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terça-feira, 24 de maio de 2011

O elogio involuntário ao Mosenhor Lefebvre por um padre modernista

Para Ecône! Para o mundo! Para a glória!

Nas livrarias francesas, atualmente, pode-se encontrar um livro muito interessante e explicativo, é o trabalho realizado por Don Philippe Béguerie, intitulado Vers Écône. Mgr Lefebvre et les Pères du Saint-Esprit. Chronique des événements 1960-1968 (Desclée de Brouwer, Parigi 2010, € 36,00), ou seja, Rumo a Écone. Monsenhor Lefebvre e os Padres do Espírito Santo. Crônica dos eventos 1960-1968. A originalidade do livro se deve não tanto aos acontecimentos narrados, que já eram suficientemente conhecidos, quanto ao fato de que o autor, em uma tentativa de “fazer a ‘exegese’ do pensamento de Marcel Lefebvre” (1), com intuito de crítica e controvérsia, acaba enfatizando, contra sua vontade, tanto a coerência de pensamento e de ação do prelado francês, quanto o efervescente clima existente em muitos ambientes e institutos religiosos católicos mesmo antes da convocação do Concílio Vaticano II. Pode-se, então, respirar todo o sibilante vento da rebelião a métodos considerados já ultrapassados e antigos, chatos e superados, que deviam ser substituídos por regras e políticas, usos e costumes em sintonia com a modernidade. Essas aspirações já haviam penetrado, como dissemos antes, em muitas instituições religiosas e até mesmo na Congregação dos Padres do Espírito Santo.
Esses sistemas, que até então haviam garantido a ordem de ideias e de práticas, pareciam não ser mais adequados à mentalidade autoproclamada moderna das almas mais inovadoras, mesmo dentro da Igreja. Parecia que se estava às vésperas do triunfo — mesmo dentro dos Edifícios Sagrados — daquela modernidade contra a qual Papas e santos haviam se levantado por mais de um século e meio e que agora infectava as consciências com o liberalismo, o positivismo, o subjetivismo e modernismo (a perigosa e perniciosa tentativa de casar a Igreja com o mundo). Diante de tais revoltas e subversões, Dom Marcel Lefebvre (1905-1991) reagiu de imediato, primeiro em África, como arcebispo de Dakar, em seguida como candidato a diretor do Instituto do Espírito Santo e, finalmente, como superior geral da própria congregação missionária.
Foi assim que Lefebvre se expôs imediatamente, sem prudência por si mesmo e indiferente a qualquer tipo de prejuízo à sua carreira eclesiástica, isso aconteceu desde a mudança de direção da Igreja sob o Papa João XXIII (1958-1963; Angelo Roncalli 1881-1963), que não deixou de deixar-lhe claros, pessoalmente, os riscos que enfrentava. O Bispo intervinha com vigor e determinação, com as palavras, os escritos, os artigos... Mas aquela força e aquela consistência incomodavam extremamente: “C’est la méthode Lefebvre!” (2), isto é, um método “politicamente incorreto”, certamente não “fashion” e imune a qualquer tipo de compromisso; em suma, poder-se-ia dizer, em síntese, punível e punido por “excesso de fé”, como disse o Cardeal Silvio Angelo Pio Oddi (1910-2001).

