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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Pe. Bouchacourt: Filhos da Igreja

Operação Memória


FILHOS DA IGREJA



Pe. C. Bouchacourt
Os tempos difíceis que a Igreja atravessa por quase 50 anos não devem nos desanimar nem nos fazer duvidar da Igreja Católica, que nos fez nascer para a graça no dia do nosso batismo. Pelo contrário, reavivemos nossa fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, seu Divino Fundador, que prometeu assisti-la até a sua volta: “Eu estou sempre convosco até o fim dos tempos”.(1) Esta Igreja, nascida do seu lado transpassado na Sexta-feira, recebeu a missão de difundir os efeitos da Encarnação e da Redenção do Salvador até o fim dos tempos. À imitação do que Cristo fez durante sua vida terrena, ela ensina, santifica e conduz as almas a Deus, confiante de que nunca abdicará de sua missão, nem perecerá jamais: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e portas do inferno não prevalecerão contra ela”.(2)

Cristo confiou os seus ensinamentos à Igreja. Ela não é sua proprietária, mas sua depositária. No cumprimento do seu mandato, leva-os até os confins da terra para dispor as almas a receberem a vida sobrenatural, para iluminá-las e conduzi-las à vida eterna. “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado”.(3) Esse é o roteiro que a Igreja recebeu do seu Divino Fundador e que deve seguir até a sua segunda vinda. Sua hierarquia, sua disciplina, sua organização interna, seu direito canônico estão a serviço da doutrina recebida de Cristo para transmitir a fé que ela deve conservar, explicar, explicitar, defender e transmitir em toda sua integridade, para o bem das almas e com a assistência do Espírito Santo. Ninguém, até mesmo o Papa, pode mudar substancialmente este depósito recebido, sem correr o risco de ofender gravemente a Deus e comprometer a Fé dos próprios católicos.

A Igreja cumpre esta missão há dois mil anos, mantendo sua unidade, conservando esta herança contra os ataques do erro, apesar das perseguições que não faltaram desde sua fundação e as traições de certos membros que ela excluiu de seu seio. Fortalecida por esta Assistência Divina, não cessou de se consolidar e se estender por toda a face da Terra, apoiando-se sobre os dois pilares que constituem a Revelação: a Sagrada Escritura e a Tradição. A Sagrada Escritura é a palavra de Deus posta por escrito sob a inspiração do Espírito Santo e registrada nos 72 livros da Bíblia (45 do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento). Quanto à Tradição, ela se reflete na prática da Igreja, nas fórmulas e nos usos litúrgicos, nos escritos dos Padres e dos Doutores da Igreja, nos Credos, nos Concílios, nas encíclicas dos Papas, nos catecismos, nas obras de arte sacra, etc.

Este patrimônio chegou intacto até nossos dias. Estas são as fontes nas quais beberam os filhos da Igreja ao longo de toda sua história. A implementação desta doutrina deu frutos visíveis: a Cristandade. Os homens, as mulheres, as famílias, a sociedade foram transformados por este tesouro, e o céu se encheu de santos, conhecidos e desconhecidos. Nós queremos conhecer esta herança preciosa e ser fiéis a ela, defendê-la e transmiti-la em toda sua pureza para as gerações futuras. Negá-la significaria negar Nosso Senhor Jesus Cristo, bem como os papas, os mártires e os santos que nos precederam.

