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sexta-feira, 2 de maio de 2014

Freud e a Cocaína

Freud e a Cocaína

Por Elisabeth M. Thornton¹

Artigo publicado na Revista Le Cep (41 rue Patenôtre. Bât. 5, RAMBOUILLET 1010 – France. site: http://le-cep.org), revista interessante sob vários aspectos, mas que contêm também artigos que merecem alguma reserva.

O centenário do nascimento de Freud, em 1956 tornou conhecido a uma nova geração o ensinamento do médico psicanalista vienense, que então estava meio esquecido.

O interesse foi suscitado por uma campanha de conferências, emissões de rádio e artigos de jornal, todos feitos por amigos pessoais de Freud ou psicanalistas de renome.

As teorias psicanalistas foram apresentadas como fatos tão bem estabelecidos, que se tratou Freud como um gênio comparável a Copérnico, Newton ou Einstein. Sobretudo, Ernest Jones, amigo íntimo e discípulo de Freud, publicou os primeiros volumes da biografia de seu mestre.

Assim, foram vulgarizados os trabalhos do célebre médico, em particular sua hipótese central segundo a qual a repressão sexual seria a causa primeira da neurose e de todas as doenças mentais.



Desde os anos sessenta, viu-se constituir um grupo de universitários e escritores que pleiteavam a modificação urgente dos comportamentos sociais relativos à moral sexual, “afim de evitar a destruição da civilização”, como disse Alex Comfort. The Observer, de Londres, reclamou a criação de uma cátedra na Universidade para que se estudasse o inconsciente. E apesar de que Freud tenha qualificado a religião de “neurose obsessional universal” (uma de suas numerosas expressões contraditórias), clérigos “atualizados” apoiaram teses freudianas com entusiasmo. Veio então Marcuse, que fez um amálgama das teorias de Karl Marx e de Sigmund Freud.

Houve até intelectuais que reclamaram a incorporação do marxismo e do freudismo na doutrina da Igreja!

Hoje, mais de quarenta anos nos separam desses dias de exaltação e a sociedade permissiva engendrada por este retorno do freudismo fracassou. Os anos noventa viram emergir uma sociedade sem alegria, acabrunhada pelos problemas que a revolução sexual deixou na sua passagem. Não seria, portanto, bem-vinda a aceitação, sem reservas, das teorias do médico vienense: a “terra prometida”, liberada da neurose e das doenças mentais se revelou como um deserto rochoso.

Ora, olhando o passado, parece que muitos dos recentes partidários das teorias psicanalíticas não leram jamais, os livros de Freud com a caneta à mão para anotações.

Se o tivessem feito, teriam descoberto que o autor não apoiava, com provas, nenhuma de suas ideias. No máximo ele prometia que, em obras posteriores, mostraria as tão esperadas provas decisivas. Mas esses textos anunciados não foram jamais redigidos.

Quando Freud citava suas primeiras obras, como contendo a justificação de suas teorias, devemos crer que ele, ou tinha lapsos de memória, ou que ele assumiu o risco calculado, achando que ninguém se daria ao trabalho de verificar suas asserções.

Neste último caso, é preciso reconhecer que o jogo valia a pena! As obras de juventude de Freud estão cheias de contradições, de círculos viciosos, no meio dos quais pleiteia pelas suas ideias sem as justificar. Assim, por exemplo, no mais famoso dos casos dos anais da psicanálise, o caso de “Ana O.”, caso contado pela lenda como sendo a cura psicanalítica primordial, que lançou Freud no caminho que ele deveria seguir durante toda a vida.

Só depois de muitos anos é que a inconsistência da história de Ana O. foi descoberta. Primeiramente, Jung (que se tinha separado de Freud), num seminário em Zurique, em 1925, declarou que “quanto a este caso famoso de um sucesso terapêutico brilhante, nada disto ocorreu (...) Na verdade, não houve nenhuma cura da maneira como Freud apresentava”. Depois disto, em 1953, na biografia de seu mestre, Ernest Jones revelou o verdadeiro nome da doente. Não era uma desconhecida, ao contrário, tinha se tornado célebre como pioneira da ajuda social, oradora do movimento feminista e autora de diversas obras, sobretudo de sociologia.

