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terça-feira, 23 de abril de 2019

A VOCAÇÃO PARA UM ESTADO DE VIDA


A VOCAÇÃO PARA UM ESTADO DE VIDA



A vida é um grande campo para o qual Deus chama operários. Tem ela muitas quadras, diversas no tamanho e várias na qualidade. Cada cristão, ao nascer, recebe do Senhor uma nesga desse campo. Assim, pois, a leitora também há de ter a sua porção determinada. 

É quase infinita a variação quanto à qualidade e quanto à cultura do campo. Para uns o terreno é fértil, bem situado, favorecido com aguadas. Já outros o recebem arenoso, exposto aos ventos, ressecado. Uns têm a ordem de ará-lo, deitar-lhe a semente e depois esperar pacientemente pela colheita. Outros, porém, hão de convertê-lo, digamos, num pomar frondoso. Por fim, não faltam os que recebem a incumbência de formar um belo jardim sobre o campo entregue. Cada um recebe, pois, de Deus uma tarefa especial na vida, tem um estado de vida designado por Ele.

Nós conhecemos na vida três estados particulares e para um deles está destinada a leitora. Esses três estados formam a terceira vocação.              

O primeiro consiste no casamento. Em si, sob o ponto de vista religioso, está ele abaixo dos outros, mas é ao mesmo tempo o mais indispensável à obra de Deus. Sobejam vocações para o claustro e para a virgindade no mundo, porque, pelo casamento, há fiéis na Terra. Não deixa de ser nobre a vocação do casamento, já pelos deveres que impõe, como pelos heroísmos que exige e pelas virtudes que pode formar. Nobilíssima é a finalidade que Deus lhe deu: a de povoar o céu com os eleitos da graça.

Vem em seguida o celibato, que livra a criatura dos cuidados da família. Pode assim a moça consagrar-se ao serviço de Deus, à caridade para com o próximo, com um coração mais desafogado e mais leve. Também o celibato lhe põe, em geral, muito tempo à disposição e muitas forças às ordens.

O terceiro estado é o da religião. Por ele fica o cristão todo entregue a Deus, a cuja glória consagra seu espírito, seu coração, seu corpo e todos os instantes de sua vida. A vocação religiosa é mais nobre, tanto por suas grandezas como por seus benefícios. Acima dela só há o estado sacerdotal, como exigência da religião, como consequência do culto público devido ao Altíssimo. A estrada que a moça na vida religiosa trilha é a da perfeição, pela observância dos conselhos evangélicos.

Uma grande verdade vale a respeito destes estados. É que Deus tem para cada cristã uma escolha feita. Determina para cada uma o lugar, a vocação, o gênero de vida. Que assim seja no-lo garantem a sabedoria, a providência e a bondade de Deus. O Criador tem no Seu mundo uma ordem admirável. Para cada coisa reserva um lugar, e quer cada ser no seu posto. A harmonia desta ordem O preocupa, e na sua execução mete Deus Seu bondoso coração. Um grãozinho de areia no mar, a flor sorrindo numa rocha, o inseto que baila e zumbe aos raios do sol estão na Sua mente ordenadora. 

 
A música do mar e o murmúrio dos regatos, a luz cigana do vagalume e o clarão dos relâmpagos, tudo é objeto de Sua providência. Traçou para o infusório, na gota de água; para os astros, no firmamento, as órbitas que descrevem. Até nem cai de nossa cabeça sequer um cabelo sem que Ele o saiba e permita.  

Mas seria admissível numa tão vasta sabedoria ignorar por completo o lugar que uma cristã haja de ocupar na vida? Poderia a bondade divina entregar ao acaso aquilo que mais vivamente se prende à felicidade do homem e regula sua salvação eterna? Impossível. Mais do que a ave do céu, que o lírio do campo, é-Lhe a alma cristã objeto de amorosas providências. A ninguém confia Seu carinho paternal pela alma remida com as dores de Seu Filho na Cruz.

Vai uma comparação enriquecer a verdade. No corpo humano quis a sabedoria divina estabelecer uma ordem e harmonia admiráveis. Tudo aí está no seu lugar, com sua determinada função. É justamente com o Corpo Místico de Seu Filho, que é a Igreja, seria descuidado? Deixaria, pois, de marcar a cada cristão seu lugar e função? Contra tal hipótese protestam nossa razão e nossa fé.

Por sua vez, a ciência e o poder de Deus lhe asseguram a competência para marcar a vocação da cristã. Só Ele conhece perfeitamente nossa natureza, aptidões, inclinações, talentos e forças. Estão patentes a Seus olhos as disposições presentes e futuras de cada criatura. Dele é que podem vir os socorros, todas as necessárias graças para o fiel cumprimento dos deveres de estado. E, de fato, o bondoso Pai procede de acordo com Sua ciência. Chamando-nos a determinada feição de vida, prepara e destina as graças reclamadas pela vocação. Marcando o fim, oferece também os meios adequados; mostrando o caminho, aplaina as dificuldades.