Nos últimos cinquenta anos, com o Concílio Vaticano II, os homens da Igreja quiseram adaptar este depósito revelado à mentalidade moderna. Este foi o famoso aggiornamento conciliar. Eles tentaram modificar profundamente estes dois pilares sobre os quais a Igreja se apoia: a Sagrada Escritura e a Tradição. Em conformidade com este funesto espírito foram revisados e corrigidos os textos sagrados da Bíblia e sua interpretação. Também se iniciou uma ruptura com a Tradição bimilenar da Igreja. Por isso, transformou-se a liturgia, o Direito Canônico, o catecismo, a arte católica, para adaptá-los à nova doutrina ensinada. À semelhança da Revolução Francesa, toda referência ao passado devia desaparecer. O ‘ano 1’ da Igreja Conciliar começou, então, com João XXIII e o Concílio Vaticano II. Fez-se tábua rasa do passado. Uma primavera foi anunciada, mas o que chegou foi um inverno! Um inverno glacial que esterilizou a Igreja e suas obras, porque se quis separar a Igreja de seu Esposo, Jesus Cristo, para casá-la com o mundo. Esta família reconstituída recebeu o nome de ‘Igreja conciliar’, segundo as próprias palavras do Cardeal Benelli. Assim se chegou a uma crise sem precedentes, que até esta data ainda não chegou ao fim. A Igreja foi abalada até os seus fundamentos. Para conservar a sua Fé, os filhos da Igreja de sempre, em oposição a este ‘espírito conciliar’, passaram à resistência e sofreram a perseguição de Roma, dos bispos e dos padres. Que mistério insondável! O Padre Calmel, sacerdote dominicano francês, capelão das irmãs dominicanas de Brignoles, grande defensor da Tradição desde os primeiros tempos, escreveu estas magníficas palavras: “De nenhuma maneira formamos uma seita marginal. Somos membros da única Igreja Católica, Apostólica e Romana. Fazemos o possível para preparar o dia abençoado em que, voltando a autoridade a ser o que nunca deveria ter deixado de ser, a Igreja, à vista de todos, finalmente será livrada da neblina sufocante das provações presentes. Ainda que esse dia demore a chegar, buscamos não abandonar de forma nenhuma o nosso dever essencial de nos santificarmos; e fazemos isso guardando a Tradição no mesmo espírito que a recebemos, que é um espírito de santidade”.(4)

Animado por este mesmo espírito, um filho eminente da Igreja e digno sucessor dos Apóstolos, Mons. Lefebvre, viajou incessantemente de Ecône a Roma para tentar convencer o Papa e sua equipe a retornarem à Tradição, sem nunca querer romper com a Sé de Pedro. Eis o que ele pregava em 26 de fevereiro de 1983, no Seminário de Zaitzkofen, antes de ordenar o Padre Ceriani e alguns outros diáconos:
“(...) Alguns membros da Fraternidade, infelizmente, pensaram que não havia nenhuma razão para ir a Roma, que não se deveria mais ter contatos com aqueles que hoje estão no erro, mas que se deveria abandonar àqueles que aderiram ao Concílio Vaticano II e às suas consequências. E por isso mesmo, porque a Fraternidade continuou a manter contatos com Roma e com o Papa, preferiram abandonar a Fraternidade.
A Fraternidade nunca agiu dessa maneira, e nunca pensei ter que dar esse exemplo. Pelo contrário: não deixarei de ir a Roma. Continuo mantendo contatos com o cardeal Ratzinger, a quem já conheceis, com o propósito de que Roma volte à Tradição. Se eu pensasse que o Papa não existisse mais, que não há Papa, para que ir a Roma? E então, como esperar que Roma volte à Tradição? Porque é o Papa que deve fazer que a Igreja volte à Tradição. A ele corresponde essa responsabilidade. Se hoje em dia infelizmente se deixa arrastar pelos erros do Vaticano II, isso não é motivo para abandoná-lo. Muito pelo contrário: devemos colocar todo nosso esforço para fazê-lo refletir sobre a gravidade da situação, para fazer que volte à Tradição e pedir-lhe que faça a Igreja voltar para o caminho seguido por vinte séculos.
Sem dúvida, alguns me dirão (como dizem aqueles que se afastaram de nós): ‘É inútil, está perdendo seu tempo!’
O que acontece é que eles não têm confiança em Deus. Deus pode tudo! Do ponto de vista humano, realmente é decepcionante, mas devemos rezar, rezar o dobro pelo Papa, para que Deus o ilumine, para que finalmente abra os olhos, para que veja os desastres que se expandem na Igreja. Devemos rezar para que os seminários se encham como estão os nossos, para formar novamente padres que celebrem a verdadeira Missa e cantem as glórias de Deus, como Cristo fez na Cruz, e para que continuem o Sacrifício da Cruz.
É por isso que vou a Roma! Esta é a Fraternidade.”