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Vidro de cocaína da firma Merck, por volta de 1885
Quando o eminente historiador H.F. Ellenberger veio a Viena para trabalhar em seu livro sobre a psicanálise, pôde recolher numerosos elementos biográficos dela. Os dados fornecidos pelo estado civil levaram-no finalmente a descobrir, nos subterrâneos de um sanatório suíço, o relatório médico e a correspondência relativa ao caso de Ana O. Tudo estava esquecido ali há mais de 80 anos. Os documentos mostraram que a doente tinha sido curada não por um tratamento “catártico”, e que Freud tinha consciência do fato. Também se constatou que a doente não sofria de neurose, mas de histeria.

Os sintomas diagnosticados não podiam ser de origem psíquica, mas resultavam pura e simplesmente de uma deficiência orgânica do cérebro.

A publicação da correspondência de Sigmund Freud com Wilhelm Fliess² foi um outro golpe, este mortal, na reputação do inventor da psicanálise.

Estas cartas cobrem o período de 1892-1900, durante o qual Freud voltou as costas à medicina clássica, que ele tinha até então praticado, afim de estabelecer as bases teóricas da psicanálise. Trata-se de um apanhado de interesse inestimável sobre esses anos críticos. E, no entanto, há décadas que a família de Freud recusava a consulta destas cartas a historiadores e pesquisadores. Portanto, uma auréola de mistério rodeava estas famosas cartas. Como a pressão dos curiosos se tornou insuportável, a família autorizou enfim sua publicação completa. Da leitura destas cartas se depreende uma estranha história.

Wilhelm Fliess era um otorrinolaringologista berlinense. Tinha ficado amigo de Freud em 1892, ano onde ele veio várias vezes a Viena, por causa de seu noivado e, depois, de seu casamento com uma herdeira vienense, Ida Bondy. Tempos depois os dois homens se encontraram várias vezes por ano para realizar o que eles chamaram “congressos científicos”. Entre dois “congressos”, trocava numerosas correspondências. Estas correspondências passaram por muitas vicissitudes, em particular Freud tentou destruí-las, quando as viu reaparecer, logo depois da morte de Fliess (1858-1928).

Nos anos oitenta, Freud tinha usado várias vezes a cocaína, recentemente descoberta, mas de maneira esporádica e por via oral. As cartas enviadas a Fliess provam que Freud usou cocaína em 1892, e desta vez por via nasal, o que é muito mais perigoso, e usou-a regularmente.

Fliess tinha experimentado a cocaína sobre as vias respiratórias dos seus doentes.

Servia-se dela como anestesia local e percebia seus efeitos sobre os sintomas de seus pacientes. Elaborou a partir daí uma teoria audaciosa: a cocaína podia aliviar as dores dos órgãos genitais e também as dores de cabeça, em particular a enxaqueca. Partindo destes fatos, postulou que estas doenças não passavam de “neuroses nasais reflexas” e que o remédio principal era a aplicação de cocaína no nariz. Fliess e Freud sofriam de enxaqueca, e se constata na correspondência entre os dois que, desde o final de 1892, ambos trataram os seus ataques de enxaqueca através de aplicações repetidas de cocaína no nariz.

A “neurose nasal reflexa” não existia somente na imaginação de Fliess. Muitos tratados de otorrinolaringologia da época mencionavam esta hipótese. Tinha acabado de se descobrir o funcionamento reflexo do sistema nervoso, e a caça aos reflexos era uma moda na medicina, a tal ponto que um observador podia ironicamente escrever que se tinha presumivelmente descoberto e descrito mais reflexos novos do que o corpo humano podia comportar de nervos e músculos!

Na realidade, Fliess cometera o erro colossal de se enganar sobre as propriedades da cocaína. Com efeito, quando a droga é aplicada sobre as mucosas, ela penetra rapidamente no sistema sanguíneo através da membrana. No caso do nariz, a droga afeta o cérebro em poucos segundos. O que os dois homens supunham que era de natureza local e reflexa, era em realidade o efeito de uma droga que agia poderosamente sobre células nervosas muito sensíveis.

