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sábado, 20 de abril de 2019

RAINHA DOS MÁRTIRES




RAINHA DOS MÁRTIRES



Maria foi Rainha dos Mártires por causa da duração e intensidade de suas dores.

Quem poderia ouvir sem comoção a história mais triste que jamais houve no mundo? Uma nobre e santa Senhora tinha um único Filho, o mais amável que se possa imaginar. Era inocente, virtuoso e belo. Ternamente retribuía o amor de sua Mãe. Nunca lhe havia dado o mínimo desgosto, mas sempre lhe havia testemunhado todo respeito toda obediência, todo afeto. Nele, por isso, a Mãe tinha posto todo o seu amor, aqui na Terra. Ora, que aconteceu? Pela inveja de seus inimigos, foi esse Filho acusado injustamente. O juiz reconheceu, é verdade, a inocência do acusado e proclamou-a publicamente. Mas, para não desgostar os acusadores, condenou-O a uma morte infame, como lhe haviam pedido. E a pobre Mãe, para sua maior pena, teve de ver como aquele tão amante e amado Filho lhe era barbaramente arrancado, na flor dos anos. Fizeram-No morrer diante de seus olhos maternos, à força de torturas e esvaído em sangue num patíbulo infamante. Que dizeis, piedoso leitor? Não vos excita à compaixão a história dessa aflita Mãe? Já sabeis de quem estou falando? Esse Filho, tão cruelmente suplicado, foi Jesus, nosso amoroso Redentor. E essa Mãe foi a bem-aventurada Virgem Maria, que por nosso amor se resignou a vê-Lo sacrificado à Justiça divina pela crueldade dos homens. Portanto, é digna de nossa piedade e gratidão essa dor imensa que Maria sofre por nosso amor. Mais Lhe custou sofrê-la, do que suportar mil mortes. E se não podemos corresponder dignamente a tanto amor, demoremo-nos hoje, ao menos por algum tempo, na consideração de suas acerbíssimas dores.

Digo, por isso: Maria é Rainha dos mártires, porque as dores de seu martírio excederam às dos mártires: 1° em duração; 2° em intensidade.  


1. Maria é realmente uma Mártir

Jesus é chamado Rei das dores e Rei dos mártires, porque em Sua vida mortal padeceu mais que todos os outros mártires. Assim também é Maria chamada com razão Rainha dos mártires, visto ter suportado o maior martírio que se possa padecer depois das dores de seu Filho. Mártir dos mártires é por isso o nome que lhe dá Ricardo de S. Lourenço. E bem lhe se pode aplicar o texto do profeta Isaías: "Ele te há de coroar com uma coroa de amargura" (22, 18). A coroa, com a qual foi constituída Rainha dos mártires, foi justamente sua dor tão acerba, que excedeu à de todos os mártires reunidos. É fora de dúvida o real martírio de Maria, como assaz o provam Dionísio Cartuxo, Pelbarto, Catarino e outros. Pois, conforme uma sentença incontestada, para ser mártir é suficiente sofrer uma dor capaz de dar a morte, ainda que em realidade se não venha a morrer. S. João Evangelista é reverenciado como mártir, embora não tenha morrido na caldeira de azeite fervendo, mas tenha saído dela mais robustecido, como diz o Breviário. Para a glória do martírio, segundo Tomás, basta que uma pessoa leve a obediência ao ponto de oferecer-se à morte. Maria, no sentir do Abade Oger, foi mártir não pelas mãos dos algozes, mas sim pela acerba dor de sua alma. Se não Lhe foi o corpo dilacerado pelos golpes do algoz, foi Seu bendito Coração transpassado pela Paixão de Seu Filho. E essa dor foi suficiente para dar-Lhe não uma, porém mil mortes. Vemos por aí que Maria não só foi verdadeiramente mártir, mas que seu martírio excedeu a todos os outros por sua duração. Pois o que foi sua vida senão um longo e lento martírio? 