As ameaças modernas

Numa época em que a intelectualidade secular, e até mesmo a católica, do mundo ocidental começava “flertar” com o inimigo comunista, em nome de uma suposta semelhança de valores humanos e de serviço ao homem, Monsenhor Lefebvre, apoiando-se na ininterrupta condenação da Esposa de Cristo ao materialismo ateu e ao Comunismo, em todas as suas formas — condenação confirmada por último pelo decreto de excomunhão dos seguidores desta perversa doutrina, emitido pelo Santo Ofício em 01 de julho de 1949, por ordem de Pio XII (1939-1958; Eugenio Pacelli,1876-1958) —, deixou claro, na carta pastoral que escreveu em 08 de fevereiro de 1950, que o citado decreto não era de ordem política e nem social, mas religiosa, e enfatizou como o Comunismo “se baseia sobre uma doutrina materialista e anticristã” (3).
Monsenhor Lefebvre vê as ameaças do subjetivismo e do relativismo em todos os campos, inclusive o religioso, especialmente quando os princípios libero-democráticos são transferidos da esfera política para a metafísica: “É hora de entender que essa Idade deverá ter uma forte autoridade para defender a verdadeira liberdade e interditar os fautores da desordem. A autoridade e a verdadeira liberdade são complementares e não contrárias”, além disso, “o comunismo dos jovens governos” africanos, sob a égide de uma democracia, escondem “a demagogia e a anarquia” (4), assim escreve em um artigo do jornal “Le Devoir”, em 18 de dezembro de 1959, intitulado “Les États chrétiens vont-ils l’Afrique noire à l’Étoile?”.
Estes foram anos cruciais, tanto para a agitação cultural da civilização ocidental, ansiosa de jogar fora valores e princípios considerados vestígios de um passado que deve ser esquecido ou, até mesmo, destruído, quanto para os eventos que afetaram diretamente a Igreja, a qual estaria pronta, segundo João XXIII, para abrir, com a euforia e entusiasmo típicos dos anos sessenta, as portas para o mundo moderno. Eis que, então, no XXI Concílio (1962-1965), problemático em seu desenvolvimento e em suas consequências, confluíram todas as instâncias do mundo contemporâneo: ele foi encoberto por uma filosofia e uma teologia que haviam colocado uma ruptura com a Tradição, com o fim de oferecer ao mundo, com fórmulas otimistas e, às vezes, ilusórias, uma nova maquiagem à Igreja, mais atraente e viável, de acordo com novos critérios e gostos da cultura da época. O Concílio Vaticano II, em última análise, seria um novo Pentecostes (5). Aquela problemática inerente à Assise pastorale [algo como uma Suprema Corte Pastoral – nota da tradutora] ainda hoje não foi resolvida, conforme demonstrado por estudos, livros, teses de láurea, mesas redondas, conferências... “Ao contrário dos Concílios anteriores, o Vaticano II coloca, no entanto, aos historiadores um novo problema. Os Concílios exercitam, sob e com o Papa, um solene Magistério, em matéria de fé e de moral, e se colocam como supremos juízes e legisladores, no que respeita o direito da Igreja. O Concílio Vaticano II não emanou leis e nem deliberou em modo definitivo sobre questões de fé e moral. A falta de definições dogmáticas, inevitavelmente, abriu a discussão sobre a natureza dos documentos e sobre o modo de sua execução, no período do chamado “pós-concílio”. O problema da relação entre o Concílio e o “pós-concílio” está, portanto, no centro do debate hermenêutico em curso” (6).

