendo no decurso deste livro. Enfim, o Pe. roboz, cura da paróquia de Sainte-Croix, que, tendo fugido para a Itália, transpôs novamente os Alpes para substituir, de algum modo, a tantos colegas condenados à morte. Esses quatro padres viviam separados, dispersos em Ecully. Por motivo de precaução, adotaram um ofício que, aliás, exerciam bem pouco. Sabemos que o Pe. Balley trabalhava de marceneiro e o Pe. Groboz, de cozinheiro. As ferramentas e utensílios que carregavam davam-lhes certa aparência diante do povo, e eram explicação suficiente de suas idas e vindas. Não saíam quase, a não ser ao cair da tarde, indo por caminhos esquivos ao lugar combinado, onde diziam Missa.

Com que respeito João Maria contemplava no altar aqueles homens envelhecidos antes do tempo, que traziam no semblante os sinais de tantas fadigas e de tantas privações suportadas pelas almas[13]! A eles mesmos chamou a atenção aquele menino de límpidos olhares, que orava com tanto recolhimento e com tanto fervor. Certo dia, no ano de 1797, o Pe. Groboz passou por Dardilly e visitou a casa dos Vianney. Abençoou as crianças uma após outra. Perguntou a João Maria:

- “Quantos anos tens?
- Onze anos.
- Desde quando não te confessas?
- Eu nunca me confessei, replicou todo admirado.
- Pois façamo-lo agora mesmo!”.

João Maria ficou a sós com o padre e começou a sua primeira confissão. “Sempre me lembro dela”, dizia mais tarde, “foi em casa ao pé do relógio”. De que pecados se poderia ter acusado? É de crer que a perfeita candura daquela alma de criança maravilhou o sacerdote que Deus enviara para receber suas confidências. Foi para o sacerdote uma revelação. Era necessária para aquela criança uma instrução religiosa mais completa. Poderia encontrá-la com as damas catequistas instaladas secretamente em Ecully. Não custou muito ao Pe. Groboz convencer os pais. João Vianney não poderia, pois, ficar por alguns meses, em casa de Margarida Beluse, irmã de sua mãe, casada com Francisco Humbert?


* * *

(…)

Duas religiosas de São Carlos, as irmãs Combes e Deville, cujo convento não existia mais, encontraram refúgio em Dardilly. Os missionários confiaram-lhes a delicada tarefa de prepararem as crianças para a primeira comunhão.

João Maria foi instruído por elas juntamente com outros quinze. O grande dia foi precedido por um retiro. Durante esse tempo, o jovem Vianney parecia todo abismado em Deus. “Já naquela idade”, disse mais tarde Fleury Véricel, de Dardilly, “nós o olhávamos como a um santinho. Rezava, rezava e não se comprazia em outra coisa.” “Vede”, diziam os camaradas, dando-lhe um apelido que por certo provinha da família de Mateus Vianney, “vede o pequeno ‘Gorducho’ que faz concorrência ao seu Anjo da guarda”.

Estamos no ano de 1799, “durante o segundo Terror[14]“ (Expressão de Madalena Scipiot[15], mulher de Mandy, falando no Processo Apostólico in genere, p. 258, da primeira Comunhão de João Maria Vianney), no tempo em que se corta o feno. A indecisão que havia seguido à queda de Robespierre não durou muito; os católicos ainda continuavam a ser perseguidos; os padres morriam às centenas; eram deportados para as Guianas, internados nos pontões de Rochefort, de Ré ou de Oléron. O Papa Pio VI, ancião de 82 anos, estava prisioneiro da Revolução (Pio VI morreu em Valença, aos 28 de outubro de 1799, pronunciando palavras de perdão). O calendário republicano continuava a vigorar, e a “década” substituía o “domingo”. As nossas belas festas religiosas, tão consoladoras para o povo, permaneciam proscritas e tentava-se substituí-las por ridículas cerimônias (Celebrou-se a Teantropofilia de Chemin-Dupontes e depois a Teofilantropia de Larenvellière-Lepaux).