2. Duração do martírio de Maria 

Assim como a Paixão de Jesus começou com Seu nascimento, diz S. Bernardo, também assim sofreu Maria o martírio durante toda a Sua vida, por ser em tudo semelhante ao Filho. Como observa S. Alberto Magno, o nome de Maria significa, entre outras coisas, amargura do mar. Aplica-Lhe o Santo, por isso, o texto de Jeremias: "Grande como o mar é a minha dor" (Jr 2,13). Com efeito, é o mar amargo e salgado. Assim foi também toda a vida de Maria sempre cheia de amarguras porque não Lhe desaparecia do espírito a lembrança da Paixão do Redentor. Mais iluminada pelo Espírito Santo que todos os profetas, compreendia melhor do que eles as predições a respeito do Messias registradas na Escritura. Está isso acima de toda e qualquer dúvida. Assim instruiu um anjo a S. Brígida, e ainda ajuntou que Nossa Senhora sentia terna compaixão com o inocente Salvador, mesmo antes de Lhe ser Mãe. E tudo por causa do conhecimento que possuía sobre as dores a serem suportadas pelo Verbo Divino para a salvação dos homens, e sobre a cruel morte que O aguardava em vista de nossos pecados. Já então começou, portanto, o padecimento de Maria. Mas sem medida tornou-se essa dor desde o dia em que a Virgem ficou sendo Mãe de Jesus. Sofreu daí em diante um perene martírio, observa Roberto de Deutz, tendo em vista as dores que esperavam por Seu Filho. É também o que significa a visão de S. Brígida, em Roma, na igreja de S. Maria: Aí lhe apareceu a Santíssima Virgem em companhia de S. Simeão e de um anjo que trazia uma longa espada a gotejar sangue. Essa espada era um emblema da mui longa e acerba dor que dilacerou o coração de Maria durante toda a Sua vida. O supracitado abade põe nos lábios de Maria as seguintes palavras: Almas remidas, filhas diletas, não vos deveis compadecer de Mim só por aquela hora em que assisti à morte de meu amado Jesus. Pois a espada, prenunciada por Simeão, transpassou minha Alma em todos os dias de minha vida. Quando eu aleitava meu Filho, O aconchegava ao colo, já contemplava a morte cruel que Lhe estava reservada. Considerai, por isso, que áspera e intensa dor eu devia sofrer! Maria, pois, teve razão para dizer com Davi: "A minha vida se consome na dor e os meus anos em gemidos" (Sl 30,11). "A minha dor está sempre ante os meus olhos" (Sl 37,18). Passei toda a minha vida entre dores e lágrimas, porque a minha dor, que era a compaixão com meu Filho, nunca se apartava dos meus olhos. Eu estava sempre contemplando todos os Seus tormentos e a morte que Ele um dia havia de sofrer. Revelou a Divina Mãe a S. Brígida que, mesmo depois da morte e da ascensão de Seu Filho ao Céu, continuava viva e recente em seu materno coração a lembrança dos sofrimentos d'Ele. Acompanhava-a até nos trabalhos e nas refeições. Vulgato Taulero escreve, por isso, que a Virgem passou toda a Sua vida em perpétua dor, carregando no coração luto e pesar. 
  

3. O tempo não mitigou os sofrimentos de Maria  

O tempo, que costuma mitigar a dor dos aflitos, não pôde aliviá-la em Maria. Aumentava-Lhe, pelo contrário, a aflição. Crescendo, Jesus ia mostrando cada vez mais a Sua beleza e amabilidade. Mas de outro lado ia também Se avizinhando da morte. Com isso, cada vez mais a dor por haver de perdê-Lo apertava também o coração da Mãe. Tal como a rosa que cresce por entre espinhos, crescia a Mãe de Deus em anos no maior dos sofrimentos. E, como crescem os espinhos à medida que a rosa desabrocha, cresceram também em Maria — Rosa Mística do Senhor — os penetrantes espinhos das aflições. Passemos agora à consideração da intensidade das dores de Nossa Senhora.  


4. Intensidade do martírio de Maria 

Pois entre todos os martírios foi o Seu o mais longo e também o mais doloroso. Quem lhe poderá medir jamais a extensão? Ao considerar o sofrimento dessa Mãe dolorosa, não sabia Jeremias a quem compará-lA. Pois exclama: "A quem te compararei? Porque é grande como o mar o teu desfalecimento. Quem te remediou?" (Jr 2, 13).


"O Virgem bendita, como a amargura do mar excede todas as amarguras, assim Vossa dor excede todas as outras dores" - desta forma explica Hugo de S. Vítor o citado texto. Na opinião de Eádmero, a dor de Maria era suficiente para causar-Lhe a morte a cada instante, se Deus não Lhe tivesse conservado a vida por um singular milagre. E S. Bernardino de Sena chega a dizer que a intensidade de Seu sofrimento tão aniquiladora foi que, dividida por todos os homens, bastaria para fazê-los morrer todos, repentinamente.  


ORAÇÃO


Ó minha Mãe dolorosa, Rainha dos mártires e das dores, chorastes tanto Vosso Filho, morto por minha salvação; mas de que me servirão Vossas lágrimas, se eu me perder? Pelos merecimentos, pois, de Vossas dores, impetrai-me uma verdadeira emenda de vida, com uma perpétua e terna compaixão de Jesus e de Vossas dores. E já que Jesus e Vós, sendo inocentes, tanto padecestes por mim, obtende-me que eu, réu do inferno, padeça também alguma coisa por amor de Vós. Digo-Vos com S. Boaventura: 

“Ó minha Senhora, se eu Vos magoei, feri e enternecei meu coração para castigar-me; se eu Vos tenho servido, fazei-o então em recompensa disso. Considero uma vergonha me ver sem chagas, quando Vós e Jesus estais feridos por meu amor".


Finalmente, ó minha Mãe, ainda um pedido. Pela aflição que sentistes vendo diante de Vossos olhos Vosso Filho, entre tantos tormentos, inclinar a cabeça e expirar na Cruz, suplico-Vos que me alcanceis uma boa morte. Ah! não me abandoneis na última hora, ó Advogada dos pecadores. Não deixeis de assistir minha alma aflita e combatida na terrível e inevitável passagem da vida à eternidade. E como é possível que eu perca então a palavra e a voz para invocar Vosso Nome e o de Jesus, que sois toda a minha esperança, invoco-Vos desde já, a Vosso Filho e a Vós, pedindo-Vos que me socorrais no instante final, e dizendo: Jesus e Maria, a Vós recomendo a minha alma. Amém. 



(Santo Afonso Maria de Ligório, "Glórias de Maria", 11ª ed. italiana, última revista pelo autor, de acordo com a edição crítica dos PP. Krebs e Litz, C.Ss.R.). 


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