Superior dos Espiritanos.

O livro de Dom Béguerie traz luz sobre um período ainda pouco examinado da vida de Monsenhor Marcel Lefebvre, quando o Bispo francês se tornou, de 1962 a 1968, superior da Congregação Missionária do Espírito Santo, e quando o autor preparou um dossiê próprio sobre Monsenhor tão discutido por sua fidelidade à Igreja de sempre, e, portanto, sobre sua “intransigência”, de um espírito todo paulino (como irá demonstrar a própria inscrição que o Bispo francês desejou ter em seu túmulo: “Tradidi quod et accepi”, “Vos transmiti o que eu recebi” 1 Coríntios 11,23), com a finalidade de impedir sua eleição como Superior Geral dos Espiritanos. Ocorre esclarecer que Béguerie é um sacerdote que já foi membro da Congregação do Espírito Santo, mas acabou saindo em 1963 porque um nítido contraste com o entendimento de seu superior, Monsenhor Lefebvre, e foi incardinado na Arquidiocese de Paris como padre secular, ocupando-se com teologia, com um enfoque de cunho claramente progressista. O ex-espiritano recuperou hoje nos arquivos da congregação, fundada em 1703, em Rennes, por Claude-François Poullart des Places (1679-1709), e fundida (1848) com o Instituto do Coração Imaculado de Maria, de François Libermann (1802 -1852), importantes documentos, onde emerge o pensamento de Monsenhor Lefebvre, antes da grande aventura de Ecône.
Dos estudos de padre Béguerie resulta, de maneira impressionante, como o enfoque de Monsenhor Lefebvre manteve-se constante ao longo do tempo: antes, durante e depois do Concílio. Isto é particularmente relevante, até porque provem de um autor absolutamente hostil ao prelado francês, enquanto desmente, vividamente, a imagem de um Bispo que leva ao extremo, progressivamente, as próprias posições com o passar do tempo. Esta verdadeira caricatura de Monsenhor Lefebvre destinava-se a insinuar como as suas posições mais recentes poderiam ter sido ditadas por uma fraqueza mental e de caráter devida ao envelhecimento e à submissão diante das pressões de seus seguidores.
Não teria havido, obviamente, necessidade da obra de padre Béguerie se a calúnia acima não tivesse assumido, como na famosa ária do Barbiere di Siviglia, de Gioacchino Rossini (1792-1868), as dimensões de “tiro de canhão” ou, neste caso, uma verdadeira saraivada de artilharia. Mas de qualquer maneira: a Graça divina faz uso dos meios mais inesperados para fazer triunfar a verdade sobre a mentira, e, como diz um adágio popular antigo, “o tempo é um cavalheiro”, mesmo que, às vezes, demore muito.
O texto é dividido em cinco partes, cada qual acompanhada de documentos inéditos compilados pelo próprio Monsenhor Lefebvre: Ao todo, 53 atos.
Em 1961, a congregação dos Espiritanos, cujo seminário ainda está em Chevilly, nos arredores de Paris, tinha 3.381 religiosos sacerdotes, com 46 bispos, convocados ao Concílio Vaticano II. Do livro emerge claramente que, antes do Concílio, Monsenhor Lefebvre era considerado um modelo a ser seguido, seja como sacerdote, seja como membro da Congregação do Espírito Santo e, finalmente, como Bispo, tanto que se tornou um dos homens de Igreja mais respeitados pelo Papa Pio XII que o nomeou, além de Arcebispo de Dakar, no Senegal, também Delegado Apostólico de toda a África francófona.