Era, pois, ainda necessário esconder-se para orar a Deus. Em Ecully, a casa da família de Pingon, possuía vastas dependências. Foi esse o lugar escolhido pelos padres Groboz e Balley para celebrarem a “festa das crianças”, festa celestial e esplendorosa, radiante de luz em tempos pacíficos, mas que o povo ignorava naquele fim de primavera. De manhãzinha, os 16 meninos de Dardilly que iam comungar foram conduzidos separadamente, em trajes ordinários, para uma grande sala, cujas portas e janelas estavam bem fechadas, pois os meninos tinham cada um sua modesta vela, e não convinha que fossem vistos de fora. Para maior precaução, puseram diante das janelas algumas carretas cheias de capim, e durante a cerimônia, para dissimular melhor, vários homens se ocupavam em descarregá-las. As mães levaram com muito cuidado, sob os chalés, os véus e os laços brancos. Cada qual aprontava o próprio filho para a visita divina. João Maria contava treze anos completos. Alma de um senso espiritual já mui apurado, podia bem apreciar o dom que acabava de receber. Tinha fome de Cristo, e as tristes circunstâncias haviam tornado ainda mais distante aquele dia.

Recebeu a Eucaristia com o coração cheio de fé, desejo e grande amor: “Eu estava presente”, contava Margarida Vianney. “Meu irmão achava-se tão contente que não queria mais sair do lugar onde teve a felicidade de comungar pela primeira vez”. Sem dúvida, havia muito, viviam no seu interior aquelas palavras que haveriam de sair tão ardentes de seus lábios sacerdotais: “Quando a gente comunga, sente algo de extraordinário… um gozo…uma suavidade… um bem-estar que corre por todo o corpo e o faz estremecer… somos obrigados a dizer como São João: ‘Eis o Senhor!’ …Oh! meu Deus, que alegria para um cristão que, se levantando da mesa sagrada, vai com todo o céu no coração”.

Mais tarde, não falava de sua primeira comunhão sem verter lágrimas de felicidade. Passados 50 anos, mostrava aos meninos de Ars o modesto rosário de neo-comungante, exortando-os a conservarem cuidadosamente os seus como lembrança preciosa.

No mesmo dia, voltou com os pais para Dardilly. Passara o tempo da infância e o tempo dos estudos. Ainda que crescesse lentamente, era forte para sua idade. Os trabalhos caseiros da granja e do campo já o reclamavam. Desde então, embalsamou mais do que nunca a casa paterna com o perfume de suas virtudes. O aspecto franco, a atenciosa afabilidade que o levava a saudar cortesmente a todo o mundo, acabaram por ganhar-lhe os corações de todos.

Fim dos extratos dos capítulos II e III.

Do livro do Cônego Francis Trochu (editado na França em 1925) – Tradução da Editora Vozes – 1960 – IIª edição – Extratos