Ao lado da razão vem a fé garantir a existência da vocação para cada cristã. "Cada um permaneça na vocação em que foi chamado" - eis a ordem de S. Paulo. E adiante o Apóstolo consagrado a Deus ajunta: "Porque o meu desejo é que todos sejais tais como eu mesmo; porém cada um tem de Deus seu dom próprio, um realmente de um modo e outro de outro" (1 Cor 7, 7).

Com grato coração creia, portanto, a leitora, estar sua vida sob os amorosos olhos de Deus. Já o Pai celeste lhe tem marcado um estado de vida e preparado as graças dos compromissos. Não fale em acaso num assunto de tanta importância. Se cada flor tem sua haste e perfume, cada estrela seu cantinho no céu, mais ainda "o encanto da casa" (assim Deus chama a moça) possui sua haste e seu luminoso cantinho na vida. 

Note-se também uma outra coisa. Não pertence aos pais ou aos diretores de consciência marcar o estado de vida de uma cristã. Deles pode servir-se o Senhor e geralmente o faz. Quer que os filhos consultem os pais, se orientem com esclarecidos diretores. Mas nunca consente neles o direito de arbitrariamente marcarem o estado de vida a seus tutelados. Pois nenhum deles pode dar os auxílios necessários para a vocação que impõem. Neste ponto tenha a leitora ideias claras e positivas. Embora acate e respeite a opinião, a experiência dos mais velhos, a autoridade paterna, conserve, todavia, bem claros os limites dos direitos de Deus. Pode ficar descansada. Está em muito boas mãos, em mui bondoso Coração a sorte da cristã. Pode ficar tranquila quanto aos dias venturosos dependentes da sua vocação. De fato, Deus tem páginas cheias de carinho usado na vida de seus servos e servas. As delicadezas paternas do Altíssimo repetem-se, clamam e comovem. 

O jovem Tobias precisava acertar com a vocação e com a escolha da noiva. Do Céu lhe vem um companheiro, o Arcanjo Rafael. O gesto de Rebeca, oferecendo água aos camelos de Eliezer, era a amável senha aceita por Deus para designar a esposa de Isaque.  

Outras vezes a criatura escolhe um estado e o Senhor a demove por várias circunstâncias. José Martin, moço esbelto, apresenta-se no mosteiro de São Bernardo. Quer ser monge. Mas o prior descobre a falta de um requisito muito simples: o moço não completara seus estudos de latim. Reenvia-o, portanto, ao mundo. Lá José desposa mais tarde a Zélia Guerin, moça que fora também pedir admissão no convento de religiosas, mas não obtivera seu intento. Era o amável desígnio de Deus, que destinara a ambos para autores da vida de Santa Teresinha. A missão de José e Zélia era muito diferente.

Aleixo não tinha intenções de casar-se. Instado pelos pais, reza muito, e por fim se resolve a atendê-los. O casamento foi realizado com a pompa conveniente ao filho de um senador riquíssimo. Na mesma tarde sentiu nosso jovem um impulso irresistível de abandonar sua esposa, os pais e a casa paterna. Procurou a esposa, fez-lhe presente de mui ricas joias, pedindo-lhe as aceitasse como penhor de seu amor a ela. Sem nada dizer a ninguém, abandona em seguida a casa e parte para a Síria. Após longos anos, regressa e vive durante 17 anos como pobre agasalhado na própria casa paterna, à vista dos pais e da esposa. Deus marcara para Aleixo vocação tão original e tão edificante.

O príncipe Eugênio de Savoia era piedosíssimo e seus pais queriam-no Sacerdote, consagrado a Deus. Mas o moço relutava contra tal intento, alegando sua inclinação e paixão pela vida militar. Segue-a e torna-se depois o célebre marechal esmagador dos turcos em Zenta, batalha que livrou a Cristandade.

Francisca Romana, às ocultas, nutria, como moça, a intenção de consagrar-se a Deus no convento. Mas o Senhor a queria primeiro esposa santa, depois mãe cristã e por fim religiosa virtuosa.

Na Escritura Deus chega mesmo a dizer que nos tomará sobre Seu ombro, como um pai toma seu filho para vencer qualquer dificuldade no caminho. Garante-nos que mandará em nossa frente seu Anjo para remover toda pedra de tropeço. Está claro que tais delicadezas são usadas com quem é também delicado para com Deus e atento às inspirações que d'Ele promanam.

Se a gentil leitora procura ser assim para com Deus, pode contar com igual proteção na escolha do estado. Do contrário, permite o Senhor que a “tal independente” faça lá suas experiências bem amargas e bem caras.


("Escolha do futuro", pelo Padre Geraldo Pires de Souza, 1946). 
   

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