A importância da batina

Decididamente significativa é a carta, datada de 11 de fevereiro de 1963, na Festa de Nossa Senhora de Lourdes, que Monsenhor Lefebvre escreveu aos “Mes chers confrères” sobre a batina. Nela se vê todo o significado que adquire o uniforme de quem escolheu o caminho de e por de Deus:
“As medidas tomadas por certo número de bispos de diversos Países acerca do hábito eclesiástico merecem alguma reflexão, porque isto pode ter consequências não indiferentes. De per si, o uso da batina ou do clergyman só faz sentido na medida em que tal veste assinala uma distinção em relação à veste secular. Não se trata apenas de uma questão de decência. Além disso, se o clergyman mostra certa austeridade e discrição, imagine, então, a batina” (7). O hábito é a manifestação visível do desapego das vaidades deste mundo, e o superior da congregação insiste sobre esse aspecto, porque é a marca registrada do sacerdote ou do religioso “da mesma forma que dos militares, dos agentes de polícia ou de tráfego. Esta ideia se manifesta em todas as religiões. O líder religioso é facilmente reconhecível pelo seu uniforme, geralmente por seus seguidores. Os fiéis atribuem grande importância a esta marca de distinção [...]. O sentimento muito legítimo dos fiéis é, em particular, o respeito do sagrado e, a mais, o desejo de receber as bênçãos do céu, em todas as ocasiões legítimas, por parte daqueles que são seus ministros. De fato, o clergyman até agora parecia ser o uniforme que designava uma pessoa consagrada a Deus, mas com o mínimo de distinção visível, especialmente nos Países onde este hábito corresponde exatamente ao de um leigo [...]. A batina do padre atinge estes dois objetivos de maneira clara e inequívoca: o padre está no mundo sem ser do mundo, ele se distingue de todos os viventes, e ele é, além de tudo, protegido de qualquer mal. Eu não vos peço que os tirais do mundo mas que vós OS PRESERVAIS DO MAL, porque eles não são do mundo, como eu não o sou mais (João 17,15-16)” (8).
O clergyman não é adequado para o fim, uma vez que imita o hábito usado pelos pastores protestantes e pode ser usado também por leigos. Aqui Monsenhor Lefebvre demonstra toda a sua abertura intelectual e cultural e toda a indiferença que o católico deve ter em relação aos recursos materiais, mesmo que bons e eficazes. Ele não contesta a possibilidade de uma mudança no uniforme do sacerdote, desde que o novo traje tenha a mesma eficácia do precedente no distinguir o ordenado do leigo e, portanto, de preservar e defender o padre das insidias do mundo, além de facilitar o apostolado, com a constante lembrança aos fiéis. O problema do clergyman reside no propósito da mudança: pretende-se aproximar o padre católico do pastor protestante e, portanto, incentivar a sua laicização. Então, é evidente que a oposição não está vinculada a uma questão estética e nem mesmo de decência, mas a uma importante questão doutrinária, ou seja, à reafirmação do caráter sagrado que o sacramento da ordem imprime ao sacerdote.
Quanto à eliminação de qualquer específico hábito para o padre, isso apaga toda diferença, tornando cumprida a homologação visual do sacerdote com o leigo, ou seja, a sua laicização; aumenta, portanto, as dificuldades do apostolado e diminui as defesas do padre em relação ao mundo. É evidente que tal mudança é ditada pelo menosprezo e pelo desrespeito da condição sacerdotal; condição de que se envergonhar, a ponto de escondê-la.
O documento termina com algumas diretrizes práticas sobre o tema, entre as quais a obrigatoriedade do hábito religioso, seja dentro que fora da residência da comunidade. As divergências foram tantas; as divergências que levarão, assim que possível, a enterrar, com satisfação, em muitos jardins de seminários e conventos, as sacras vestes sacerdotais.