[1] Honoré Gabriel Riqueti, conde de Mirabeau (1749-1791) foi um jornalista, escritor, político e orador parlamentar francês. Foi ativista e teórico da “Revolução Francesa”, fez parte do “Clube dos Trinta”, destacando-se pela sua retórica que lhe valeu o epíteto de “L’orateur du peuple” (O orador do povo). Foi um aventureiro, teve uma vida que incluiu uma curta passagem pela diplomacia, em parte como agente secreto, e múltiplas passagens pela prisão e pelo exílio; sua vida amorosa foi escandalosa. Era maçom e teve um papel relevante na “Revolução Francesa”, durante a fase inicial, da qual foi um dos “moderados” que pretendia a transição para uma Monarquia Constitucional. A sua morte foi um dos pretextos que precipitou a queda da Monarquia francesa.
[2] Este termo faz referencia ao clube francês dos jacobinos, que não deve ser confundido com os jacobinos ingleses. Os jacobinos foram os mais radicais partidários da Revolução de 1789, que, apesar de liderarem a França apenas por um ano, entre 1793 e 1794, deixaram uma marca sanguinária que espantou o mundo. Procuraram conciliar a “democracia de massas” com uma direção política centralizada, tirânica; o “voto universal” com a decisão única, a “virtude republicana coletiva” com o cultivo do talento privado. Foram apontados como o primeiro grupo revolucionário moderno, inspirador de uma série de outros movimentos do seu tempo, estendo sua influência e exemplo até aos bolcheviques russos de 1917, e alcançando os dias de hoje, nos movimentos marxistas que estremecem o Ocidente. Seguiam o Jacobinismo, corrente de pensamento republicana e laicista de extrema-esquerda. Assim, o jacobino era o “defensor de opiniões revolucionárias extremistas” dessa mesma linha política social e económica. O termo jacobino veio do “Clube Jacobino”, que deve seu nome ao Convento dos Jacobinos, onde se instalou em 1789. A palavra designava os Dominicanos, após a instalação de seu convento principal na Rua Saint-Jacques (Jacques = jacobus em latim).
[3] Aqui não se refere à Santa Missa, que é sacrifício e não banquete. Para uma criança, partir noite adentro para ir à Missa, era uma festa.
[4] Pedra, comumente de mármore, que encerra dentro de si relíquias de santos mártires, recordando o costume primitivo cristão de celebrar o Santo Sacrifício sobre o túmulo dos mártires e suas preciosas relíquias.
[5] Marie Joseph Chalier, (1747-1793) foi um ex-padre e revolucionário francês, cuja execução na guilhotina levou a Convenção a decretar a destruição daquela cidade. No patíbulo Chalier profetiza: “Minha morte custará caro a esta cidade!” Mas a guilhotina, quer pela falta de uso, quer pela inabilidade de seus manejadores, não funciona como devido: por uma, duas, três vezes desce a lâmina sobre o pescoço de Chalier, sem contudo cortá-lo: seu corpo algemado se contorce, banhado em sangue, até que o carrasco usa um sabre para concluir a decapitação, para horror do povo que a tudo assistia. À notícia desses eventos a Convenção decreta o cerco e destruição da cidade, elevando Chalier ao status de Mártir da República, ao lado de Saint-Fargeau e de Marat. Esta execução foi o estopim da Revolta lionesa contra a Convenção,3 e Chalier seria vingado com a destruição de Lião por Collot d’Herbois e Joseph Fouché.
[6] Louis François Perrin (1742-1820), conde de Précy e general francês. Tenente Coronel da Guarda do Rei Constitucional, organizou a defesa de Lion durante o sítio da cidade em agosto de 1793, contra o exército da Convenção.
[7] “Tardio”, aqui no sentido de “lerdo”. Alguns insanos tratam São João Maria Vianney como “oligofrênico”. Caluniadores obtusos, esquecem que, se fosse retardado, não poderia ser ordenado. Certamente, não seria um santo.
[8] Aqui já se vê que os ímpios sempre usaram o ensino obrigatório para doutrinar as crianças.
[9] Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (1758-1794) foi um advogado e político francês, foi uma das personalidades mais importantes da “Revolução Francesa”. Principal membro dos “Montanha” durante a Convenção, ele encarnou a tendência mais radical da Revolução, transformando-se numa das personagens mais controversas deste período. Enquanto os amigos o chamavam de “O Incorruptível”, os seus inimigos o chamavam de “Candeia de Arras”, “Tirano” e “Ditador sanguinário”.
[10] Coisa assaz difícil a um oligofrênico. Vê-se, pois, que não passa de abjeta calúnia.
[11] Dai porque é necessário organizar a Resistência Católica.
[12] Os padres sulpicianos pertencem à “Companhia dos Padres de São Sulpício”, que foi fundada em 29 de dezembro de 1641 pelo Pe. Jean-Jacques Olier, o futuro pároco da paróquia de São Sulpício, em Paris, para a realização de duas obras: “a renovação da Igreja em seus bairros e o estabelecimento de uma nova igreja no Canadá, onde será construída uma cidade cristã, uma obra de grande importância” (Dominique Deslandres, John A. Dickinson e Ollivier Hubert, Os Sulpicianos de Montreal. Uma história de poder e de discrição 1657-2007 [Les Sulpiciens de Montréal. Une histoire de pouvoir et de distrétion 1657-2007], Montreal, Editions Fides, 2007, p. 30).
[13] E pensar que há tantos padres que preferem a cama confortável e o prato quente!!!
[14] Na “Revolução Francesa”, o “Período do Terror”, ou simplesmente “O Terror”, foi um período compreendido entre agosto de 1792 (queda dos girondinos) e 27 de julho de 1794 (prisão de Robespierre, ex-líder dos Jacobinos).
[15] Madalena Scipiot-Mandy, filha de Edemo, que prestou testemunho no processo apostólico in genere.

  
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