Ora, a cocaína tem outros efeitos. Ela é altamente vaso-constringente, ou seja, ela provoca o estreitamento dos vasos sanguíneos vizinhos ao seu ponto de aplicação. Entretanto, quando o efeito desaparece, os vasos se dilatam rapidamente e um afluxo de sangue se produz.

Como a enxaqueca é causada pela inflamação dos vasos sanguíneos na zona cerebral, uma primeira aplicação de cocaína causava um alívio inicial. Mas a dor volta mais forte quando a droga deixa de agir e a dilatação se repete. É preciso então mais cocaína para aliviar a dor, formando-se assim um círculo vicioso.

Mais ainda, as inflamações nasais eram consideradas, nesta época, como uma causa de todo um processo (ao invés de serem consideradas como um efeito secundário do tratamento), e assim novas doses de cocaína eram logo aplicadas.

Tendo a cocaína atacado as mucosas, logo sintomas patológicos graves apareceram nos dois homens, como necroses e úlceras. Mas eles viram nisto uma confirmação a mais de sua teoria do reflexo nasal, e continuaram o tratamento com cocaína...

E assim, durante anos, durante os quais elaborava suas principais teses, Freud estava sob o efeito de uma droga altamente tóxica que afetava seletivamente o cérebro; a correspondência com Fliess mostra isso de modo evidente, inegável. E este fato basta para explicar muitos outros: as excentricidades de Freud nos anos 1880 (que Jones desculpava como sendo pecadinhos inofensivos de um homem de gênio), as alterações de humor que iam do orgulho exaltado até a depressão profunda, seguidos de períodos de hiperatividade (interpretada por Ernest Jones como o sinal de uma “neurose criativa”), seus misteriosos sintomas cardíacos que o atormentaram nos meados desta década, os vazios de memória inexplicáveis, as contradições e inconsistências nas suas obras que tanto perturbam seus tradutores e editores. Todos estes sintomas são efeitos específicos da cocaína.

Quando Freud recusou tão bruscamente a moralidade comum de seu tempo, para adotar a causa da liberdade sexual, ou quando ele denunciou o mal suscitado pela repressão da agressividade, estes comportamentos podem ser explicados pela influência da cocaína.

Hoje em dia é raro utilizar somente a cocaína pura e concentrada. Mas a literatura do século XIX registra epidemias de vício de cocaína que se espalharam muito nos Estados Unidos durante os anos 1880-1890, quando se considerava a cocaína uma droga benéfica, sem perigos. Quem quiser emitir um julgamento a respeito das teorias de Freud deve considerar dois efeitos desta droga.

O primeiro é o estímulo inicial das funções sexuais, como aconteceu com o próprio Freud. No entanto, o uso repetido da cocaína leva à redução da atividade sexual, redução esta que pode ir até à cessação completa. também neste ponto, Freud nos dá o exemplo típico de um viciado inveterado. E assim, o pansexualismo que infesta suas teorias é uma consequência previsível de sua dependência à cocaína.

O segundo efeito, mais importante, é o de um aumento da agressividade, que se traduziu no final do século XIX por uma elevação notável das taxas de homicídio, até que a venda livre da cocaína foi proibida. Então se pode compreender melhor porque Freud defendeu não somente a liberdade sexual, mais ainda a não repressão das tendências agressivas.

Esta história deveria servir de lição àqueles que recusam o ensinamento da Igreja em nome das “descobertas da ciência moderna” de Sigmund Freud. As verdades eternas saídas da boca de Jesus Cristo triunfarão sempre sobre as pretensas sabedorias na moda, por mais que elas pareçam sedutoras e convincentes à primeira vista.

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¹ - E. M.. Thornton é autora de Freud and Cocaina – The Freudian Fallacy (Blond and Briggs Limited, Dataday House, Alexandra Road London Sw 19 75 Z).
² - Freud, Sigmund, Lettres a Wilhelm Fliess, Paris, PUF, 2006.

Esta é a versão em html do arquivo: http://fbmv.files.wordpress.com/2011/09/freud_e_a_coca_na.pdf.
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