O confinamento em Tulle

A estima e a admiração em relação a Monsenhor Lefebvre sofrem uma abrupta inversão de direção quando sobe ao Trono Pontifício João XXIII. Em 7 de maio de 1961, em uma audiência de hora de duração, o Papa o repreende e o adverte:
“Veja que quando era professor de Sagrada Escritura em Bergamo, eu defendi a tese de Padre Lagrange e fui marcado com o rótulo de “modernista”; isso me prejudicou a vida toda. Eu vi meu fascículo e li “tendência modernista”; eu não sou modernista! Por essa razão, nunca fui chamado a Roma, sempre me mantiveram longe da Cúria Romana porque eu era — diziam — modernista. Portanto, tenha cuidado em não vos cravar, sozinho, e claramente, o rótulo de conservador” (9).
As vozes circulavam: Lefebvre tinha uma “má” fama entre os bispos franceses, que o temia e o detestavam: a sua seriedade, sua correção, seu rigor doutrinal os assustava... A punição não demorou a vir: em 23 de janeiro de 1962 foi relegado como Bispo, embora Arcebispo, da pequena diocese francesa de Tulle. Coisa decisivamente grave, não apenas porque de uma jurisdição de uma diocese enorme passava para um minúsculo território, mas porque o fato aconteceu antes da criação da Conferência dos Bispos, portanto, sendo a chefia da Igreja francesa exercitada pela Assembleia dos cardeais e arcebispos, é evidente que ele foi categoricamente excluído dela, mesmo tendo os títulos para dela participar.
Do livro que Béguerie escreveu emerge, graças exatamente aos documentos originais transcritos, a figura de um sacerdote e de um superior que permaneceu fiel, com coragem e abnegação, à doutrina de sempre, de um Bispo que foi atacado antes da abertura do Concílio Vaticano II, exatamente por suas ideias, totalmente católicas.
O dossiê Lefebvre foi aberto, portanto, logo quando da morte de Pio XII, e ele foi confinado em Tulle para ser silenciado: não era admissível deixar falar e agir este Bispo obstinadamente católico. Não lhe era perdoada a sua oposição às vanguardas teológicas, litúrgicas, pastorais e sociais. Além disso, quando estava ainda no Senegal, não lhe perdoaram sua aberta oposição à islamização da África, a qual, no entanto, haviam temido, já no século XIX, outras personalidades da Igreja, como, por exemplo, o missionário e Cardeal Guglielmo Massaja (1809-1889).
No artigo acima citado, do dia 2 de novembro de 1959, no jornal canadense “Le Devoir”, intitulado “Os estados cristãos entregaram a África à Estrela”, ele escreve: “São os Países de maioria muçulmana que se afastam mais rapidamente do Ocidente e apelam aos métodos comunistas.” O Islã é uma ameaça para os Países católicos: em 1959, declara, de fato, que “os métodos comuns [são] muito semelhantes aos do Islã: fanatismo, coletivismo, escravidão contra os fracos são a própria tradição do Islã” (10).
Leopold Sedar Senghor (1906-1959), um católico praticante, tornou-se em 1959 o presidente da Federação do Mali (Senegal e Sudão francês) e expôs a doutrina do chamado “caminho africano do socialismo”, um socialismo que deveria ser africanizado. Foi assim que, em 1960, o Arcebispo interveio escrevendo uma carta pastoral “Sobre o dever de viver segundo a verdade e de evitar equívocos.” O socialismo africano de Senghor era para o Arcebispo de Dakar uma contradição em termos: “Socialismo religioso, socialismo cristão são contradições: ninguém pode ser contemporaneamente um bom católico e um verdadeiro socialista” estava escrito na encíclica Quadragesimo anno (15 de maio de 1931) de Pio XI (1922-1939; Achille Ratti 1857-1939). Na carta pastoral, o prelado declarava que não basta professar Deus, ocorre reconhecer que o fundamento do direito é Deus e não o Estado, um Estado que suprime toda iniciativa privada, que a todos devora sob uma burocracia monstruosa e que se apropria das riquezas, da inteligência de empreendimento, da arte e da caridade para estatizá-las e esterilizá-las. Senghor enfureceu-se e convocou o Arcebispo, que declarou que ele não fazia nada mais do que repetir o que disseram os Papas sobre o Socialismo. Antepondo-se às disposições vaticanas, escreveu a Roma para pedir um coadjutor africano; mas não obteve qualquer resposta, e ficou claro para o Arcebispo que dele se esperavam somente sua demissão...
Outro “incidente diplomático” foi causado pela defesa de Monsenhor Lefebvre à Cité Catholique, a associação católica contrarrevolucionária liderada por Jean Ousset (1914-1994), mas combatida arduamente pelos bispos franceses de firme posição progressista. Muito bela e comovente a carta que Monsenhor Lefebvre escreveu de Paris, no dia 4 de março de 1962, ao diretor da Cité Catholique (11) para que sentisse toda sua proximidade contra uma campanha difamatória contra o jornal e onde mostrou sua satisfação com a admirável coragem de proclamar o espírito da Fé nas colunas de seu jornal; a carta termina assim: “finalmente, rezemos, queridos amigos, porque é a oração que vos dará as graças necessárias para continuar vosso trabalho magnífico realizado em um espírito sempre mais profundamente unido e submisso a Nossa Santa Mãe e Senhora, a Igreja católica e romana. Possam essas linhas levar-vos o testemunho e o conforto de minha respeitosa e profunda simpatia. Marcel Lefebvre, Arcebispo, bispo nomeado de Tulle” (12).