Este é também o caminho seguido por seu sucessor, Dom Fellay, após a morte do nosso fundador. Como somos filhos da Igreja, não podemos resignar-nos a ver que a Tradição seja expatriada de seu seio, como ainda é hoje. Essa foi a finalidade dos recentes discussões doutrinais: mostrar às autoridades romanas que a Igreja não pode ser cortada de suas raízes, como o fez durante o último Concílio e nas décadas seguintes. De fato, a solução da crise que a Igreja atravessa se encontra na restauração da Tradição em todos os seus níveis. Estamos convencidos de que um dia essa restauração irá ocorrer, mesmo que leve tempo... Já é possível ouvir algumas vozes – que não são vozes da Fraternidade – pedindo que se faça uma análise crítica dos textos do último Concílio. Tal atitude era impensável há 10 anos. Não há dúvida de que este movimento ainda é tímido, mas não deixa de ser real e crescerá. A ala progressista se opõe a tal eventualidade e se oporá por todos os meios, como inimigos da Igreja, a esta restauração.

Quanto a nós, filhos da Igreja, é preciso que não percamos o ânimo, que guardemos a Fé e a Esperança iluminadas pela Caridade, que rezemos e façamos penitência pela Igreja e por sua hierarquia.

Façamos nossas as palavras de Nossa Senhora de La Salette: “Chamo os meus filhos, os meus verdadeiros devotos, aqueles que já se consagraram a mim a fim de que vos conduza ao meu Divino Filho; os que, por assim dizer, levo nos meus braços, os que têm vivido do meu Espírito; finalmente, chamo os apóstolos dos últimos tempos, os fiéis discípulos de Jesus Cristo que têm vivido no desprezo do mundo e de si próprios, na pobreza e na humildade, no desprezo e no silêncio, na oração e na mortificação, na castidade e na união com Deus, no sofrimento e no desconhecimento do mundo. Já é hora que saiam e venham a iluminar a Terra. Ide e mostrai-vos como filhos queridos meus. Eu estou convosco e em vós enquanto a vossa Fé for a luz que vos ilumina nesses dias de infortúnio. Que o vosso zelo vos faça famintos da glória de Deus e da honra de Jesus Cristo. Lutai, filhos da luz, vós que sois em pequeno número e que vedes; porque vem o tempo dos tempos, o fim dos fins”.

Que cada um esteja em seu lugar, ali onde a Providência o colocou, para cumprir fervorosamente o seu dever de estado, rezar o terço e fazer penitência pelas intenções da cruzada que Dom Fellay nos chamou até o Pentecostes de 2012, “para que a Igreja seja libertada dos males que a afligem ou que a ameaçam em um futuro próximo, para que a Rússia seja consagrada e venha logo o triunfo da Imaculada”. Eis o que a Igreja espera dos seus filhos e filhas! Está ao alcance de todos. Ninguém pode se esquivar deste dever sem ser ingrato com Aquela que deu à luz a Graça. Façamos isso com grande confiança pela honra de nossa Mãe, a Santa Igreja, e pela salvação das almas.

Que Deus os abençoe!

Pe. Christian Bouchacourt
Superior do Distrito da América do Sul



(1) Mat. 28, 20.
(2) Mat. 16, 18.
(3) Mc. 16, 15-16.
(4) Pé Calmel, O.P.: “Brève apologie pour l’Eglise de toujours”, anexo 2, pág. 98.



Português revisado por Giulia d'Amore di Ugento.



Revista Jesus Christus n. 136