Permanecer firmes na Tradição

De notável interesse são também as cartas de pedido de exclaustração de alguns elementos refratários às diretrizes de Monsenhor Lefebvre, onde si evidencia a intolerância com a ordem e a obediência: “diante da evolução do mundo, a Igreja, através do seu Concílio nos convida a tomar uma atitude missionária muito mais aberta” (13), afirma, por exemplo, Bernard Foy, no dia 24 de fevereiro de 1964, em uma carta endereçada ao seu superior.
Para um retorno à autêntica formação sacerdotal e religiosa, para o superior dos Espiritanos eram fundamentais “o exercício das virtudes da obediência, da humildade, da simplicidade, da modéstia, que se desenvolvem sob a influência das virtudes teologais” (14), mas tudo isso vinha mefistofelicamente minado. Considerava essencial em um sacerdote a “piedade profunda, a vida de união com Deus, a estima pelos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, a devoção à Virgem Maria” (15), também sugeria manter “firmemente o uso da língua latina nas cerimônias” e que o “dia acabe com a oração das Completas e não com a televisão, que deverá ser limitada às notícias do dia” (16), também as saídas dos religiosos devem ser delimitadas... Mas estas normas, a esse ponto, eram verdadeiramente mal digeridas por um grupo substancioso de Espiritanos pretensiosos, instáveis e que avocavam usos negligentes.
Importantes, então, as suas considerações sobre a liturgia que ele faz na carta publicada no Boletim do Espiritanos, no número de março-abril de 1963, referindo-se explicitamente à primeira sessão do Concílio. Ele fala do caráter humano e divino da liturgia que vem expresso na linguagem universal da Igreja Católica, o latim. Na Santa Missa a lex orandi é espelho da lex credendi e “a língua única protege a expressão da fé, contra as adaptações linguísticas ao longo dos séculos e, consequentemente, a própria Fé” (17). Fim último da liturgia é a união entre Deus e a alma em oração, que bebe à fonte da vida; importante será, para manter esta união e, portanto, a sacralidade do rito, cujo fim é justamente aquele de ajudar a cada alma a encontrar-se diante de seu Criador e Salvador, a atmosfera e o contexto da celebração: “Por outro lado, a alma simples, pouco instruída, verdadeiramente cristã, encontrará a sua união com Deus tanto através de uma canto religiosos e celestial, quanto pelo ambiente geral da ação litúrgica, a piedade e o recolhimento do local, a sua beleza arquitetônica, o fervor da comunidade cristã, a nobreza e a devoção do celebrante, a decoração simbólica, o cheiro de incenso etc.” (18), é portanto, contrário “à própria finalidade da ação litúrgica, tender a exasperar a atenção para a compreensão dos textos de modo que se torne um obstáculo à união com Deus” (19).
O autor do Vers Écône — texto que contém um posfácio de Michel Florian, que afirma: “o testemunho de Padre Béguerie não é neutro” (20) — dedica o livro ao Padre Luís Ledit e com satisfação lhe dá o mérito de ter minado a autoridade de Monsenhor Lefebvre, impedindo assim que a Congregação do Espírito Santo se tornasse uma “armada de reconquista” (21), distante, portanto, “ dos grandes nomes da teologia, como de Lubac sj, Chenu op, Congar op, Lyonnet sj” (22), cujas doutrinas foram explicitamente condenadas pela encíclica de Pio XII, Humani generis, de 22 de agosto de 1950. Os livros da Nouvelle Théologie foram retirados, a pedido do Monsenhor Lefebvre, da Biblioteca do Seminário de Chevilly e contra tal decisão muitos Espiritanos reclamaram e se rebelaram.
Culpa-se Monsenhor Lefebvre de ter sido contrário aos “prêtres-ouvriers”, “bons” porque disponíveis ao diálogo, às atraentes seduções do mundo contemporâneo e dispostos a ouvir as razões dos “distantes”. O fato é que a intenção de Philippe Béguerie de desacreditar, com documentos na mão, a figura de Monsenhor Lefebvre se desfaz em pó e, ao contrário, oferece novas cartas vencedoras à figura irrepreensível e transparente de um pastor que consumiu toda a sua vida para a Igreja, para a proteção e defesa da sua plenitude e da sua integridade.


Cristina Siccardi


NOTAS
1 P. Béguerie, Vers Écône. Mgr Lefebvre et les Pères du Saint-Esprit. Chronique des événements 1960-1968, Desclée de Brouwer, Parigi 2010, p. 35.
2 Ibid., p. 53.
3 Ibid., p. 66.
4 Ibid., p. 73.
5 Cfr. R. de Mattei, Il Concilio Vaticano II. Una storia mai scritta, Lindau, Torino 2010, p. 11; cfr. anche J. Ratzinger, Les principes de la théologie catholique. Esquisse et matéraiux, tr. fr. Téqui, Parigi 1985, p. 410.
6 R. de Mattei, op. cit., p. 6.
7 P. Béguerie, Vers Écône. Mgr Lefebvre et les Pères du Saint-Esprit. Chronique des événements 1960-1968, Desclée de Brouwer, Parigi 2010, p. 215.
8 Idem.
9 Monsignor M. Lefebvre, conversazione con A. Cagnon; conversazione con Marziac, in P. J.-J. Marziac, Monseigneur Lefebvre, soleil levant ou couchant?, NEL 1979, I, p. 5
10 P. Béguerie, Vers Écône. Mgr Lefebvre et les Pères du Saint-Esprit. Chronique des événements 1960-1968, Desclée de Brouwer, Parigi 2010, pp. 71-72.
11 Ibid., pp. 110-113.
12 Ibid., p. 113.
13 Ibid., p. 207.
14 Ibid., p. 241.
15 Idem.
16 Idem.
17 Ibid., pp. 291-292.
18 Ibid., p. 292.
19 Idem.
20 Ibid., p. 471.
21 Ibid., p. 9.
22 Ibid., p. 27.

Tradução: Giulia d'Amore di Ugento